Era uma vez...
Por Alessandra Leles Rocha
Nem todas as transformações ocorridas no mundo, de fato estabelecem uma ruptura da sociedade com seus hábitos e comportamentos. A participação maciça da tecnologia, nas últimas décadas, no cotidiano do homem, felizmente não conseguiu afastá-lo da leitura; ao contrário, ano a ano o contingente de leitores se amplia e o comércio livreiro consolida recordes de publicações e vendagens.
Que bom! Realmente, é muito bom saber que a leitura ainda tem espaço garantido na vida das pessoas! Não só pela fonte inesgotável de conhecimento que ela proporciona; ler oferece ao individuo a possibilidade de recolhimento, de reflexão, e até mesmo de paz, ao longo do dia. Mesmo que sejam parcos minutos dispensados no trajeto ao trabalho, ou no intervalo do almoço, ou nos longos congestionamentos do trânsito, o desapego ao estresse da realidade para mergulhar no horizonte do desconhecido propicia que corpo e mente se reequilibrem e se renovem. Claro que para uma melhor resposta da leitura, como agente de reconstrução corporal, o ideal é que ela se constitua de elementos agradáveis, edificantes, interessantes. Não dá para relaxar, lendo um livro de suspense, ou terror, por exemplo.
Só mesmo quem lê frequentemente para expressar com fidelidade os benefícios desse universo mágico. Os livros nos estimulam involuntariamente a uma imensa e reconfortante sensação de prazer e felicidade. Quem nunca se deixou inebriar pela fragrância que exala o papel de um livro, hein? E a sensação de passar as páginas devagarzinho, desfrutando da sutileza do contato entre os dedos e o papel? E cochilar com o livro sobre o peito, como se abraçado a ele estivesse? Por mais que o mundo tenha alcançado o valoroso conceito tecnológico, que a internet tenha nos encurtado as distâncias da informação e os livros estejam nela disponibilizados, a relação concreta e prática entre o leitor e seu livro em formato tradicional é incomparável e insubstituível.
Os mesmos livros que tantos dizem nos afastar da convivência humana e nos recolher à solidão são aqueles que nos abrem as janelas do mundo, nos motivam a sair de casa para adquiri-los, nos ampliam as possibilidades de conversa e de estabelecimento de novas amizades. Ao findar de cada leitura somos sim alguém muito mais interessante, modificado na essência e, às vezes, até na aparência; as palavras tem um poder infinito sobre nós! Na imobilidade de sua fixação no papel elas escondem a força que transcende as barreiras do nosso consciente e inconsciente; a partir do sussurrar silencioso de suas mensagens nos descobrimos mais felizes, espertos, audaciosos, belos,... situados no contexto de nossa própria vida. Sem tamanha pretensão, não são raros os momentos em que os livros se tornam excelentes ferramentas terapêuticas.
Ainda vivemos a dificuldade de uma maior popularização dos livros, de modo que sua aquisição seja um peso no orçamento doméstico de muitas famílias. Mas, por outro lado, a diversidade de projetos de incentivo e apoio à leitura se multiplica pelo país. Bibliotecas itinerantes, escambo de livros usados, clube do livro, carros biblioteca, e tantas outras iniciativas aproximam a população da literatura e da leitura, e dessa forma, vão se apurando os interesses, conhecendo as formas de linguagem e de expressão, despertando a importância dessa prática para a melhoria da linguagem escrita e falada da língua portuguesa, ampliando o rol de escritores lidos no país. Apesar de parecer um pouco acanhada, em razão da necessidade de investimentos específicos, a leitura acessível para os portadores de deficiência visual também amplia a sua conquista de público. Livros em Braille, áudio books e clubes de leitura se expandem pelo país e estimulam a criação de novos projetos de inclusão social além das fronteiras escolares – bibliotecas, livrarias, centros culturais etc.
Cientes ou não do impacto dos livros em nossa vida, a verdade é que não há ninguém que jamais tenha ouvido uma história, ou folheado um livro (mesmo que só para se encantar com as gravuras!), ou ido a uma biblioteca ou livraria. Nas páginas da nossa vida, vez por outra lá esteve esse amigo fiel; algumas vezes a contragosto, por obrigação da escola, mas de um jeito ou de outro enriquecendo um pouco mais a nós mesmos. Com ou sem motivo pegue um livro e descubra que dentro daquelas páginas, ainda que amareladas pelo tempo, os dias podem ser sempre maravilhosos e iluminados; deixe-se encantar com o “Era uma vez...”!