Sobre
prateleiras vazias e outras carências nacionais...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não se pode negar que a Pandemia
da COVID-19 revelou uma fragilidade no campo das autossuficiências produtivas,
no mundo. O impacto sobre a lei da Oferta e da Procura foi avassalador em
diferentes setores da economia. Entretanto, no fundo, esse recorte foi somente o
que se pode chamar de “a cereja do bolo”.
É fundamental ter em mente que essa realidade vinha sendo construída bem antes
de quaisquer rompantes de imprevisibilidade.
E dentro desse contexto, eis que,
ontem, uma série de notícias davam conta da escassez de certos antibióticos no
mercado brasileiro. Algo que já havia sido noticiado em relação a outros tipos
de medicamentos e produtos farmacêuticos. Seja por falta de insumos para a produção
local ou pela impossibilidade de compra direta do produto final, de
fornecedores estrangeiros, dada a intensa demanda internacional, fato é que
essa situação tem gerado tensão entre milhares de pacientes no país.
Mais uma vez, o que mais me chama
atenção é não encontrar nenhum comentário que alcance o cerne da questão. Não adianta,
minha gente, o Brasil é o que é por conta do ranço colonial que se arrasta,
como grilhão pesado, há mais de 500 anos. Ex-colônia de exploração, o país não
se desvencilhou da posição econômica, predominantemente, primária,
negligenciando de maneira perceptível os setores secundário e terciário.
Noticia-se, até com certa emoção,
os resultados das exportações do agronegócio, como quem narra o placar vitorioso
de um jogo de futebol. Queiram ou não admitir, permite-se que o Agro brasileiro
permaneça exercendo o mesmo papel poderoso e influente nos rumos do país, como
acontecia nos tempos coloniais. De modo que os outros setores figuram como
meros coadjuvantes e, em alguns momentos, nem isso.
É uma pena que o Brasil viva
debruçado na janela, vendo a banda do progresso e do desenvolvimento passar. Não
damos a mínima para os royalties que
poderiam proliferar da nossa produção científica e tecnológica, quando
desprezamos o papel fundamental das nossas universidades e institutos de
pesquisa públicos. Pois é, não nos constrangemos em cortar recursos, perseguir
e boicotar pesquisas, desqualificar cientistas, abrir mão do nosso seleto grupo
de cérebros para oferecê-los “de mão
beijada” a quem possa interessar. E saibam que tem gente interessada neles!
Ora, ora. Eles estão descobrindo.
Criando. Produzindo. Temos brasileiros despontando nas ciências em todo o
mundo. Mas, por aqui é tudo mais difícil. De modo que entre sobreviver e
resistir, eles acabam alçando voos para bem longe. A migração intelectual
deveria nos envergonhar, nos sentir diminuídos, humilhados. Mas, o Brasil dos
grandes latifúndios, da imensa desigualdade socioeconômica, infelizmente, se
acostumou a uma vida sustentada por aquilo que vem de fora.
Qual o problema de não
produzirmos isso ou aquilo? Se não tem, a gente importa! A gente paga caro;
mas, não tem problema! Sem cogitar, sequer, a hipótese de que, de repente,
mesmo com o dinheiro na mão, não haveria como o mercado internacional suprir as
nossas demandas. Afinal, o mundo já ultrapassa os mais de 7 bilhões de
habitantes. Nossa visão estreita de
mundo; sobretudo, no campo do comércio exterior, nos colocou em xeque-mate. Tornamo-nos
reféns da nossa própria inação, do nosso próprio despreparo e ignorância.
E isso não é pouca coisa, como
alguns querem fazer parecer. É gravíssimo. Ao permitir que nosso setor
secundário (ou industrial) não acompanhasse as evoluções científicas e tecnológicas,
a fim de se manter competitivo no cenário global, também, se reduziu
drasticamente a produção e, por consequência, o percentual exportador e a
oferta de empregos no setor.
De modo que no setor terciário da
economia brasileira, que agrega os serviços formais e informais, o país acaba
favorecendo o setor secundário de outros países, especialmente a China. Nos tornamos
um franco consumidor de produtos chineses, nas últimas décadas, e grande parte
desse comércio atende ao setor de serviços brasileiro, ou seja, pequenos
comerciantes, camelôs. No fim das contas, o Brasil vive a onda do “made in China” (fabricado na China) em
toda a sua cadeia produtiva e de comércio.
Enquanto isso, o Agro brasileiro
resiste como “garoto propaganda” do
PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Embora, com uma roupagem high tech (computadores, implementos
agrícolas de última geração, sementes modificadas geneticamente, satélites
etc.etc.etc.), a pauta do seu modus
operandi é a mesma de 500 anos atrás, ou seja, servir aos interesses
internacionais. Estatisticamente falando, os números da exportação agropecuária
brasileira enchem os olhos do setor, principalmente, quando se sucedem os
recordes de produção.
Mas, será que esses números resumem
tudo? Produzimos toneladas e toneladas de alimentos anualmente; mas, não
conseguimos aplacar a fome e a miséria que se alastram dentro do próprio território.
Exaurimos o nosso ambiente físico, o expomos a uma diversidade imensa de
produtos químicos e tóxicos para ampliar a produção, contaminamos pessoas e
recursos naturais, e no fim das contas, não fazemos senão lustrar as nossas carências,
as nossas insuficiências, as nossas desigualdades.
Enquanto falta isso, aquilo,
aquilo outro, o problema é que a grande massa da população se deixar levar pela
influência de uma euforia construída por notícias que visam atender aos
interesses daqueles que se beneficiam com a situação do jeito que está. É como
se não houvesse nada de errado nas entrelinhas dessa história. Mas, como não? A
realidade só faz expor o quanto a população brasileira não é prioridade, nem
nunca foi, do seu próprio país. O “não
ter” foi legitimado e institucionalizado historicamente por aqui e chegamos
a tal ponto que ele se normalizou.
No entanto, a pergunta não quer
calar: será que é normal? Quero ver você achar normal não ter o remédio que
precisa, a comida no prato quando tem fome, a água potável para beber, ...
Vincent Van Gogh dizia que “A normalidade
é uma estrada pavimentada: é confortável para caminhar, mas não há flores
crescendo nela”. Portanto, precisamos de lucidez e reflexão antes de
sairmos normalizando, trivializando, banalizando, tudo por aí. Afinal de
contas, segundo George Orwel, “A
linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o
crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de
solidez”.