segunda-feira, 11 de abril de 2016

‘Não é possível pensar políticas sem pensar intervenções que estão fora da escola’, defende estudioso português da educação, que fará conferência nesta noite na UFMG

Por Ewerton Martins Ribeiro e Luana Macieira


Nesta segunda-feira, a partir das 19h, no auditório Nobre do Centro de Atividades Didáticas de Ciências Naturais (CAD 1), campus Pampulha, o professor Luís Miguel de Carvalho, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, vai ministrar a conferência Regulação transnacional e mútua-vigilância no governo da educação, na qual fará uma análise da influência do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos sistemas educativos.
O Pisa é uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade pressuposta para o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. Desenvolvido e coordenado pela OCDE, ele é usado em vários países, sendo, no Brasil, coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A última edição do exame ocorreu no ano passado e envolveu 33 mil estudantes brasileiros de 965 escolas nascidos em 1999.
O Portal UFMG conversou com o professor Luís Miguel de Carvalho sobre a importância das avaliações internacionais de ensino e como elas interferem nas políticas educacionais dos países participantes. "Políticas orientadas apenas para o currículo e para o trabalho dos professores não são suficientes para mudar o desempenho dos alunos em exames e em provas de avaliação internacionais", argumenta ele.
Como o senhor vai abordar o Pisa na conferência de hoje?
Em minha apresentação, vou focar no modo como o Pisa interfere nos sistemas educativos dos países que participam do exame, observando as questões relacionadas aos processos de criação e de monitoramento de um conjunto de regras que orientam as políticas educativas dos países, processos supervisionados pela OCDE. Esse exame, aplicado em mais de 60 países e que cobre 90% da economia mundial, é, segundo a agência internacional, um dispositivo importante para se observar o desempenho dos sistemas educativos. Na linha de outros trabalhos realizados no âmbito da investigação educacional, procuro apresentá-lo e analisá-lo como instrumento usado pela OCDE para concretizar uma intervenção reguladora sobre as políticas educativas nacionais.

Como surgiu esse exame que avalia a educação em âmbito mundial?
Essas grandes avaliações internacionais, feitas por meio de provas aplicadas aos estudantes, começaram a ser realizadas de modo sistemático no início dos anos 1960. O objetivo era compreender o modo como os sistemas educativos lidavam com suas propostas de qualificação dos alunos, além de prometer aos decisores políticos conhecimentos sobre os melhores sistemas e suas soluções. O primeiro Pisa ocorreu em 2000 e hoje o teste busca produzir um conhecimento relacionado e comparado no âmbito da educação.
O Pisa é aplicado em mais de 60 países com economias, culturas e sistemas políticos diferentes. O exame é capaz de levar em consideração as especificidades de cada ambiente?
Essa é uma das principais críticas a esse tipo de prova padronizada. Há uma impossibilidade de comparar o que é incomparável, devido a contextos culturais, sociais e políticos distintos. Como já disse, precisamos entender o Pisa não só como um teste, mas como um instrumento capaz de gerar um conjunto de representações sobre a educação e de como ela deve ser dirigida. Ele é um dispositivo político, porque incorpora visões da educação e constrói uma forma de regular a educação em nível internacional. Vejo o Pisa como uma tecnologia que reúne visões sobre a educação e como devemos proceder ao lidar com ela.
Como o Pisa pode ser usado na melhoria da educação dos países participantes?
Isso cabe aos atores da educação de cada país, de cada comunidade de conhecimento, decidir. São eles que definem se vão usar e o que fazer com os dados. O que é interessante, para mim, é conhecer o que fazem efetivamente. Devemos ir além e promover um questionamento que comumente não ocorre. São conhecidos vários efeitos do exame na formulação de políticas públicas nacionais, incluindo elaboração dos currículos, avaliação dos alunos e formação dos professores. As políticas acabam vinculadas ao resultado do Pisa e, ao mesmo tempo, os governos nacionais levam o exame em consideração quando se espelham em outros países para criar as suas políticas. Na Alemanha, um mau desempenho no Pisa gerou um reposicionamento de suas políticas públicas. Além disso, muitos países passaram a contemplar, em suas metas de educação, a prova internacional. No caso do Brasil, o novo plano nacional de educação tem uma estratégia que associa o desempenho dos alunos no exame a uma das suas metas.
Que ressalvas o senhor faz aos exames internacionais de avaliação de estudantes?
Uma das ficções gerada pelo exame é a de que a economia de um país e o desempenho dos alunos na prova estão relacionados, ou seja, a ideia de que um influencia diretamente o outro. O Japão é um exemplo dessa ficção, uma vez que se mantém no topo do Pisa há 15 anos, mesmo com sua economia passando por dificuldades. Outra ficção refere-se ao conhecimento e às mudanças que podem ser geradas a partir dos resultados desses testes padronizados. Precisamos considerar que cerca de 60% da variação dos resultados nesse tipo de prova está relacionada a fatores não escolares, como os sociais, culturais e econômicos. Certamente, as escolas e os professores têm responsabilidade no desempenho dos alunos nessas provas - mas uma parte apenas. E convém não esquecer que o exame só lida com parte daquilo que é importante na ação educativa.
Então é preciso considerar outros aspectos além do exame...
Não é possível pensar em políticas educativas sem pensar em intervenções fora da escola. Os resultados dos desempenhos dos alunos só vão mudar se o conjunto de fatores que afetam esse estudante também mudar. São necessárias intervenções na escola, mas também fora dela. Políticas orientadas apenas para o currículo e para o trabalho dos professores não são suficientes para alterar o desempenho dos alunos em provas de avaliação dessa natureza.
Como o Pisa pode ser aprimorado para contemplar esses outros aspectos?
Há algumas discussões sobre a criação de um Pisa alternativo. Não sei se isso resolveria as falhas, pois um dispositivo alternativo teria a mesma natureza. O que eu acho importante é considerarmos movimentos que relativizem essas provas. Os sistemas educacionais precisam ser construídos com um olhar para o passado e outro para o presente, mas projetando o futuro. Uma boa forma de se pensar políticas educacionais é olhar para o outro, ou seja, para as experiências de outros lugares.

A conferência do professor português Luís Miguel de Carvalho, que ocorre na noite de hoje, 11, será transmitida pela internet, ao vivo, por meio deste e deste link. A aula magna começa às 19h no auditório nobre do Centro de Atividades Didáticas de Ciências Naturais (CAD 1), no campus Pampulha.

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