sábado, 19 de fevereiro de 2022

E aí, quando vão começar a governar o Brasil?


E aí, quando vão começar a governar o Brasil?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

E aí, quando vão começar a governar o Brasil? Sim, porque nesses últimos quatro anos, o que era para ser governança girou em torno das pretensões de uma reeleição, dentro de uma perspectiva que jamais havia sido vista na história. Os poderes da República estiveram centrados e concentrados sob discussões eleitoreiras, enquanto o país se afundava e chafurdava em problemas, que por uma ironia ácida do destino, ganharam acompanhamentos bastante indigestos. Pandemia. Morticínio generalizado na população. Racismo. Inflação. Desemprego. Fome. Miséria. Desmatamentos. Queimadas. Garimpos ilegais. Contaminação de rios e populações ribeirinhas e povos originários. Eventos extremos do clima. ...

Não se resolveu absolutamente nada de essencial, de importante para a população; sobretudo, para aqueles 94% distribuídos, como já escrevi várias vezes, entre a classe média tradicional e a classe baixa. Muito pelo contrário, o que se viu foi um desmantelamento, sem pé nem cabeça, das instituições e dos serviços públicos, agravando e comprometendo a eficiência, já notoriamente capenga, dos mesmos. A ideia do desserviço foi institucionalizada.

De modo que o país não avançou. Ficou parado no tempo e no espaço aguardando pela chegada de um novo pleito eleitoral. Como se pudesse esperar. Como se devesse esperar. Como se a vida pudesse ser assim conduzida, na base de uma postergação ad aeternum. Nunca se viu tamanha inércia, tamanha inativação, tamanha negligência, tamanha irresponsabilidade, tamanho descuido, tamanha desassistência à população.  

Até as viagens ao estrangeiro, que sempre costumam despertar notícias alvissareiras, não traduziram nada de positivamente concreto para o país. Foram somente apertos de mãos, fotografias em meio a falas vazias ou silêncios constrangedores. Porque, no fundo, também, estavam configurando uma estratégia eleitoreira, nada mais. Um jeito prático de visibilizar a figura pública para o deleite de “rêmoras” apoiadoras.

Mas, e aí? Quando a tal eleição chegar vai haver transformação ou vamos assistir mais do mesmo? Vamos permanecer girando nessa mesma rotação de expectativas vãs? Desculpem-me a franqueza; mas, contrariando a ideia de que o caos até aqui foi culpa de uma pandemia que não estava nos planos, a verdade foi exatamente o oposto. Foi a inação voluntária, acrescida de uma incompetência metódica e sistemática, que a experiência pandêmica se configurou desastrosa, deixando um rastro de destruição humana, material e subjetiva, sem precedentes. E mesmo, diante de tudo isso, governar que é bom, continuou em último plano.

Entretanto, a vida não resiste a isso, a esse tipo de movimento. Não importa se analisada pelo prisma individual ou coletivo. A existência e a sobrevivência humana dependem de análise, de organização, de planejamento, de ação. Não dá para esperar que tudo se ajeite por conta própria, porque pode até acontecer; mas, de uma maneira desorganizada, improdutiva, inconsistente. Que não ajuda em absolutamente nada, ao desenvolvimento e ao progresso da população, do país. Porque, por mais impactantes que sejam as conjunturas, nem tudo elas são capazes de dar jeito, num sentido positivo e apaziguador.  

Cada passo irrefletido na gestão pública, tende inevitavelmente a demandar, no mínimo, uma década de recuperação. Se forem muitos e diversificados esses erros e equívocos, o tempo exigido será ainda muito maior. O que significa que a inexistência de uma gestão firme, dedicada, responsável, atuante, lança o país ao limbo do atraso, da perda da capacidade competitiva, da desconfiança internacional, enfim... Enquanto lança a população à mingua, à indigência, à desesperança, ao infortúnio funesto.

Portanto, se torna questionável a ideia de encarar como uma escolha governar ou não governar. Não tem essa. Ainda mais, considerando que o Brasil ainda é uma Democracia e elege a sua governança por voto direto, segundo a Carta Magna vigente. O compromisso de fazer, de agir, de cumprir, foi assumido. Não cabe discussão. Não cabe voltar atrás ou dizer que, não é bem assim. Não, é assim, sim.    

Sem contar que, o pior de tudo, é que esse plano de não governar tem vieses capciosos. Ele não está posto em sentido literal. É um não governar apenas dentro da perspectiva de trabalhar e resolver, segundo as demandas manifestas. Então, na contramão disso, descumprindo e infringido todas as leis, normas e preceitos constitucionais, age-se a partir dos próprios interesses, vontades, quereres e vozes da própria cabeça; mas, sem quaisquer pudores em relação ao uso, ao emprego do dinheiro público. E nunca se gastou tanto. Nunca se gastou tão mal os recursos nacionais.

Por isso, cada manifestação do imponderável nesse país se transforma em tragédia. Porque tivemos quatro anos para trabalhar em favor de mitigar as mazelas crônicas conhecidas, de aprimorar os progressos, de corrigir possíveis erros, de acompanhar os avanços do mundo; mas, estivemos presos e amarrados aos laços das velhas práxis, da preguiça macunaímica em assumir responsabilidades e protagonismos. Deixando “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

Daí a razão para que nossas adversidades, nossos fracassos, nossas indignações, nossos fiascos, ganhem uma pujança perene e se permitam arrastar por séculos a fio. Como se os governos contivessem qualquer menor sinal de ímpeto do desejo transformador, até que ele se esvaísse mediante a inação. Tudo para manter as rédeas e os controles da governança, segundo suas próprias intenções de caráter postergador.

Assim, encontram-se, por aí, políticos em profusão. Mas, governantes... que queiram de fato exercer o ofício, esses dão a entender que já são entes em extinção. No fundo, o que está em jogo é só o poder, mantê-lo, preservá-lo. E não se trata só do poder político. É o poder econômico. O poder social. O poder cultural. O poder ideológico. ... O poder, em todas as suas nuances, que é capaz de tecer as redes de proteção para a segurança da manutenção das zonas de conforto, onde estão depositadas todas as regalias e os privilégios. De modo que em pouco mais de 500 anos de história, o que se vê nesse país são essas redes sendo remendadas; mas, jamais aposentadas de suas funções.


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