segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Crônica & Reflexão


O sabor do sal

Por Alessandra Leles Rocha


Há algumas semanas o país se desdobra entre duas vertentes de discussão importante: a “explosão grevista” de diversos segmentos do funcionalismo público federal (em alguns estados, também o estadual) 1 e o julgamento no Supremo Tribunal Federal do caso conhecido como Mensalão 2. Distante de quaisquer partidarismos ou paixões políticas, a realidade apenas nos cobra uma reflexão de fatos que se traduzem no ranço secular da nossa história.
Com relação ao julgamento, ainda que represente um acontecimento importante para as paginas do país, prefiro aguardar o desfecho ao invés de conjecturar sobre esse episodio e reforçar a velha prática de simplesmente reclamar sobre “o leite derramado”. A decisão final terá significância no sentido de dar-nos uma satisfação; mas, bom mesmo será se ela conseguir remover as traves da visão popular e arar a consciência para uma transformação ética e moral renovadora e consistente, revelando o desgaste e a fragilidade da praxe do “jeitinho”. Sendo assim, opto por discorrer sobre o que se encontra bem mais próximo e impactante ao nosso cotidiano, as greves. 
Creio que sejam poucos os que ainda acreditam que o governo fabrica dinheiro na medida de suas necessidades, ao contrário de que todo o recurso financeiro empregado na administração pública sai tão somente dos veios caudalosos da arrecadação tributária. Desse modo, tudo o que é feito de bom ou ruim no contexto governamental (seja ele municipal, estadual ou federal) advém da nossa contribuição, do nosso esforço laboral diário; somos nós que sempre pagamos a conta da saúde, da educação, da segurança, das obras,...
E enquanto suamos a camisa e depositamos regiamente nossa fração contribuinte enfrentamos os reveses da economia e as perdas salariais inevitáveis. O poder de compra reduzindo, os impostos aumentando, a ineficácia dos serviços prestados nos obrigando a pagar novamente por eles, enfim... não bastasse tudo isso é do nosso bolso que saem os salários do funcionalismo público, incluindo os nossos representantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Com o poder decisório nas mãos, Executivo e Legislativo decidem sobre os salários de todos; pena que o calculo dos mesmos não obedeça a uma mesma regra! Sendo eles constituintes da pequena parcela da pirâmide, seus salários são reajustados em índices expressivos, distantes daquele aplicado ao salário da grande massa e que se corrói facilmente aos descontos e a inflação. Sem esquecer que em cima do valor salarial, eles também usufruem do cálculo de outras benesses a completar a receita: auxílio moradia, auxílio paletó, verba de gabinete, por exemplo.
É! Do parco salário mínimo, a grande massa faz milagre e paga aluguel, compra roupas e calçados, desconta percentual de transporte, etc.etc.etc. e quando é a vez de receber um aumento suficientemente capaz de eliminar as perdas, o choramingo recheado de “justificativas” dos gestores financeiros transforma o caso em disputa repleta de idas e vindas, de propostas de pagamento escalonado. Só lembrando que enquanto a Comissão Mista de Orçamento aprovou por unanimidade, agora em julho, o texto base da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 um salário mínimo no valor de R$ 667,75 mensais, aumento de 7,36% em relação ao valor atual, de R$ 622 3; em 2011, os parlamentares já haviam reajustado seus próprios salários em 62% (deputados e senadores ), 134% o salário da Presidência e 149% dos ministros 4, pagos de forma integral.
Portanto, essa “explosão grevista” não é obra do acaso, nem injustificada; ela representa muito bem a desesperança, uma sensação de nadar, nadar, e morrer na praia, frente a recorrente construção de abismos e desigualdades sociais. Na hora de reunir o montante, os recursos são de todos, mas na hora de distribui-los há diferenças! Embora, o cálculo do salário do funcionalismo público também não seja sobre o salário mínimo e sim, sobre pisos funcionais específicos, o mesmo tem reajuste sempre aquém do topo da pirâmide. Nada de contemporâneo em nossa história, apenas o retrato de séculos da engrenagem administrativa nacional! Mas, porque tem sido assim, não significa que não haja tempo para transformações! Justamente agora, em que os últimos anos se desdobram em reflexos de uma grave crise econômica mundial, é preciso inovar para reaquecer a economia; um ganho salarial significativo é, sem dúvida, uma alavanca nesse sentido. Na medida em que o mercado de trabalho também tem imposto a necessidade de mais conhecimento e melhor qualificação profissional, se torna imprescindível o pagamento de um salario compatível, que motive e faça jus ao sacrifício do trabalhador. Aqui e ali, o que se espera é que as travas, que limitam ou impedem o progresso e o desenvolvimento, sejam verdadeiramente rompidas; a velha a fórmula seja aplicada: bons salários descrevem a satisfação da população, a geração de empregos, a melhoria no poder de compra, a promoção de investimentos, e a ampliação de serviços. Que o sal 5 passe a ter o seu verdadeiro sabor; uma mistura de sonhos, de fé, de trabalho, de suor e mel!