Fechado
para balanço!
Por Alessandra Leles
Rocha
TV Digital. Freezer. Máquina
de Lavar. Secadora. Cooktop. Wi-Fi.
Scanner. Laser. Acelerador Nuclear de Partículas. Ressonância Magnética...
e outros tantos elementos que fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas ao
redor do mundo. Resultados de uma nova ordem de tecnologia e progresso, a qual
se denominou Revolução Industrial, que chegou há aproximadamente quatrocentos
anos, no contexto de uma promessa de mais tempo, eficiência, produtividade e
melhor qualidade de vida. E para muitos o discurso é mesmo esse; uma rendição
quase inconsciente aos apelos de um mundo que brilha e gira literalmente à
velocidade da luz.
No entanto, longe de querer
azedar a boa fé dessas pessoas, a realidade que nos impõe o século XXI, em meio
aos discursos populistas, as milhares de propagandas enganosas bradadas aos
quatro cantos e recheadas de soluções rápidas para problemas altamente
complexos, os impactos da economia, nos faz viajar de volta ao passado e
enxergar com outros olhos essa tal Revolução.
Lá na segunda metade do
século XVIII, quando se iniciou a transição dos métodos de produção artesanal
para as máquinas movidas a vapor, que o mundo selou seu futuro. A riqueza
oriunda do mercantilismo de séculos anteriores fomentou a ousadia desse
processo e fez surgir às bases da Economia Capitalista Moderna e,
consequentemente, a Divisão Social do Trabalho, ou seja, as atribuições
produtivas nas estruturas socioeconômicas, de modo que cada indivíduo (ou
grupos de indivíduos) possui uma função na hierarquia social, da qual advém a
sua importância (ou status) perante a sociedade.
No entanto, a organização do
trabalho nas sociedades urbanas industriais embora tenha estabelecido normas,
tais como o tempo de jornada e a
remuneração de acordo com a tarefa realizada, não conseguiu romper
definitivamente com as sombras seculares da escravização. A indignidade que
sempre tomou conta das relações de trabalho escravo permaneceu obscura nas
entrelinhas dos discursos sociais, de tal modo que ao longo desses quase quatro
séculos a distribuição da riqueza, entre os que produzem e os que detêm os
meios de produção, tornou-se mais e mais abissal 1.
Inebriados pela farta oferta
de bens e serviços a humanidade acelerou o seu ritmo de vida e de trabalho, mesmo
que hoje existam leis específicas no ordenamento dos direitos e deveres
laborais. E por mais que se agitem nesse ritmo frenético de busca pela ascensão
e dignidade sociais, os trabalhadores se frustram diante dos ínfimos resultados
conquistados.
Afinal de contas, o mundo
que conheceu o advento da Revolução Industrial cresceu muito em termos de
contingente populacional; portanto, a grande oferta de mão de obra impacta
diretamente nos salários e na possibilidade de incremento de mais benefícios
(plano de saúde, creche, auxílio alimentação etc.). Quanto mais pessoas
disputando uma vaga, menor será o valor do salário pago para aquela função; sem
contar, na diferença existente entre a remuneração de homens e mulheres, na
qual eles ganham mais do que elas.
Além disso, reflexo da
própria industrialização, a mecanização dos meios de produção oferece a
possibilidade de substituição da mão de obra convencional humana pelas
máquinas. Todos os encargos trabalhistas que incidem sobre o trabalhador passam
a inexistir quando a máquina assume a produção. O investimento muitas vezes é
alto para adquiri-la; mas, sem ter que arcar com os encargos e a alta rentabilidade
da produção, os donos dos meios de produção nem cogitam outra possibilidade.
É por isso que, de certa
forma, o envelhecimento populacional, não interfere diretamente na
sobrevivência da cadeia de produção; pois muitas empresas, quando aposentam
seus funcionários mais antigos ou substituem por funcionários com menores
salários ou buscam a mecanização. Não é à toa que a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) estimou esse ano que a taxa de desemprego no mundo será de
5,8%, o que significa 3,4 milhões de novos desempregados, os quais o Brasil
responderá por 35% deles 2.
Como é possível perceber,
enquanto a população mundial se deixava encantar pelos feitos “incríveis” da
industrialização, ela própria, na condição de trabalhador assalariado, era
espoliada nos seus direitos e conquistas. A economia do mundo nunca se
preocupou de fato com a qualidade de vida das pessoas, porque com máquinas e
mão de obra convencional humana em franca disponibilidade seria fácil
substituir.
É por isso que as discussões
ao redor do planeta sobre os direitos trabalhistas e previdenciários do cidadão
são sempre motivo de embates difíceis, porque o trabalhador no contexto da
industrialização sempre esteve na posição de peça dentro do processo. Ele só
passou a fazer parte de tudo isso porque outros tomaram decisões que
instituíram esses meios de produção; portanto, ele nunca esteve na condição de
ditar regras. Mesmo com a criação de Sindicatos e entidades ligadas aos
direitos trabalhistas, eles pouco influenciam nas decisões finais. São quase
sempre conquistas insignificantes, parceladas a perder de vista, aquém das
demandas sociais impostas pela própria economia, traduzidas em salários
incapazes de cumprir com a dignificação do cidadão.
O que se vive hoje no
Brasil, por exemplo, em relação às questões previdenciárias é o somatório de
acumulativas gestões imprevidentes, as quais somos de certo modo responsáveis por
existir, com a redução do número de trabalhadores contribuindo. O gargalo
gerado por essa deficiência crônica leva ao infeliz quadro de em muito pouco
tempo não se poder arcar nem com os benefícios já adquiridos nem com os que
virão a ser concedidos. Como consequência desse caos, as relações de trabalho
precisam, então, ser repensadas imediatamente. Porque com os encargos
trabalhistas mais elevados em um grupo de 25 países analisados, o que
representa em média 57,56% do valor bruto do salário em tributos, enquanto a
média global é 22,52% 3, o
Brasil não só fomenta o desemprego como influencia o surgimento do trabalho
informal, o qual além de não resguardar os direitos do trabalhador não
contribui com a Previdência Social.
Desse modo, podemos dizer
que milhares de desdobramentos não pensados a luz do surgimento da Revolução
Industrial, agora, nos assombram dia e noite. O que chegou à revelia de nossa
vontade, também nos impõe a obrigação de pensar e encontrar um modo menos
indigesto de lidar com os resultados, a começar pela disposição em aceitar que
as relações de trabalho precisam se adequar as conjunturas do mundo
contemporâneo; sobretudo, por conta do elevado número de desempregados. Nesse
contexto é importante considerar também a população jovem que ingressa todos os
anos no mercado de trabalho. Em 2016, a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) estimou que o índice mundial de desempregados jovens, entre 15 e 24 anos,
seria de 13,1%, ou seja, um aumento de meio milhão de pessoas, em relação ao
ano anterior 4.
Como se vê, a situação a
enfrentar é tão complexa quanto trocar um pneu com o carro em movimento.
Estamos falando de seres humanos, de dignidade, de sobrevivência, de sonhos, de
esperanças; por isso, precisamos compreender sobre o que se trata esse momento
e porque chegamos até ele. Durante
séculos, foi disseminado em nosso inconsciente coletivo um discurso sobre as
alegrias do consumo, da industrialização, do progresso, para nos motivar a
seguir as cegas em busca desse “Eldorado de Bonança e Fartura”; uma nova
roupagem do velho discurso Absolutista do “pão e circo”.
Agora chegamos ao limite;
pois, tudo na vida tem um limite. Toda grande empreitada pede ajustes, pede
planejamento, pede controle. Chegou a hora. Temos que nos reinventar, nos redescobrir em
nome da nossa sobrevivência nesse mundo cada vez mais industrializado e
tecnológico. E garanto a você, leitor (a), que não será partindo do
quebra-quebra, das frases de efeito, dos discursos rotos e remendados que mesmo
quando estavam inteiros já não surtiram efeito algum. Se for para buscar no
primitivismo que seja como foi na criação da roda, do fogo, das vestimentas de
pele de animais; algo inventivo, inteligente, criativo e verdadeiramente capaz
de acenar com resultados profícuos. Mesmo assim, talvez a única certeza que
possamos ter é a seguinte: perdas irão sempre existir, pois a vida é feita de
escolhas, de caminhos e para ganhar há de se perder alguma coisa. Ninguém tem
tudo o que deseja.