terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Vai um veneninho aí?


Vai um veneninho aí?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vai um veneninho aí? Em breve, seremos questionados assim, no momento das refeições. Sem saber exatamente o que colocamos no prato, se é comida in natura ou amontoados de agrotóxicos, fato é, que estaremos expostos a uma imensidão de riscos à saúde inimaginável. Digo isso, porque o Projeto de Lei n.º 1459 1, de 2022, o qual propõe modificar o sistema de registro de agrotóxicos , seus componentes e afins, deve ser votado hoje, no Senado da República.

Na contramão do mundo consciente sobre o desenvolvimento sustentável, o Brasil se rende inescrupulosamente aos apelos consumistas da indústria química, sem se dar ao trabalho de refletir, por um segundo sequer, a respeito do que significa “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (art. 225, inciso V, CF de 1988).

Aliás, contrariando também a decisão da COP15 da Biodiversidade, quando “Países chegam a acordo histórico para proteger 30% do planeta” e incluiu “garantias para os povos indígenas, guardiões de 80% da biodiversidade que existe na Terra, propondo restaurar 30% das terras degradadas e reduzir pela metade os riscos ligados aos pesticidas” 2.

A estupidez humana é mesmo algo assombroso! Foi-se o tempo em que os agrotóxicos podiam livrar as lavouras do ataque das pragas! No mundo contemporâneo atual a ameaça para a produção agrícola está nos eventos extremos do clima. Sem controle sobre a escassez ou excesso de chuvas, ventos, insolação, antigas e novas pragas podem emergir à revelia da vontade do produtor, sem que os usos de quaisquer agrotóxicos possam proteger a produção.

O combate químico feito aqui pode ir parar em qualquer outro lugar através das chuvas e dos ventos, contaminado produtos que não deveriam conter presença de agrotóxicos, contaminando cursos d’água e nascentes afetando as microfloras e microfaunas; portanto, perdendo o sentido inicial da sua utilização e consumindo recursos vultosos desnecessariamente. Sim, porque perto da fúria com a qual os eventos extremos do clima têm assolado os espaços geográficos, a perda natural pelas pragas parece irrisória, insignificante, e pouco justificável para o uso indiscriminado dos pesticidas.

No fim das contas, toneladas desses produtos são dispersos diariamente no ambiente, constituindo verdadeiros amontoados de repercussão bioacumulativa deletéria que afeta não só o equilíbrio e a salubridade do meio ambiente; mas, do próprio ser humano. A negligência no trato desses produtos vem promovendo sim, um adoecimento generalizado da vida sobre o planeta.

Acontece que ninguém se atenta para esse fato dada a baixa estimativa em relação aos acontecimentos. Há uma carência real de mensuração científica a esse respeito; mas, a força do impacto econômico gerado pela venda e consumo de agrotóxicos no mundo, obstaculiza a construção desse conhecimento. Na maioria das vezes, aponta-se a incidência dessa ou daquela patologia; mas, não se investiga as causas reais que levaram ao seu aparecimento e manifestação em uma certa população.

Ao trazer essa reflexão não posso deixar de me recordar das seguintes palavras de Charles Chaplin, em O Grande Ditador, de 1940, “[...]O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. [...]” 3. Isso, talvez, nos traga a clareza de que não somos necessariamente envenenados pelos agrotóxicos. Eles são apenas a materialidade de algo que a própria ganância humana produz, sem que nos demos conta.  

Enquanto não querem perder um grãozinho sequer para uma doença, uma praga, o país não se incomoda em perder toneladas dispersas dos caminhões pelas estradas em péssimo estado de conservação. Não se incomoda em ver a praga da fome e da miséria assolar uma parcela gigante da sua população, expondo-a a mais completa insegurança alimentar. Não se incomoda em ver crescer as estatísticas do câncer e outros males fomentados pela contaminação dos pesticidas. ...

Sim, porque quanto a isso os agrotóxicos foram, são e serão sempre inúteis no sentido de fazer com que a humanidade perceba que “[...] Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido” (Charles Chaplin – O Grande Ditador).  

Portanto, não se esqueça da sua participação nessa tragédia. Como escreveu Henry David Thoreau, “Dá teu voto inteiro, não uma simples tira de papel, mas toda tua influência”. Pois é, quando se pensa que o ato de votar resume tudo, que não é mais necessário acompanhar, fiscalizar, cobrar o representante político-partidário, votações para a chamada Lei do Veneno, por exemplo, acontecem. Há uma carência inata de fazê-los se lembrar dos compromissos assumidos; afinal de contas, por menor que seja o poder em suas mãos ele é sempre capaz de lustrar o seu individualismo, a tal ponto de não conseguir fazê-los constrangidos ou arrependidos de agir em desfavor dos eleitores e do seu próprio país.

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