domingo, 11 de junho de 2023

AMOR...


AMOR...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane! Em tempos em que tudo é fugaz, que tudo parece ter prazo de validade, a vida na sua tecitura mais profunda e complexa não segue esse clichê oportunista. A existência humana é a existência humana, e ponto final. Emoções, sentimentos e tudo mais que couber nos espaços da subjetividade transitam além das etiquetas, das amarras e dos protocolos sociais. Simplesmente, batem fundo, como se dessem asas e vozes ao mais profundo da afetividade que nos habita.     

Por isso, caro (a) leitor (a), sem essa de que amor acaba! Amor é amor. Flui, brota, transcende, sem pedir licença, sem explicar motivos ou razões, sem se esgotar jamais. Não tem meio termo, não fica em cima do muro. Aliás, amor não tem que ser decifrado, esclarecido, definido, por ninguém. Amor tem que ser sentido. De preferência, até a última fibra do corpo. Para que não restem dúvidas. Para que não faltem lembranças.

Mas, o que vem acontecendo amiúde, nesse mundo contemporâneo, é que as pessoas foram desconstruindo as suas prioridades humanas em razão de uma roda viva de compromissos, de afazeres, de pseudo-obrigações, que a disponibilidade de ser, de estar, de ficar, de continuar, se perdeu. E para amar não basta só querer, é preciso estar disponível! Disponível em presença, em corpo, em alma, em afeto, em diálogo, em silêncio, em tudo o que é capaz de fiar as maravilhas de uma relação humana.

Talvez, seja esse o ponto crítico da história. Colocando reparo na dinâmica do mundo, a gente acaba entendendo que se o ser humano não está disponível nem para si mesmo, que dirá para o outro! Atraídos pelos encantos e deslumbramentos contemporâneos, quando tudo parece luzir como decoração de Natal, acabamos condicionados a viver freneticamente sob os ditames do TER ao invés do SER. O que é altamente cansativo, desgastante, sofrido, tanto do ponto de vista físico quanto emocional.

Acontece que amar é uma relação simbiótica e não se nutre somente do lado bom da vida. Quem ama, ama do direito e do avesso. Ama em dias de céu limpo e de tempestades. Ama no verão e no inverno. Ama nas vitórias e nas derrotas. Ama nas afinidades e nas discordâncias. Ama as virtudes e os defeitos. Ama o belo e o feio. ...

Daí amar ficou demasiadamente pesado para quem está à beira da falta de fôlego. Que não consegue dar conta nem de si mesmo. Que acha difícil se abster do individualismo habitual para deixar apenas a individualidade genuína se apresentar e poder coexistir com a individualidade do outro.

Pois é, estamos nos distanciando do amor! No seu sentido mais pleno, mais completo, e o substituindo por afetos superficiais e materializáveis. Que se contentam com manifestações virtuais, com lembrancinhas e presentinhos eventuais, com encontros casuais, porque não pode interferir na dinâmica do cotidiano dos envolvidos.

De repente, esse estranho modo de amar vem se transformando em algo protocolar, em espaço na agenda, em dia e hora preestabelecidos, em rito social; mas, que não tem qualquer poder de agregar as pessoas no mais íntimo e profundo das suas almas. E não há nada mais triste do que uma solidão a dois, sendo chamada de amor.

Porque ao contrário de enganar o outro, o engano parte de si mesmo, de querer se enganar ou de tentar driblar o desconforto da solidão. Pena que esse afeto que se propõe está oco, está vazio e, portanto, não tem nada a dizer, a expressar, a construir. Talvez haja uma presença física sob a mesma geografia; mas, não há uma presença existencial e subjetiva. A insustentável condição do mundo real, que implica em estar pleno na relação, é substituída pela superficialização da interação virtual, que não exige o toque, o olhar, a emoção, o sentimento em si.

Desse modo, o amor vai desbotando, vai perdendo a cumplicidade, vai perdendo o desejo, ... Vai se esfacelando em nós. Vai se esfacelando no outro. Sem perceber nossas necessidades mais vitais acabam sendo supridas por migalhas, por restos. Porém, não reclamamos, não dizemos nada, aceitamos como se estivesse tudo certo. Mas, não está! É preciso entender que o amor é a exata medida do pertencimento, da empatia, da alteridade, sem, contudo, se sustentar pela idealização, pela projeção ilusória do outro.

O amor aceita a imperfeição, o inacabado, as diferenças, porque entende que ninguém é igual a ninguém; mas, para isso, ele sabe que se relacionar significa se dispor a aparar as arestas que surgirem pelo caminho. O que explica porque se pode amar sem medida e não, necessariamente, apenas uma pessoa ao longo da jornada da vida. Tudo vai depender, então, da disposição individual de cada um, do quanto irá se permitir ser abordado pelo amor. Mas, o que importa é amar, é ver o amor transbordar dentro de si e revolucionar a sua própria humanidade.

Como escreveu Anais Nin, “O único transformador, o único alquimista que muda tudo em ouro, é o amor. O único antídoto contra a morte, a idade, a vida vulgar, é o amor”. É por essas e por outras que dizem, por aí, que ele é o sentido da vida! Afinal, “Sem um amor não vive ninguém. Pode ser sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro” (Miguel Esteves Cardoso), para que de posse dele você jamais se sinta só ou à deriva.