Chove...
sem parar!
Por
Alessandra Leles Rocha
Muito embora o verão seja a estação
do sol, do calor escaldante, das roupas leves e coloridas, da descontração
explícita, as chuvas fazem parte também do programa. Mas, para quem aprecia o
verão tipicamente estereotipado por nós brasileiros, uma chuvinha aqui e ali
até pode ser; só fica estranho, quando por razões das mudanças climáticas, o regime
chuvoso sai do controle, como se São Pedro quisesse esgotar toda a água do céu.
É. Janeiro começou assim! Chuva. Muita
chuva para lavar a alma, os pecados, as injustiças, os descalabros... Nada de
uma chuvinha de verão, com hora para começar e terminar, com única finalidade
de amenizar as altas temperaturas. Não, as águas a rolarem dos céus não estão
de brincadeira. Estão fazendo estragos graves pelo país afora, deixando
milhares de desabrigados e muito a ser reconstruído. E para completar, a umidade
é tanta que a sensação térmica é de friagem, precisando de blusas e cobertas
para aquecer, apesar de ser verão.
Depois de uma estiagem extrema,
causando racionamento de água em várias regiões; agora, se vive o contrário. Tudo
parece mesmo fora de lugar, inclusive o clima. A vida na Terra que já era
guiada pelas surpresas tornou-se uma incógnita mais do que imprevisível. Estamos
literalmente ao sabor dos ventos, que sopram de um lado para outro no balé das nuvens
de algodão. Dizem os especialistas na área que o Sol também está mais próximo
de nós, interferindo na temperatura e, consequentemente, nesse rebuliço atmosférico.
Seja qual explicação for para tudo
isso, esse verão nublado e cinza a chorar sua melancolia dia e noite, nos
trancafiou dentro de casa e de nossa concha. Arbitrariamente, a chuva antecipou
nossos momentos de reflexão e casmurrice outono/inverno; era para estarmos
vibrantes, alegres, felizes e saltitando como pipocas pelas ruas... As janelas embaçadas,
salpicadas de gotas transparentes e frias, abrigam os frutos do que se faz em
dias assim: pensar, pensar; talvez, sonhar... E sem querer percebemos que a
chuva chove através de nós silenciosamente.
Entre uma xícara de chá ou café
quentinho, uma leitura interessante ou as preciosidades contidas em um bom
roteiro de cinema vamos aguardando pelas águas de março fechando o verão; posto
que, pela insistência delas não parece que se renderão tão cedo. Então, terá sido um verão atípico. Mas, em
tempos de uma vida tão atípica, tão surreal, tão absurdamente fora de lógica, por
que o espanto? Nem nós somos os mesmos! Nem a chuva que cai sem parar é sempre
a mesma!
Contudo, isso não significa algo
ruim, ou que tenhamos ‘perdido’ o verão, ou deixado de viver dias de inteiro
ócio e vagabundagem. Ao contrário, ao sermos subitamente surpreendidos pela insistência
de uma chuvinha malcriada fomos lançados ao vento de uma introspecção não
voluntária, sem redes de proteção, para fora da zona de conforto. Aí, é como
diz a mensagem “O Rio e o Oceano”, do filósofo Osho: “Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha
para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso
através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão
vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há
outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível
na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e
entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece.
Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas
tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.
Assim somos nós. Só podemos ir em frente e arriscar. Coragem! Avance firme e
torne-se Oceano!”.
Dizem que a chuva é benção, é
purificação, é o que alimenta a vida. Quem sabe, esse verão de águas fartas não seja
o nosso caminho para um oceano de dias melhores, mais amenos, mais humanos,
hein?! Cada gotinha de água no guarda-chuva é que constrói
o rio em que navega a nossa vida; então, melodicamente entoamos, “Chove chuva,
chove sem parar...” 1.
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