domingo, 24 de outubro de 2021

As batidas das asas de uma borboleta qualquer...


As batidas das asas de uma borboleta qualquer...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Bom, para ter eleições em 2022 é preciso, antes de tudo, ter um país e do jeito que coisa caminha... A deterioração nacional está cada vez mais intensa e rápida. Não é mais estar à margem do mundo; mas, de estar à margem de si mesmo. A opção de viver sob a perspectiva de uma realidade paralela, ficcional, idealizada, custa caro e já cobra seu preço cotidiano.

Não, a discussão não gira em torno e restritamente à economia. Não é apenas a perda do poder de compra. Não é apenas a inflação. Não são apenas os juros elevados. Não é apenas o baixo crescimento do país. É tudo isso junto e repercutindo sobre a dinâmica da vida social, impactando as possibilidades de ser e ter para satisfazer as demandas do dia a dia.

Trata-se de uma dilapidação gradual e enfática não somente dos direitos institucionais; mas, sobretudo, dos direitos sociais. Ora, quando a economia vai mal é automático que todos os demais campos da existência humana comecem a falhar. É a perda da capacidade de custear o plano de saúde que empurra o cidadão para o Sistema Único de Saúde (SUS). É a perda da capacidade de custear o ensino privado que lança o aluno para a Rede Pública. É a perda da capacidade de custear o combustível do transporte individual que obriga a mudança de deslocamentos para o transporte público. ...

É a perda da capacidade de custear que vai remodelando o perfil de vida do indivíduo. Sem que se deem conta da profundidade desse movimento, as pessoas são obrigadas, em nome de uma sobrevivência digna, a repensar, recusar, reduzir, reparar, reintegrar, reciclar e reutilizar. O que significa se reinventar tanto do ponto de vista prático, material e objetivo quanto teórico, imaterial e subjetivo.

Afinal, como tão bem escreveu João Guimarães Rosa, “O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza...” (Grande Sertão: Veredas).

E com a simplicidade dessas palavras se tem um modo mais acessível de referenciar a chamada Teoria do Caos, na qual o Efeito Borboleta se manifesta. Porque aqui e ali, o ser humano está submetido à fenômenos diversos nos quais as pequenas mudanças provocadas inicialmente podem desencadear alterações drásticas, profundas e imprevisíveis.

De modo que esse processo nos impede de controlar a mudança no curso da nossa história e nos alerta sobre o nosso papel no dia a dia individual e coletivamente. As decisões tomadas nos últimos três anos, no Brasil, vêm promovendo uma sucessão sequencial de problemas que já estão provocando desdobramentos negativos dentro e fora de seu próprio território.

A falta de competência e de habilidade na gestão aliada à displicência e total irresponsabilidade custaram muito caro à nossa reputação e credibilidade no cenário mundial. Mas, não bastasse isso, todos os dias surgem novas tensões, novos obstáculos, novos ruídos, perturbando e desestabilizando quaisquer prognósticos de equilíbrio, como se o país pudesse se dar ao luxo de viver na corda-bamba.

Metaforicamente, o Brasil está em constante estado de apneia, pelo receio do que podem “as batidas das asas de uma borboleta qualquer” repercutir sobre ele em diferentes direções, sentidos e velocidades. Estamos somatizando, de maneira sobreposta e contínua, os resultados caóticos de experiências malsucedidas. O que não deixa espaços e zonas de conforto para administrar e resolver os problemas. Tudo fica para depois, depois, depois, ... sem fim. Haja vista, por exemplo, a realidade operacional e logística do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Pois é, não se trata de impaciência das pessoas. A vida em si é impaciente. Ela depende desse movimento de pensar, planejar, organizar, realizar, auxiliar, ... Não há uma fila de espera para dar trato às demandas, tudo acontece simultaneamente. Razão pela qual a inação, a alienação, o descompromisso, a postergação, não cabem quando o assunto é a gestão da vida, seja de um ou de muitos.

No entanto, não me parece que as pessoas percebam que toda essa conjuntura não é à toa, ela tem método, tem planejamento, ainda que muitos de seus eventuais desdobramentos sejam imprevisíveis e, até mesmo, incontroláveis. Porque “ os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Steven Levitsky – cientista político).

O olhar demasiadamente perdido sobre as pessoas leva a se esquecer do alvo maior, mais amplo, que é o país e, por consequência, seu regime político de governança. Então, eles não conseguem compreender que “Uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições ou ataques terroristas – para justificar medidas antidemocráticas” (Steven Levitsky – cientista político).

Quando discutimos os problemas e as relações sociais de maneira dissociada, como pequenos fragmentos isolados e independentes, deixamos de reconhecer a existência de um todo indivisível, que cria e fortalece uma identidade. Assim, deixa-se o caminho aberto e desguarnecido, a tal ponto, que as pessoas se esquecem de temer “os profetas e aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois, em geral, farão morrer muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes deles, por vezes no lugar deles” (Umberto Eco – escritor italiano).

Por isso, a grande reflexão, nesse momento, se concentra em compreender que “mesmo quando tudo parece desabar, cabe em mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir” (Cora Coralina – poetisa brasileira).


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