quinta-feira, 19 de maio de 2022

O assunto é sobre Educação. Só Educação.


O assunto é sobre Educação. Só Educação.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Educação é coisa séria. Menos no Brasil. Tanto que criaram mais uma cortina de fumaça, usando a Educação como pano de fundo. Então, muita calma minha gente! O fato de a regulamentação do projeto que aprova a educação domiciliar – Homeschooling 1, pela Câmara dos Deputados, em Brasília, na verdade não passa de mais uma invenção de moda, como tantas outras.

Antes de gritar, de xingar, pare e olhe para o país. Com atenção e foco, ok?! Alguém realmente acredita que essa ideia vai pegar, que isso realmente vai sair do papel? O projeto começa a fazer água de saída, quando olhamos para os estratos sociais brasileiros. Educação domiciliar demanda estrutura logística, começando por ter um espaço dentro de casa para construir esse ambiente de aprendizagem e conhecimento.

Sejamos, no mínimo, razoáveis para admitir que diante de simples tarefas escolares já é difícil manter a atenção da criança dentro de casa. É televisão, é videogame, é celular, é o vizinho chamando, é lanchinho toda hora, é preguiça, é soneca, ...

Então, imagina só, ter que captar a atenção para aprender todos os conteúdos da escola! Homeschooling não é uma atividade revisional de conteúdo, é uma proposta de educação, de ensino e de aprendizagem em ambiente domiciliar.

Depois, que pais ou responsáveis estão realmente disponíveis para ensinar? Que pais ou responsáveis estão dispostos a abdicar do seu tempo livre (quando ele existe) para exercer à docência? Que pais ou responsáveis são realmente preparados pedagogicamente para esse trabalho, hein? Que pais ou responsáveis dominam todos os conteúdos do ensino fundamental 2, hein?

Porque nem os próprios professores conseguem jogar nas onze! Quando muito, os professores têm competência para exercitar o ensino dentro de matérias afins, como por exemplo, ciência, química e física, ou física e matemática, ou geografia e história, ou língua portuguesa e língua estrangeira.

Mas, o arcabouço completo da grade curricular prevista para o Ensino Fundamental I e II 3é quase impossível encontrar alguém. Sem contar que isso custa caro. Professores particulares não seguem a planilha de valores de hora/aula estabelecidos pelos sindicatos ou pelo governo.

Eles (as) “vendem” a sua força de trabalho pelo preço calculado sobre o tempo de dedicação, o deslocamento até a residência do aluno, a preparação dos conteúdos, o desenvolvimento e correção das atividades.

Além disso, uma família, por exemplo, que tenha dois filhos em idades escolares diferentes, provavelmente, demandarão professores diferentes, em horários e dias diferentes.  

Sem contar que se torna, segundo o projeto aprovado, necessário formalizar essa opção de ensino junto a escolas credenciadas, a fim de que o (a) aluno (a) seja matriculado e possa realizar os exames de avaliação do ensino que ele (a) recebe em casa. Afinal, o Estado brasileiro ainda é quem determina a aprovação e o aproveitamento educacional dos alunos.

O que significa que o estudo em casa está longe de ser uma proposta para trazer mais economia para as famílias em tempos de uma crise tão severa. Como se vê o Homeschooling não está dissociado de matrícula, nem de mensalidade, nem de material escolar, ... Pois existirão obrigações a serem cumpridas dentro de ambiente escolar, como é o caso das avaliações.

Em suma, a ideia da educação domiciliar representa mais uma iniciativa de reforçar regalias e privilégios dentro de uma bolha social diferenciada. Acontece que isso não muda muito da realidade que já existe. Os pretensos alunos ao Homeschooling são aqueles que já se encontram em um ambiente escolar acessível a uma parcela muita ínfima da população brasileira.

Tratam-se daqueles que já dispõem de uma educação repleta de cientificismo e tecnologização que ultrapassa as fronteiras nacionais para dialogar com outras instituições do mesmo nível dentro e fora do Brasil.

Esses alunos estão, portanto, anos luz de distância das carências, das fragilidades, das inconsistências, dos problemas reais que afligem a educação brasileira, e que afetam o ensino aprendizagem de mais de 90% da população nacional.

Se as entrelinhas da ideia partiram de alguma semente aporofóbica, só posso dizer que não era necessário. As discrepâncias educacionais seculares, que existem no Brasil, já afastam automaticamente os estratos sociais, colocando cada um com seu cada um.

Nem mesmo os instrumentos socioeconômicos que visam contemplar certos alunos com bolsas de estudo, não desfazem o ranço histórico da discriminação, da segregação, da humilhação, do constrangimento, que os atinge diariamente. Ao contrário, nos ambientes escolares elitizados e elitistas os diferentes nem sempre conseguem resistir e seguir em frente, porque a pressão da opressão é descomunal.   

Portanto, discutir o Homeschooling é só mais uma estratégia perversa para não tornar a Educação brasileira o que ela realmente deve ser, precisa ser, ou seja, um instrumento de cidadania, de dignidade, de oportunidade, de acesso, de desenvolvimento, de progresso, de igualdade, de liberdade, de fraternidade.

O que foi aprovado é só mais uma gota do veneno destilado pelas pessoas que nutrem nas veias a aporofobia e quaisquer outras formas de preconceito, de intolerância, de discriminação, de segregação.

É só mais um modus operandi do encapsulamento individualista contemporâneo para que se formem legiões de brasileiros condicionados pela ideia de ter tudo somente para si, incapazes de demonstrar um traço sequer de solidariedade, de empatia. Apenas, egoísmo em estado bruto.

Assim, diante desse breve apanhado, a pergunta a se fazer é: esses cidadãos do futuro, gestados por esse tal “Homeschooling”, irão mesmo sobreviver as demandas sociais do século XXI, XXII, ...? Eles têm alguma chance? Saberão trabalhar em equipe? Saberão compartilhar ideias e projetos? Saberão dialogar de maneira franca e objetiva? Saberão conviver? Saberão coexistir? Ou teremos ilhas humanas dispersas à deriva?

Olhando, então, com total atenção para a realidade contemporânea, tais perguntas me fazem lembrar das palavras de Maria Montessori, criadora do “Método Montessori” 4. Ela que pensou e formulou um sistema educacional baseado na formação integral do jovem, se encaixa perfeitamente nessa reflexão, quando diz que “As pessoas educam para a competição e esse é o princípio de qualquer guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os outros, nesse dia estaremos a educar para a paz”. Portanto, a discussão a se fazer não é sobre educação domiciliar. É, somente, sobre Educação.



3 Área de linguagens (Língua Portuguesa, Artes, Educação Física, Língua Inglesa), área de matemática (Matemática), área de ciências da natureza (Ciências, Química, Física), área de ciências humanas (Geografia, História) e Ensino Religioso.

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