quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Coincidência? Será mesmo?!


Coincidência? Será mesmo?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não acredito em coincidências e, também, não gasto minhas atenções com teorias da conspiração. Mas, a complexa teia conjuntural me parece suficientemente clara para entender que há uma tentativa explícita de desqualificar por completo a vacinação contra a COVID-19, no país, especialmente em relação às crianças.

Aqui e ali são relatados episódios de vacinas de vento, vacinas erradas, doses incorretas, para que eventuais problemas possam sustentar o argumento de que as vacinas não são uma boa opção na luta contra a COVID-19. Isso sem contar as exigências injustificáveis para imunização das crianças, tais como declarações dos pais (ou responsáveis) e/ou a recomendação médica, mesmo que não haja histórico de quaisquer comorbidades ou doenças pré-existentes.

Aliás, tudo tem girado no sentido de obstaculizar o combate à pandemia no país. Acontece que a sociedade acaba entrando nessa espiral insana, ao invés de agir orientada pelo bom senso. Tudo porque, a velha máxima de seguir as orientações das autoridades, dos cientistas, dos especialistas no assunto, para ter segurança de embasamento, de repente se tornou uma ameaça diante da gigantesca babel que as narrativas apresentadas se transformaram.

Governo, Ciência, órgãos reguladores, leigos, cada um diz uma coisa. Cada um imprime seu próprio viés ao assunto. A questão é que saúde é coisa séria. Bem séria. E precisa do respeito e da adesão ao consenso científico para funcionar de maneira segura e precisa. Coisa que as vacinas e toda a cadeia de produção de imunobiológicos, ao longo de décadas, já conseguiram afirmar e reafirmar.

Mas, não para por aí. Toda a pressa que se vê rondando as discussões sobre a pandemia só tem uma única razão de ser, os interesses econômicos. Ninguém parou e analisou a situação pela perspectiva do acontecimento em si. Todos ficaram batendo seus pezinhos e olhando para os relógios, ansiosos por estabelecer o tempo exato em que a doença desapareceria do mapa. Mas, na biologia da vida, isso não funciona. Não é assim que acontece. O vírus não conhece tempo, nem relógio, nem pressa, nem geografia. Ele é narcísico e legisla em causa própria o tempo todo, defendendo a sua sobrevivência.

Isso significa que acabar com a pandemia não é um truque de mágica. Não existe, pelo menos até o momento, nenhum remédio ou imunobiológico que faça a doença desaparecer em um piscar de olhos. Tudo obedece ao tempo de resposta biológico. Não dá para acelerar, para queimar etapas. A Ciência tem sido o mais ágil possível nesse processo de construção do conhecimento em torno desse novo vírus e de suas variantes; mas, essa agilidade não representa aquilo que espera a ansiedade coletiva.

De modo que, contrariando as expectativas mundiais, todas as relações socioeconômicas já contabilizam os seus prejuízos. E enquanto não se chegar ao tempo da Pós-Pandemia, os movimentos de avanço e retrocesso nessa dinâmica serão uma realidade a ser considerada. Porque, também, não faz qualquer sentido pensar economicamente, desconsiderando a personagem principal desse processo que é o ser humano.

Economia tem muito mais a ver com pessoas do que propriamente com dinheiro, com capital. Sem elas, a estrutura econômica deixa de existir, deixa de funcionar, pois não há produção, não há consumo, não há circulação de bens e serviços, não há demandas a serem satisfeitas, enfim... E o que se tem visto nesses últimos dois anos é justamente a inversão disso. Todos preocupados com a economia, com os prejuízos, não com a população em si.

Porém, apesar de todos os esforços nesse sentido, nada impediu que a economia balançasse vigorosamente na corda bamba. Haja vista a inflação, o desemprego, a perda do poder de compra, a miséria, a fome, a indigência, espalhadas por diversos cantos do mundo, inclusive, por aqui. Enquanto, paralelamente, a doença continuava se espalhando e ameaçando de morte a população; sobretudo, os não vacinados. Estabeleceu-se, então, um cabo de guerra entre a pandemia e os interesses socioeconômicos.

Aqui no Brasil, por exemplo, o governo lutou com unhas e dentes para investir o mínimo no combate ao Sars-Cov-2. A negação, o descaso, a negligência, portanto, foram armas estratégicas para não ter que retirar o dinheiro do bolso e tomar as decisões certas em favor da população. O que significava, por exemplo, fazer campanhas de orientação sobre a doença, adquirir equipamentos, insumos e vacinas em tempo hábil, construir um protocolo de imunização nacional, para dar proteção às pessoas o mais rápido possível.

Convencer a todos, principalmente as camadas mais desfavorecidas, de que tudo estava bem era fundamental para não desviar a sua gestão do roteiro econômico programado, o qual não havia se pautado na manutenção ou expansão de políticas públicas de caráter assistencial. Aliás, nunca se viu um recrudescimento tão acentuado na morosidade dos serviços prestados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pensões, aposentadorias, perícias e outros serviços tiveram suas filas de espera ampliadas, deixando a população, em plena pandemia, ainda mais, desassistida e vulnerabilizada.    

Por isso, o governo não se comove e, nem tampouco, se demove dessas estratégias, seguindo em frente sem se abalar. Quanto mais marginalizadas, excluídas e desassistidas estiverem as camadas menos privilegiadas da população, mais susceptíveis aos infortúnios elas estarão. Isso significa que, lentamente, esse contingente vai perecendo e demandando cada vez menos atenção e recursos governamentais. O que de certa forma fez da pandemia, uma aliada de peso nessa engrenagem. Talvez, isso explique a inação em, ao menos, tentar contê-la.

Não tendo encontrado resistência jurídica nessa empreitada, capaz de fazê-los parar nas primeiras intenções de marginalização e banimento social, cada crítica, cada falatório, então, só fez retroalimentar as pretensões que tinham mente. Eles não se preocupam com o desconforto, com as notas de repúdio, com os palavrórios da opinião pública, porque se sentem livres para impor os seus pontos de vista, o seu modo bizarro de governar.

Portanto, o ponto de discussão não está em se perguntar, simplesmente, onde erramos; mas, qual a razão de nos termos permitido deixar os erros seguirem adiante. Porque se a pandemia serviu de algum modo aos interesses governamentais, para a população, ela descortinou uma realidade nua e crua do país. Ela aflorou de uma só vez todas as mazelas seculares. Ela colocou o dedo nas feridas mais profundas. Mas, apesar disso, um outro tipo de inação não permitiu agir.

É pensando sobre isso, tentando digerir esses processos sociais caóticos que lamento muito o mundo não ter alcançado ainda uma reflexão como esta: “Quando o dia começa, junto dele continuo a construção e desconstrução de mim mesma... há dias que sinto ter encaixado peças importantes, definitivas e dali tenho a sensação de que tudo que há por vir é só lucro, mas no dia seguinte retiro tudo aquilo. Desisto daquela ordem de montagem e começo do zero... eu gosto muito de um trecho de uma música “prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”... é muito chato ter verdades absolutas, planos definitivos, enfim, nada como um dia após o outro para se ter sempre a chance do recomeço... de um novo eu... de um novo plano de vida... de uma melhor verdade... “ (Caio Fernando Abreu – jornalista, dramaturgo e escritor brasileiro).

Simplesmente, porque dessa forma é que as pessoas estariam livres e não se deixariam aprisionar por ideias equivocadas, por sociedades inescrupulosas, por artimanhas desumanas. Assim, não se permitiriam abrir mão da sua liberdade, dos seus direitos, da sua dignidade, dos seus sonhos, da sua identidade, da sua vida. Seriam mais fortes. Mais inteiras, no seu processo contínuo de transformação, de evolução.

Afinal, nada do que acontece é coincidência, é por acaso. A desconstrução é um processo construtivo fundamental. Ele não destrói, ele apenas dá a possibilidade de rever, de remodelar, de ressignificar, nossas crenças, valores, princípios e pontos de vista. Toda vez que isso não é permitido, sem se dar conta, o ser humano começa a morrer. Morre em vida. Cada dia um pouquinho. E não importa que seja pelas suas próprias mãos ou de quem lhe possa cruzar os caminhos, importa que ele morre.


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