sábado, 18 de dezembro de 2021

A contemporaneidade e o extremismo


A contemporaneidade e o extremismo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Muita gente espantada com a recente notícia de que a “Polícia Civil e MPRJ prenderam 4 em operação em 7 estados contra suspeitos de apologia ao nazismo” 1. Bem, como dizem por aí, “velhos hábitos nunca morrem” e a história brasileira tem sim, nas suas páginas, registros importantes a respeito de uma certa “simpatia” as ideologias que sustentam a extrema-direita e o extremismo. Afinal de contas, elas encontraram nas raízes do colonialismo, o qual o Brasil foi submetido durante séculos, elementos em comum. Xenofobia. Racismo. Sexismo. Fundamentalismo religioso. Populismo. Conservadorismo. Autoritarismo. ...

De modo que, o fato do país ter se colocado ao lado dos Aliados – Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos -, na Segunda Guerra Mundial, não significa que seus pontos de vista foram plenamente homogeneizados nesse contexto. Infelizmente, como em outros lugares, muita brasa foi encoberta por cinzas e esse ideário permaneceu aguardando o momento de reemergir, apesar de todos os pesares advindos da experiência brutal da grande guerra.

E o que poderia ser mais oportuno para reacender a chama do que o próprio contexto da contemporaneidade. O predomínio da efemeridade, da desconstrução das fronteiras e dos protocolos, estabeleceu um relativismo descomunal sobre a configuração social, ao ponto de as pessoas perderem a sua capacidade de vínculo, diante de um mundo regido pela imprevisibilidade. Isso significa que elas estão desesperançadas; sobretudo, em relação ao futuro. Aquela velha ideia, por exemplo, de que o estudo era uma garantia de longo prazo se esvaiu como fumaça; pois, foi confrontada diretamente pelos altos índices de desemprego e empobrecimento.

Esse cenário, então, se torna um terreno fértil para a disseminação dessas ideologias extremistas, na medida em que funcionam como pseudoarautos de esperança em meio ao caos. Ela chega para criar a ilusão capaz de transformar medíocres em gigantes, frustrados em heróis, inúteis em valentes, incapazes em gênios. Ela traz os tão sonhados “15 minutos de fama” prometidos pela Pós-Modernidade.

Sim, porque não passa disso. A tendência natural do extremismo é se perder em si mesmo, no frenesi de suas próprias agitações. E tudo isso acontece porque ele manipula os desejos, seduz, espetaculariza o cotidiano, inverte e ressignifica os valores, as crenças, os princípios. No fim das contas, pessoas e coisas acabam sendo mercadificadas, ou seja, tornam-se mercadorias à disposição nas prateleiras dos interesses. Eles, então, vão se revezando e se perpetuando ao longo do tempo, sem, na verdade, se estabelecerem ampla e definitivamente no poder.

Mesmo assim, isso não é de se menosprezar. Embora, pontuais e eventuais, as manifestações extremistas têm sim, potencial desestabilizador na sociedade. Eles não medem esforços e violência para constituírem a sua visibilidade, porque fazem questão de desconsiderar e não reconhecer a importância dialógica nos sistemas de poder e governança. A manutenção das suas ideologias se dá pela imposição, pela força, pela arbitrariedade, pela construção da instabilidade e do medo.

E depois de duas Grandes Guerras, de um mundo bipolarizado pela Guerra Fria, do 11 de Setembro e de tantos outros conflitos bélicos de proporção impactante, quando se olha para o mundo em pleno século XXI, não é difícil perceber que esse tipo de processo é totalmente antiproducente. O extremismo não leva nada a lugar algum. Ele se alimenta de si mesmo, de modo que não transforma, não evolui, não agrega o novo. Ele é a materialização da estagnação, da vaidade ensandecida, da exacerbação individualista. Como dizia Franklin Delano Roosevelt, “Um radical é um homem com os pés firmemente plantados no ar”.

Além disso, tendo em vista os pilares mercantis e diplomáticos sobre os quais o mundo está apoiado, globalizada e globalizante, a Terra convive sob a dinâmica das conexões de interesses e demandas, os quais são favorecidos, principalmente, pelos arranjos democráticos existentes. Os extremismos, sejam eles de que natureza forem, apontam, portanto, para perdas significativas nesse cenário; pois, eles se colocam em posições de desequilíbrio e acirram as fronteiras das desigualdades, gerando o isolamento, mesmo que parcial, das nações com esse perfil.

Entretanto, como é possível perceber, as células extremistas estão por aí se multiplicando. Simplesmente, porque “em quase todos os casos de colapso democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco, Hitler, Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência” (Steven Levitsky – professor de ciência política e escritor norte-americano).

Afinal, “uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para justificar medidas antidemocráticas”; pois, “os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Steven Levitsky).

Como escreveu o escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, “No manicômio global, entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill, entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos arruinando”. A expansão do extremismo demonstra, então, uma reafirmação absurda dessa ideia, ou seja, “Somos porque ganhamos. Se perdemos, deixamos de ser”; assim, “na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre” (Eduardo Galeano). Perdem-se, portanto, legiões de incautos, de crédulos adoradores de promessas vãs, gente rendida pelas artimanhas da própria ignorância, seja ela voluntária ou não.

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