sábado, 9 de outubro de 2021

Apesar da apologia ao atraso ignorante; no fim das contas, tudo é Ciência!


Apesar da apologia ao atraso ignorante; no fim das contas, tudo é Ciência!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se o individualista se desse conta de que o seu individualismo traz mais prejuízos a si mesmo do que à própria coletividade, talvez, mudasse de opinião. O corte de 92% dos recursos para a Ciência brasileira são um bom pontapé inicial para essa reflexão. Esse estrabismo mental, pelo qual vem padecendo o país, particularmente nos últimos três anos, não me parece mera política econômica restritiva; mas, um modo disfarçado de apologia ao atraso ignorante, o qual é sempre revestido por uma pontinha de “dor de cotovelo” pelo sucesso do outro.

Por isso, para refletir sobre o assunto, eu convido a todos a tecer algumas considerações a respeito. A primeira e mais óbvia delas é o fato de que muitas pessoas não dão o devido valor à construção do conhecimento científico e tecnológico por pura dissociação entre a teoria e a prática. Daí a importância de olhar para o mundo no entendimento do quão necessária é a existência de pessoas assim, trabalhando com afinco para o progresso e o desenvolvimento do mundo nas mais diversas áreas da vida humana.

Sim, porque a vida; sobretudo, no mundo contemporâneo, é cada vez mais dependente da Ciência. Do abrir os olhos pela manhã ao fechá-los no fim da noite, todos os segundos estão mergulhados em ciência aplicada. No remédio que você faz uso contínuo. Na engenharia do carro que você dirige. Nas sementes que produziram os alimentos que você consome. Nos cuidados com as carnes do seu churrasco de fim de semana. No tratamento da água e efluentes no município onde você mora. Nos aparelhos eletroeletrônicos que você tem em casa. Nas roupas, sapatos e acessórios que você escolhe para vestir. Nos produtos de higiene e beleza que você não dispensa para reforçar a boa aparência. No tratamento dentário ao qual você se submete. Nos exames de alta tecnologia que seu check up anual demanda. Enfim...

Além disso, é fundamental reconhecer que nem todo mundo nasceu com talento para ser cientista, para devotar seus dias de vida as pesquisas, para enfrentar os desafios de conviver na corda-bamba entre o êxito ou o fracasso na comprovação de suas teorias e hipóteses, para fazer malabarismos orçamentários para colocar as ideias em ação. De modo que cabe a esse restante de gente, então, o senso coletivo e cidadão de apoiar, torcer, investir, desfrutar dos resultados e da compreensão do que isso significa objetiva e subjetivamente para o país. 

Segundo, porque lá se vão mais de 500 anos de uma história que subjuga o Brasil a ser comprador de Ciência e Tecnologia ao contrário de assumir seu protagonismo e autonomia em criá-la e produzi-la. De ser eterno exportador de matéria-prima (commodities) e importador de manufaturados. Porque isso significa em primeiro plano fortalecer o desenvolvimento e o progresso dos outros ao invés do nosso. Por consequência, ao agirmos assim estamos considerando que a importação é melhor do que a exportação. Ora, como assim?! Desde quando adquirir bens ou serviços originários ou procedentes de outros países, é mais vantajoso para a balança comercial brasileira do que vendê-los, hein?! Desde quando abrir mão dos próprios royalties é vantagem para alguém?!

Na busca por traçar uma nova realidade para essa situação é que as universidades federais brasileiras se alicerçam no princípio da indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão (Art. 207, da Constituição Federal de 1988), ou seja, para produzirem “cérebros” que atuarão na produção da Ciência e da Tecnologia nacionais. Tornando, dessa forma, o país mais competitivo e menos dependente do cenário internacional, o que promove redução de custos em vários setores da economia. A título de exemplificação, segundo informações da Agencia Iberoamericana para la difusión de la Ciencia y la Tecnologia (DICYT), “[...]a avaliação de custo benefício do investimento Fapesp no Pipe1 mostrou um retorno de cerca de 6 reais para cada real investido [...]” 2.

Mas, contrariando esse entendimento, a atual gestão federal tem trabalhado com afinco na obstaculização do ensino, da pesquisa e da extensão, a partir de cortes cada vez maiores e limitantes para a sobrevivência desse tripé de educação. De modo que, a chamada “fuga de cérebros” tem impactado diretamente na economia brasileira, ao ponto de que no ranking dos países que mantêm profissionais qualificados, o Brasil caiu 25 posições entre 2019 e 2020, o que significa sair da posição 45 para 70. Portanto, isso é péssimo porque, segundo Felipe Monteiro, professor do Instituto Europeu de Administração, “Os países mais desenvolvidos são os mais competitivos em talento. Você tem os melhores talentos, você se desenvolve mais, você atrai melhores talentos. E você entra num círculo virtuoso entre talento, competitividade e crescimento econômico” 3.

Então, a total precarização do Ensino, da Pesquisa e da Extensão, no Brasil, induz os acadêmicos brasileiros a investir cada dia mais na emigração intelectual. Quem ganha com isso? De saída, a balança comercial dos países que os recebem, tendo em vista os royalties das pesquisas desenvolvidas por esses acadêmicos para a iniciativa privada estrangeira, ou seja, eles estarão contribuindo para a geração de diferentes bens e serviços a serem comercializados dentro e fora desses locais. Depois, a população local porque consegue preços mais satisfatórios para a aquisição de produtos de seu interesse e demanda; visto que, os mesmos foram produzidos em seu território nacional.

Isso significa que o Brasil não está desprezando somente a Ciência e a Tecnologia. Está desprezando os seus próprios cidadãos, tanto na sua humanidade existencial quanto em toda a sua potencialidade intelectual e cognitiva. Está desprezando caminhos para sua recuperação econômica, especialmente, depois dos impactos de uma Pandemia sem precedentes. Está desprezando a possibilidade de consolidação de espaços nos cenários tecnocientíficos internacionais. Está desprezando ...

Como se pudesse. Como se tivesse realmente esse direito. Mas, a gestão atual não quer se nivelar por cima. Quer se nivelar por baixo. Por isso não pode mostrar a competência dos outros, o know-how dos outros, a expertise dos outros, para não se sentirem diminuídos, inferiorizados. Pena que isso é inútil, porque estejam onde estiverem os verdadeiros “cérebros” brasileiros, lá estará a melhor parte, a mais bem-sucedida, a de maior relevância e destaque, do Brasil, fazendo história, fazendo Ciência, sendo reconhecida e reverenciada pelo o que realmente importa.



1 Trata-se de um Programa da Fapesp que aporta recursos para pesquisadores em pequenas empresas visando finalização de desenvolvimentos tecnológicos direcionados à inovação.

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