segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Exercite o desapego...


Exercite o desapego...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É dezembro. É natal. Independentemente da crença que se professe, algo deveria nos convergir para um ponto comum, a reflexão em torno do desapego. Seja qual for a perspectiva sobre o sagrado de cada um, de formas bastante singulares elas apontam para a evolução humana, a partir das mais íntimas e profundas transformações de crenças, valores e princípios. Para os cristãos, por exemplo, o simbólico chega através de um menino nascido numa manjedoura despida de qualquer luxo ou ostentação. De uma família recém constituída que sai pelo deserto, largando bens e pessoas, para trás, em nome da sobrevivência.

Ontem, me deparei com a seguinte manchete: “ ‘Vou passar noite de natal dormindo’: famílias pobres ficam sem a ceia” 1. Sinais do empobrecimento e da fome nacional? Sim. Aliás, por si só, isso já é uma questão muito grave para se refletir. No entanto, são as entrelinhas que deveriam agitar a inconsciência humana de brasileiros e brasileiras, trazendo outros vieses para a discussão. Essa mania de enxergar os problemas como pontos dissociados é o maior de todos os erros. Afinal, a complexidade da vida acontece porque ela flui na agregação de aspectos e circunstâncias que dialogam de maneira direta e indireta entre si.

Caro (a) leitor (a), nem tudo é política, ou filosofia, ou sociologia, ou religião, ou legislação, nessa vida! Atravessando em todas as direções e sentidos da existência cotidiana está o ser humano. Não é à toa que Martin Luther King Jr. dizia, “A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio”. Em síntese, essas palavras dizem sobre o modo como o apego interfere e influência no equilíbrio material e imaterial do ser humano.

Sim, porque é o apego que legitima o modo de ser, de pensar, de agir, de cada indivíduo. É o que molda, o que lapida a identidade, no que diz respeito às crenças, os valores, os princípios, os interesses, as prioridades, enfim... Quanto mais materialista, menos espiritual, e vice-versa.  De modo que está no distanciamento e no desvirtuamento do ponto de equilíbrio entre esses extremos o que gera a desigualdade nas suas mais distintas manifestações.

Isso significa que o apego exercido pelos seres humanos desencadeia um conjunto de processos, muito semelhantes ao chamado Efeito Borboleta, nas relações sociais, ou seja, ao estabelecer suas escolhas e decisões, com base em um automatismo quase genuíno, eles se esquecem de avaliar os eventuais riscos e consequências que podem afetar a vida de outros que não lhes são conhecidos ou de sua convivência.

É o que se viu acontecer, por exemplo, com o negacionismo em relação às vacinas. Ao se recusarem a receber os protocolos de imunização, milhares de indivíduos permitem que os vírus permaneçam em circulação contaminando quem estiver vulnerável. Assim, essa situação pode formar legiões de órfãos, comprometer e destruir famílias inteiras, afetar a população economicamente ativa de certas regiões, sem que os negacionistas sequer tenham visto essas pessoas em algum momento de suas vidas.

Vale ressaltar que o apego fortalece certas ideias, tais como a imortalidade, a invencibilidade e a supremacia. Então, milhares de pessoas não querem ser confrontadas nesse sentido, ou seja, na sua parcela de responsabilidade diante de tantas e terríveis mazelas distribuídas pelo mundo. Porque exercitar o desapego é recobrar a consciência sobre si mesmo, sobre a sua fragilidade humana, sobre suas responsabilidades e deveres consigo e com os demais.  Sem contar, que o desapego impõe uma análise crítica sobre muitas das significâncias que se atribui ao longo da vida, criando uma distorção em torno do que é ou não importante, prioritário, essencial.

Portanto, não se recuse a pensar, nem a enxergar, nem a discutir a respeito. Se tudo isso lhe soar difícil, desconfortável, constrangedor, que tal canções? Dezembros, natais, são sempre momentos de música flutuando pelo ar. Que tal se permitir, alguns minutos que sejam, e apreciar John Lennon (Imagine 2/ Happy Xmas [War Is Over]3), Ozzy Osbourne (Dreamer)4, Louis Armstrong (What a wonderful world)5, Phil Collins (Another Day In Paradise) 6,  Jota Quest (Dias Melhores 7/ Daqui só se leva o amor 8), Lenine (Paciência)9, Skank (Pacato Cidadão) 10, Pato Fu (Perdendo Dentes 11/ Simplicidade 12), ... ? Creio que elas podem sim, trazer “Longa vida aos que conseguem se desapegar do ego e ver a graça da coisa” (Martha Medeiros). Assim, quem sabe você não encontra o motivo perfeito para estabelecer o que é ou não importante na sua vida, hein? Vale tentar!

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