domingo, 29 de janeiro de 2023

Yanomamis – Crise Humanitária. Crise Ambiental. Crise Capital.


Yanomamis – Crise Humanitária. Crise Ambiental. Crise Capital.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mahatma Gandhi dizia que “A natureza pode suprir todas as necessidades do homem, menos a sua ganância”. Assim, se por um lado as medidas humanitárias tomadas em relação ao abandono perverso e cruel dos Yanomamis representa o ponto de partida para o seu resgate da dignidade humana, por outro elas não eximem a necessidade urgente de ruptura com o ciclo de garimpagem e exploração ilegal na região onde vivem.

Enquanto muita gente se colocou na linha de frente para ajudar os Yanomamis, nesse momento tão crítico da sua história, disponibilizando tempo e esforços para salvá-los das doenças e do quadro famélico em que se encontram, percebi com certo pesar e tristeza um comportamento menos proativo de certos setores do governo federal, como o Ministério da Defesa, por exemplo.

Trata-se de uma observação importante e pertinente, porque esse ministério deveria estar atuando de maneira mais ativa e efetiva, até mesmo para facilitar a chegada e o trabalho das forças de atendimento médico-hospitalar naquela região. Afinal de contas, durante muitos anos, o país se orgulhou e ostentou  a existência  do Batalhão Amazonas, o único Batalhão de Infantaria de Selva Aeromóvel do Exército Brasileiro com estrutura organizacional completa 1.

Imagino que o mesmo ainda se encontre ativo e operante, razão pela qual entendo que ele poderia ser de extrema ajuda na atual conjuntura. Primeiro, como um apoio adicional ao trabalho da Força Aérea Brasileira (FAB), que já montou um hospital de campanha na área externa da Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista/RR, o qual vem operando em situação de superlotação 2, por conta do número de indígenas doentes que é muito superior à capacidade do mesmo.

Segundo, porque já se sabe por meio de relatórios institucionais e matérias jornalísticas, de diferentes veículos de imprensa nacional e estrangeiro, que garimpeiros e exploradores ilegais permanecem agindo de diferentes formas para obstaculizar quaisquer auxílios aos Yanomamis, a fim de comprometer a sua sobrevivência e subjugá-los à fúria de seus propósitos devastadores.

Sem contar que, enquanto eles dominam a região, a destruição da floresta persiste e a extração de ouro e outros minerais, de forma ilegal, acontece em total desrespeito às normas ambientais brasileiras. O que significa que a vida dos Yanomamis permanece ameaçada, considerando que o seu habitat natural está sendo destruído de maneira praticamente irreversível.

Desse modo, enquanto nenhuma medida for tomada, no sentido de fazer cumprir a legislação nacional e conter a atuação de garimpeiros e exploradores ilegais na região, o cenário atual, apesar da recente publicização da tragédia humanitária contra os povos indígenas, permanecerá fluindo.

É preciso entender que esse modelo de relação depredatória está atrelado a um movimento circular destrutivo, ou seja, eles destroem, roubam, matam, porque não existe qualquer tipo de resistência por parte do Estado brasileiro. São décadas e décadas assim, sem que se esboce qualquer contestação aos ultrajes criminosos presentes na região indígena.

Em linhas gerais, isso significa um modelo de dominação pelo poder paralelo da ilegalidade que não se constrange e nem se intimida, porque não reconhece e nem percebe a ação contundente do Estado brasileiro, através de seus corpos multissetoriais, dentro daquele espaço geográfico.

Reconheço que o desmantelamento recente 3, nos últimos quatro anos, da estrutura socioambiental, especialmente, na região norte brasileira, impôs desafios importantes nesse sentido. Acontece que essa pauta foi apresentada como a mais importante da nova gestão federal.

Então, há toda uma expectativa em relação às ações que irão colocar a situação nos trilhos novamente, o mais rápido possível. Afinal, a região Amazônica tem pressa. Os povos originários, incluindo os Yanomamis, têm pressa. A fauna e a flora têm pressa. Os rios e os igarapés têm pressa. O equilíbrio ambiental do planeta Terra tem pressa. De modo que todas as ajudas serão sempre muito bem-vindas!

O ator e ativista ambiental norte-americano, Ed Begley Jr., tem uma citação muito interessante. Ele disse, “Não entendo porque quando destruímos algo criado pelo homem, chamamos isso de vandalismo, mas quando destruímos algo criado pela natureza, chamamos de progresso”. Pois é, a avassaladora destruição dos prédios dos três poderes, em Brasília/DF, no último dia 8 de janeiro, prova essas palavras.

Não se trata de levar a reflexão para o campo do mais ou menos importante, porque em ambos os casos, Brasília e a Amazônia, estamos falando de patrimônio material e imaterial da humanidade. A questão é o modo como nos comportamos, como analisamos, como nomeamos as situações, como reagimos diante delas.

É isso que dá a dimensão da importância que elas têm ou, pelo menos em tese, deveriam ter. Portanto, isso define de que lado estamos, de que maneira nossa consciência cidadã se posiciona.

Diante de tudo o que temos visto em termos de transformações climáticas extremas e de destruição descomunal antrópica, no Brasil e no mundo, não há mais espaço para dizer que não entende que “Não herdamos a Terra de nossos ancestrais; nós pegamos emprestado de nossos filhos” (Wendell Berry).

Desse modo, qualquer resistência nesse contexto, antes do que se possa imaginar, será desconstruída pela lógica absoluta de que “Pessoas que não sustentam árvores, em breve, viverão em um mundo que não sustenta pessoas” (Bryce Nelson).

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