sexta-feira, 1 de julho de 2022

Entre emendas e emergências...


Entre emendas e emergências...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não há nada que proíba o indivíduo de ser irresponsável. No entanto, é necessário que ele tenha consciência do que está fazendo e dos desdobramentos e consequências que podem advir disso.

Essa é uma questão a se pensar; sobretudo, depois de os Senadores da República aprovarem, ontem, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê estado de emergência para viabilizar um pacote social de R$41,2 bilhões 1.

Ninguém melhor do que eles para saber que tudo isso não passa de promessa vazia em ano eleitoral. Na história da humanidade já se usaram muitas figuras para justificar atos terríveis e inomináveis; mas, dessa vez, foram os pobres.

O que não significa necessariamente se referir aos mais vulneráveis e desassistidos como possa parecer. Talvez, a maioria desses nem chegue a ver a cor desse dinheiro.  

Então, é esse o ponto de partida para se tecer uma reflexão. O Brasil nunca vai ao cerne dos problemas para tentar resolvê-los. Tudo permanece na borda, na superficialidade, no mais absoluto raso das discussões.

O que leva a uma incongruência fatídica entre teoria e prática, discurso e ação. Meras tentativas de fazer parecer, uns e outros, pessoas responsáveis e envolvidas nas suas atribuições, quando a verdade não é essa.

Em plena Pandemia, no auge do horror lançado sobre o Brasil e o mundo, também ouviu-se falar em “estado de emergência” e de uma série de medidas a serem aplicadas em favor da população. A pergunta a se fazer é: deu certo? Os problemas foram resolvidos?

Bem, a falta de análise, de planejamento, de organização, constituiu um verdadeiro caos que culminou em revelar a dimensão da desassistência que permaneceu entre muitos que precisavam desse suporte do Estado.

Os recursos não chegaram a todos que precisavam. Não chegaram em tempo hábil. Não cumpriram o seu papel social. Do mesmo modo que as medidas previstas para os setores produtivos e do comércio.

O que resultou em um acirramento da pobreza, da fome, do desemprego, do fechamento de empresas, simultaneamente, aos impactos sofridos em ampla escala pela economia global, como a baixa produção, as oscilações no comércio do petróleo e seus derivados, o ressurgimento da inflação.

Acontece que, nessa ocasião, nossos percalços já eram um fato consolidado. O desenho que havia sido proposto pela atual gestão federal para a Economia era profundamente idealizado para um contexto hipotético perfeito, ou seja, sem o menor risco de altos e baixos, de imprevisibilidades.

Sem contar, que tinha como público alvo o estrato dominante da população com todo o seu potencial de expansão de riquezas – banqueiros, industriais, latifundiários.

Então, quando a Pandemia chegou a ideia ruiu e pegou a todos na total imprevidência. De modo que o cenário que passou a se configurar não conseguiu ser de recuperação. Por mais que tentem mascarar os dados e fazê-los parecer alvissareiros, não é bem assim.

Os anúncios em torno dos números do desemprego, por exemplo, não trazem à tona os flagelos da precarização do trabalho, com sua sazonalidade, seu achatamento brutal da renda e sua insuficiência diante da inflação voraz, o seu desamparo frente as perdas de direitos trabalhistas, enfim...

Eis que agora, mais um “pacote de bondades” emerge no horizonte. Palavras. Palavras ao vento. Alguém realmente acredita que enquanto se debatia essa PEC, os responsáveis por colocar em prática aquele conjunto de propostas já estava a pleno vapor analisando, planejando, organizando o acesso dos recursos aos beneficiados? Quantos milhões de brasileiros sequer tiveram pensadas as suas demandas mais básicas no contexto desse “estado de emergência”?

Não, não são absurdos esses questionamentos. O exemplo do “Vale gás”2, aprovado pelo Congresso em outubro de 2021 e sancionado pelo Presidente da República em novembro de 2021; mas, que só começou a ser pago em janeiro de 2022, expõe o grau de desorganização e lentidão desse tipo de proposta.

O fato de essa PEC ter sido aprovada pelo Senado não significa a efetividade de nada. Ainda terá que passar pela Câmara dos Deputados, depois sancionada pelo Presidente. E o relógio girando... De modo que até que algum recurso chegue de fato as mãos dos cidadãos, muita água já terá rolado por baixo dessa ponte.

O que significa que no curso da inflação que se apresenta, quando aqueles que foram incluídos na proposta estiverem diante de receber o dinheiro verão que este terá perdido substancialmente o seu poder de compra e pouca relevância terá para auxiliá-los nas suas demandas, ou seja, a promessa ficará na promessa, mais uma vez.

Portanto, não sei se o mais triste nessa história é a ineficácia explícita da prática ou a má fé de quem aprova algo dessa natureza, sabendo exatamente como transita a burocrática gestão pública, com todos os seus labirintos de lentidão.

Paliativos não darão conta jamais das mazelas brasileiras. A conta dessa irresponsabilidade em não agir no cerne dos problemas tende a agigantar ainda mais a crise socioeconômica brasileira, enquanto não significou absolutamente nada de melhoria ou transformação positiva para o país.

Isso sem considerar a vexatória (escandalosa) perda de credibilidade que se instituiu com a ruptura inconsequente e desorganizada do teto de gastos públicos.

Foi um dinheiro perdido nos desvarios da gastança, da politicagem, incapaz de traduzir soluções, estabilidade ou acenar com melhores perspectivas ao povo brasileiro. Apenas mais uma afronta, mais um drible, mais uma malandragem contra a legislação brasileira. Mais um acintoso episódio de anticidadania.

Se houvesse algum vestígio de cautela, especialmente, depois de terem sido pegos de surpresa pela Pandemia e pela Guerra na Ucrânia, deveriam se lembrar do provérbio “Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.

A dilapidação do dinheiro público, como acontece amiúde no país, é uma operação de altíssimo risco, considerando que o aprofundamento das crises econômicas nacionais não se reverte com a mesma facilidade e velocidade da noite para o dia.

Começando pelo fato de que nada foi feito, até aqui, para que houvesse um equilíbrio competitivo, o suficiente, para equilibrar os setores produtivos da economia ao ponto de torná-los expoentes verdadeiramente importantes no comércio exterior.

Ainda somos os mesmos... exportadores de matérias-primas, de commodities agrícolas, de carnes e derivados, enquanto importamos bens, produtos e serviços, a preços nada módicos, fazendo o entusiasmo de quem compramos.

Valer-se do termo “estado de emergência” , portanto, soa escárnio, piada de mau gosto, desprezo. Afinal, esse é o estado natural do país. Há mais de 500 anos vivemos a emergência de soluções para nossas mazelas, para o nosso desenvolvimento, para o nosso progresso.

A emergência bate à porta dos brasileiros todos os dias. Na fome, na miséria, no desemprego, nos baixos salários, na precarização do trabalho, na fragilidade educacional, na desassistência médico-hospitalar, na insuficiência habitacional, nas carências da mobilidade urbana, ...

De modo que bondade mesmo, seria arregaçar as mangas e desconstruir os velhos e ineficientes paradigmas que estão aí. Pois como disse Bocage 3, “Pior a emenda que o soneto”.