terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Há lógica no absurdo...


Há lógica no absurdo...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se engana quem pensa que o absurdo é ilógico! A prova mais recente dessa constatação está nos atos antidemocráticos que se deflagraram mais intensamente no pós-eleição deste ano. Não, nada do que vem acontecendo é resultado do de repente. Muito pelo contrário! A existência de método, de planejamento, de organização, demonstra de todas as maneiras como esse processo veio sendo gestado ao longo do curso desse governo.

Torna-se, agora, elucidado o fato de que a ultradireita nacional nunca teve muita certeza em relação a sua manutenção à frente do país. Nem mesmo a insatisfação popular fomentada a partir de 2013 e nem o inesperado episódio da facada contra o seu candidato à Presidência da República, em 2018, era suficiente para tranquilizá-la. Tanto que eles usaram de diversos estratagemas para afastar qualquer possibilidade do seu principal adversário concorrer ao pleito. Bem, conseguiram seu intento. Chegaram ao poder!

Acontece que a alegria foi logo surpreendida pelo descortinamento de verdades indigestas relacionadas ao processo de conquista do poder. Pois é, dizem que não há crime perfeito e, muito antes do que se poderia supor, os artifícios e as armadilhas utilizados tornaram-se de conhecimento público. A ultradireita teve a sua identidade secreta desmascarada! De modo que os discursos e as narrativas foram derretendo à velocidade dos acontecimentos, colocando em xeque a sobrevivência do ideário de manutenção de poder.

Foi assim que as rotas metodológicas, de planejamento e de organização foram sendo reavaliadas e intensificadas. Talvez, com uma certa dificuldade ocasionada pelo imponderável chamado COVID-19, que lhes impôs uma conjuntura bastante adversa aos seus interesses; mas, nada que pudesse comprometer definitivamente a empreitada. Afinal, uma das ferramentas importantes para a sustentação do seu movimento eram as Fake News, disseminadas ininterruptamente através das redes sociais na web e na deep web.

E quando, finalmente, o tempo eleitoral chegou, uma avalanche de recursos públicos e de promessas vãs, que poderiam sinalizar a cartada final para a consagração da vitória, foram confrontadas com a consequência do esfacelamento e deterioração dos velhos estratagemas, materializado na volta triunfante do seu principal adversário na corrida ao pleito eleitoral. Todas as certezas estavam sob ameaça novamente!

Sem maiores possibilidades de reverter o cenário, a ultradireita não viu outra possibilidade a não ser a beligerância explícita. Entre inimigos reais e imaginários, ela partiu para o ataque. Contra a Suprema Corte. Contra os adversários. Contra os eleitores em oposição. Contra a Democracia. Contra o Estado de Direito. Contra o sistema eleitoral vigente. Elevando o nível de tensão dentro do país a níveis tóxicos e insustentáveis. Mesmo assim, essa primeira leva de beligerância não cumpriu seu papel satisfatoriamente e os ultradireitistas perderam as eleições.

Frustrados, inconformados, e consumidos pelo ódio, partiram, então, para a expressão de atos antidemocráticos, ganhando as manchetes dos veículos de informação e comunicação nacionais e estrangeiros; bem como, a desaprovação e a sinalização de possíveis sanções por parte de diversas autoridades diplomáticas mundo afora. O que só foi possível porque já estavam cientes de que esse poderia ser o último ato de resistência a ser impetrado por eles. Assim, não resta mais dúvidas sobre as razões que os levaram, nos últimos cinco anos, a defender explicitamente a ideia de uma sociedade fortemente armada e com pleno acesso a aquisição de artefatos beligerantes.  

Essa é a constatação cabal de que o Brasil nunca foi um país pacífico. As insatisfações, os interesses, os ódios, os revanchismos, ... apenas se mantêm cultivados nas entrelinhas, naquilo que passa, tantas vezes, à margem da atenção social. Já dizia Paulo Leminski, “Repare bem no que não digo”. Criando uma crença de omissão, de displicência, de desleixo do indivíduo, em relação ao exercício da sua cidadania, quando, na verdade, não passa de má-intenção medida e pesada, de acordo com os oportunismos de ocasião. Sim, porque há sempre alguém que espera tirar alguma vantagem dos infortúnios nacionais.

Entenda, nada, absolutamente nada, do que estamos presenciando é obra do acaso, no Brasil. No fim das contas, o que temos diante da retina não passa de uma mudança de chave entre a necropolítica e a política do medo. Ao perder as eleições e não podendo mais deixar morrer ou fazer morrer, o mecanismo encontrado pela ultradireita brasileira é reforçar a ideia do medo. Para isso vale quaisquer tentativas para fazer minguar a materialização das manifestações de esperança, ou seja, esvaziar o público da posse do novo Presidente da República em 1º de janeiro, demonstrar afronta gratuita ao patrimônio público e privado, ostentar poder bélico, e por aí vai. Pois, como escreveu Umberto Eco, em O nome da Rosa, “Nada inspira mais coragem ao medroso do que o medo alheio”.

Daí a razão de semear o medo, porque é ele que retroalimenta o ódio. Ora, nessa e em tantas outras situações, “É preciso cultivar o ódio como paixão civil. O inimigo é amigo dos povos. É sempre necessário ter alguém para odiar, para sentir-se justificado na própria miséria” (Umberto Eco, O Cemitério de Praga). 

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