Afinando o discurso
Por Alessandra Leles Rocha
Se há uma coisa que me “cansa” nesse país é a
total falta de sintonia no discurso. Não, não é só pela enxurrada de erros
graves cometidos contra a língua pátria! Tão pior quanto está no fato da
variação explicativa sobre um mesmo assunto, gerando uma terrível confusão
mental na tentativa de quem quer compreender.
Há tempos, por exemplo, venho observando os
caminhos do mercado de trabalho no país e me perdendo pelos labirintos que o
assunto tão habilmente desenvolveu. É! Às vezes dizem que falta mão de obra
qualificada e com experiência, outras desconversam que isso não é ponto de
discussão, pois o próprio mercado pode capacitar, outras o candidato é
qualificado demais (ou de menos), outras atribuem o peso das contratações a
total pro atividade do candidato, outras ranqueiam as profissões entre “as do
momento” e “as já saturadas”; enfim... Ao estabelecermos esses “senões”, ainda
que inconscientemente, estamos sim, ferindo os princípios fundamentais da
Constituição de 1988, previstos no artigo 3º: “I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III –
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Então, o
que espera o mercado de trabalho brasileiro de seus pretensos candidatos?!
Segundo o próprio censo demográfico tem apontado,
a população brasileira tende a se apresentar cada vez mais velha, graças ao
avanço da ciência e da busca constante pela pratica de um modelo de saúde
preventivo. Assim, as pessoas estão estendendo mais e mais o seu desempenho
profissional e dessa forma, deixando menos oportunidades abertas aos futuros
ingressantes. Muito além do interesse pessoal do trabalhador mais velho, que se
mantendo no rol economicamente ativo da população garante uma expectativa de
recursos mais significativa para sua sobrevivência, o mercado também tem
favorecido a permanência desses profissionais em razão da larga experiência adquirida
ao longo dos anos. Sim! Experiência se constrói no compasso do tempo! Vivemos a
era da tecnologia de ponta, dos mecanismos de informação em constante
aprimoramento, mas tudo isso são ferramentas, as quais dependem de um
conhecimento acumulado e vivenciado para culminar em sucesso. Além disso, funcionários
mais experientes apresentam um comprometimento maior com o trabalho, são mais assíduos,
mais proativos, mais dispostos a “vestir a camisa”.
Enquanto paramos para pensar nesse viés, na outra ponta
da historia não param de aportar no mercado jovens cidadãos à procura do
primeiro emprego ou de uma nova oportunidade. Alguns, poucos, chegam munidos de
conhecimento satisfatório, de uma preparação adequada para enfrentar a disputa
e satisfazer as demandas; mas, a grande maioria está distante disso. É o
contingente que preenche os relatos diários da mídia, no que diz respeito à
fragilidade do sistema educacional e o total despreparo para o ingresso no
mercado de trabalho. De posse do diploma ou do certificado de conclusão, o
pobre papel que tem em mãos não comprova de fato a sua capacidade para o exercício
desta ou daquela função. Então, a inexperiência da idade somada à precariedade
da formação impede o preenchimento das vagas disponíveis. Por isso sobram oportunidades,
sobram desempregados; a conta não fecha!
Em meio a esse turbilhão ainda há a realidade de
uma migração internacional. Com a crise econômica em diversos países da Europa e
nos Estados Unidos, milhares de pessoas têm desembarcado no país em busca de
emprego e um recomeço para suas vidas. Grande parte deles traz um nível educacional
e cultural melhor do que o nosso e facilmente conseguem suprir a oferta de
vagas ociosas; afinal, o país não pode parar até que sua população esteja
pronta!
Ora! Mas não há só espinhos! Na gigantesca massa
de trabalhadores brasileiros há gente verdadeiramente pronta para esse “arregaçar
as mangas” e que, sem maiores explicações, fica de fora das seleções. Trata-se
de pessoas qualificadas, com experiência, visivelmente em condições superiores
à grande maioria. Mas, há sempre um “senão”
impedindo que eles sejam considerados aptos para o exercício de uma função, sendo
genericamente definidos como “o perfil não enquadra”. Mas, que garantias tão
precisas esse tal “perfil” dá a quem escolhe, hein?! O individuo não falha nunca,
não desiste, não fica desmotivado jamais,...?! Faz-me até lembrar Chaplin, em
Tempos Modernos, quando ele satiriza a especialização da mão de obra na indústria,
ao ponto de um funcionário que apertava parafusos ficar condicionado a fazê-lo em
qualquer hora e lugar. Parece que se temos o “perfil” de “apertar parafusos”
teremos que mantê-lo até o fim de nossos dias. Sorte dos que já se foram desse
mundo! Imagina Drummond não podendo mais ser escritor e poeta, porque era antes
disso funcionário público?! E Guimarães Rosa, que era médico e escritor ao
mesmo tempo?! Joelmir Beting, sociólogo de formação e jornalista por vocação e excelência?!
E de “perfil” em “perfil” vão pondo à margem milhares de pessoas que poderiam
fazer a diferença positivamente. É! Está difícil remar contra tantas marés! As
pedras no caminho se multiplicam a olhos vistos e até auxiliam a fomentar a
famigerada prática “do quem indica – QI”.
Viver é um contínuo experimentar, conhecer, escolher,
refletir! Que sentido há então, na evolução das espécies, se não for dar a elas
a oportunidade de se readaptarem ao meio?! A raça humana é uma capsula de
informações e inventividade. Podemos ser muitos no exercício daquilo que nos
propusermos a realizar e para isso, dependemos de oportunidades qualitativas e
quantitativas. Oportunidades de uma boa educação, de uma boa leitura, de uma
ampla cultura, de um bom desenvolvimento físico e intelectual. Oportunidades que
se constroem na infância e perfazem até o último dia de nossa existência. Quanto
mais pessoas preparadas, qualificadas, dispostas a fazer, melhor! Precisamos de
mestres que façam seus discípulos notáveis, que repassem com qualidade os seus
conhecimentos, que sejam capazes de realizar essa tarefa multiplicadora; afinal,
ninguém controla o relógio da vida e cada um que de repente se vai, ainda que
ninguém substitua ao outro em essência, é um a menos para ajudar a afinar o
discurso, ou melhor, a mover o progresso e o desenvolvimento da nação!
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