segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Será que só as nuvens não desaprenderam a chorar???


Será que só as nuvens não desaprenderam a chorar???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Contra fatos não há argumentos. Enquanto o ser humano insistir em desafiar a Natureza, ele vai sempre perder. Mais um verão em que o Brasil assiste perplexo aos eventos extremos do clima. Dessa vez foi o Litoral Norte e Baixada Santista, no estado de São Paulo, o alvo da intempérie 1.

Acontece que no mundo contemporâneo de tantas incertezas, essa é uma certeza que vem sendo sinalizada pelas Ciências do Clima há décadas. Os eventos climáticos estão sob uma nova ordem global em decorrência de todas as ações antrópicas que vêm sendo impostas ao Meio Ambiente.

Geleiras estão derretendo a olhos vistos. A desertificação já afeta 40% de toda a superfície terrestre não coberta por gelo. Os regimes pluviométricos apresentam-se sobre extremos de excesso e escassez, em diferentes áreas. Os gases responsáveis pelo Efeito Estufa se acumulam cada vez mais na atmosfera. A temperatura dos oceanos se eleva. Enfim...

Porém, na contramão da realidade, visível e palpável, a humanidade persiste na sua teimosia arrogante, na ostentação da sua pseudossuperioridade, agindo em total desacordo com as orientações tecnocientíficas, negligenciando por completo o custo desse comportamento nada inteligente.

Segundo o ex-ministro brasileiro do Meio Ambiente, José Goldemberg, “O lixo pode ser reciclado, a água poluída tratada e recuperada, bem como certos solos, mas é difícil evitar agressões à Terra a menos que abandonemos o progresso como meta desejada por todos”.

Portanto, esse é o ponto, aquilo que chamamos progresso, desde a Primeira Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII.

Foi a partir desse marco histórico para a humanidade que se rompeu, de maneira brutal, com quaisquer vestígios ainda remanescentes de um equilíbrio existente na relação humana com os espaços geográficos.

A ideia da urbanização, que em tese deveria estar ancorada em princípios básicos de uso e ocupação do solo, subverteu a lógica para atender aos interesses mercantis e de monetização, os quais passaram a comandar definitivamente a vida humana.

Gabando-se da sua engenhosa capacidade cognitiva e intelectual, os seres humanos passaram sim, a meter os pés pelas mãos, e a ocupar os espaços segundo suas vontades e quereres, que pudessem lhes restituir volumosos montantes capitais.

Então, se começou o desvia daqui. Aterra dali. Submerge acolá. Desmata adiante. ... Teoricamente subjugando o Meio Ambiente para satisfazer os seus propósitos de desenvolvimento e progresso. Só faltou combinar com a Natureza! Porque a teoria na prática é bem outra!

Haja vista, por exemplo, quantas cidades localizadas aos pés de vulcões ativos vivem sob a iminência de serem destruídas. Como aconteceu com a catastrófica erupção do Monte Vesúvio, em 79 d.C., que destruiu Pompeia, na região de Campânia, sul da Itália.

Ou alguns lugares inabitáveis, no planeta, como o Deserto de Danakil, que abrange o nordeste da Etiópia e o sul da Eritreia. O Vale da Morte, na península de Kamchatka, na Rússia. O monte Sinabung, na ilha de Sumatra, na Indonésia. A Ilha da Queimada Grande (ou Ilha das Cobras), entre as cidades de Itanhaém e Peruíbe, no litoral de São Paulo. A Caverna dos Cristais, em Chihuahua, no México.

A questão é que onde o ser humano vê a possibilidade de intervir na geografia espacial a seu favor, ele faz sem pensar nas consequências e desdobramentos. Há um imediatismo nas ações antrópicas, incontrolável.

É por essa razão, que não se pode chamar os desdobramentos catastróficos, dos eventos extremos do clima, de meros eventos imprevisíveis. Simplesmente, porque não se ousou fazer o mínimo em relação à sua prevenção. Sabiam, mas não fizeram nada a respeito.

Aliás, é bom destacar o exemplo de Petrópolis. Um ano depois de uma chuva torrencial que vitimou 241 pessoas, a cidade segue coberta por escombros, sem previsão de moradias para os desabrigados, com problemas em disponibilizar o auxílio aluguel empenhado pelas autoridades na ocasião, e sem quaisquer sinalizações de projetos que busquem evitar novos episódios nas mesmas dimensões 2.  

Vejam bem, considerando que é o ser humano quem tece as narrativas a respeito das tragédias climáticas, há um enviesamento discursivo que tende a nos convencer de que a culpa é sempre da Natureza. Só que não. São as ações antrópicas que movem o mau uso e ocupação do solo.

O exemplo do que aconteceu no Litoral Norte e Baixada Santista, agora, é prova de que todos os cidadãos têm seu quinhão de responsabilidade no que aconteceu. Poder público. Classe política. Instituições. Organizações Não-Governamentais (ONGs). Sociedade civil. Ricos. Pobres. Seja por ação direta, indireta, ou simples omissão, descaso ou negligência.

Para quem não sabe, é a Lei n. º 6766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano no país, ou seja, como ele pode ser usado e ocupado a partir do que estabelecem as normas técnicas a serem devidamente observadas.

De modo que em seu artigo 1º, parágrafo único, ela também determina que “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e locais” 3.

Mas, o que adiantam leis que não são respeitadas pelas pessoas, que não são cumpridas por falta de fiscalização, que se desviam dos seus princípios de responsabilidade e cuidado cidadão? Existem, mas ficam presas ao papel.

Infelizmente, apesar de tudo o que vem acontecendo, no Brasil e no mundo, em termos de eventos extremos do clima, as decisões capitais prevalecem em prejuízo às decisões pautadas na sustentabilidade socioambiental. O Ter fala mais alto do que o Ser. E o resultado desse negacionismo científico está aí, para quem quiser ver.

A verdade é que esse modelo de gestão socioambiental, que vigora até aqui, fracassou e está levando o planeta ao colapso da sua estabilidade, do seu equilíbrio. Está matando pessoas. Está destruindo bens, produtos e serviços. Está estabelecendo uma nova geografia para os espaços.

Conforme manifestou a Organização Meteorológica Mundial (OMM), “2022 foi o décimo ano consecutivo em que as temperaturas globais atingiram pelo menos 1°C acima dos níveis pré-industriais. Para 2023, a previsão é que a temperatura global fique entre 1,08°C e 1,32°C, acima da média do período pré-industrial” 4.

Já dizia Arthur Schopenhauer, “O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem”. Perfeito! Porque, mesmo em pleno século XXI, em plena era da Alta Tecnologia, não há engenhosidade cognitiva e intelectual humana capaz de nos devolver a saúde que permitimos perder, em grande parte, pela própria destruição ambiental.

Agrotóxicos em demasia. Poluentes por todos os lados. Queimadas. Aquecimento e frio extremos. Ausência de saneamento básico. Assoreamento dos cursos d’água. Destruição do habitat de vetores de doenças graves, como o vírus Marburg 5. ...

Assim, aproveitando o atual momento de crise socioambiental, que o Brasil experimenta –  seja com o recente episódio no litoral paulista, ou com os Yanomamis, ou com a seca no Sul do país, permita-se refletir sobre a perspectiva de que “A construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios – sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento – que balizam a conduta do indivíduo num grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela” (Émile Durkheim).

Pois, essa consciência pode sinalizar um caminho não só para uma efetiva transformação humana; mas, sobretudo, para uma transformação cidadã. Afinal, “Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem” (Zygmunt Bauman).



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