domingo, 4 de dezembro de 2022

Desrespeito institucionalizado???


Desrespeito institucionalizado???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane em pensar que a política é o alvo do desrespeito institucionalizado no país 1. Nos tempos do silenciamento, do cancelamento, da suspensão pelas mídias digitais, a sociedade entende a prática como uma licença para fazer o mesmo no mundo real. Acontece que desse movimento para atitudes visivelmente mais violentas é um pulo.

De repente foi como se as pessoas decidissem que a sua razão, o seu ponto de vista, a sua convicção está acima dos demais, e pronto. Mas, não é assim que a banda toca! Esse modo de ver e compreender o mundo ficou demasiadamente enviesado e limitado. Ninguém mergulha fundo no cerne da questão antes de se manifestar, de modo que as discussões se tornam rasas, superficiais e, muitas vezes, sem pé e nem cabeça.

Afinal, como toda briga de rua, começa com a ofensa, o xingamento, a discussão generalizada entre duas pessoas e termina em um arrastão de apartidários que não fazem a menor ideia sobre o porquê estão guerreando. Só não se perde um aspecto, ali cada um defende a sua razão, o seu ponto de vista, a sua convicção, com uma fúria assombrosa. É raro, então, encontrar um ou outro remanescente da “turma do deixa disso”, tentando recobrar a consciência do coletivo brigão.

Só posso dizer que é uma pena assistir a tudo isso! Porque o que se tem bem diante dos olhos é um empobrecimento das relações humanas, sem precedente. Chego a desconfiar se realmente as pessoas ainda valorizam as interações sociais harmônicas e pacíficas; pois, a impressão que fica é bem outra. Basta um desagrado daqui uma incongruência dali uma incompreensão acolá, e pronto. A deselegância beligerante aparece sem pedir licença.

Não é à toa que as conversas minguaram, desde que a onda do silenciamento quebrou sobre a sociedade contemporânea. Até mesmo a dialogia cordial, do bom dia e boa tarde, se perdeu. A disposição de dialogar, de jogar conversa fora, se intimidou diante dos riscos de conflitos gratuitos. Nunca se sabe qual será o pretexto que irá aborrecer, chatear, contrariar, o outro. Muitas vezes só se descobre depois de perceber o tamanho do distanciamento estabelecido, da supressão sumária dos convites e contatos.

Triste realidade! Embora democrática; pois, atinge anônimos e famosos sem distinção. O que aparentemente parece ser uma escolha dos indivíduos, no fundo, não passa de uma manipulação social. Desunida, desagregada, a sociedade fortalece a manutenção das regalias e dos privilégios daqueles que estão no topo da pirâmide. Colocando uns contra os outros se esvaziam as insatisfações, as reivindicações coletivas, o senso comum; pois, se estabelece uma ruptura na unidade social.

Segundo a lógica apresentada por George Orwell, de que “A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa”, isso significa que, enquanto os conflitos se inflamam e rendem matérias na mídia, esta retroalimenta a manutenção dos conflitos no inconsciente coletivo. O resultado obtido dessa dinâmica é que a realidade tende, portanto, a fluir segundo as vontades e quereres de uma ínfima minoria, pois não há uma resistência suficientemente poderosa contra tudo isso.  Assim, o desrespeito se torna institucionalizado.

Portanto, o que vemos disseminado, cada vez mais amiúde, no Brasil, deve ser entendido como patrulhamento, ou seja, “é hiperpreconceito, é um exercício contundente do preconceito, é um desrespeito ao outro. Nós só somos democratas se formos capazes de aceitar o diferente da gente” (Eduardo Portella). Daí é essencial não se esquecer de que “A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir” (Hannah Arendt).

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