Por Alessandra Leles Rocha
O que a misericórdia humana, tantas vezes, tem dificuldade de atender, a misericórdia divina age de prontidão. Enfim, antes do que se previa, os 33 mineradores soterrados na Mina de San José, no Deserto do Atacama, no Chile1, são resgatados com sucesso. Pouco mais de dois meses após o acidente, um milagre os manteve vivos a 700 metros de profundidade e lúcidos para resistir à ausência da luz solar e a toda a insalubridade presente no interior da mina2.
Como sempre, as tragédias ou o risco de sua iminência é que são capazes, mesmo que por alguns instantes, de elevar os olhos do homem e acender sua consciência para todo o tipo de negligência e irresponsabilidade a que são capazes de expor seus semelhantes. Diante as centenas, aos milhares de dedos em riste a cobrar-lhes as responsabilidades e as necessárias reestruturações do processo de mineração no país, é que o governo chileno se pronunciou para atender a uma questão tão antiga; afinal, esse não foi o primeiro caso de soterramento em minas no país. Mas, a mineração não é uma atividade restrita ao território chileno, existem minas espalhadas por todo o mundo e muitas delas vivenciando uma realidade nada distante da Mina de San José; tanto que o governo chinês evitou noticiar ou se manifestar sobre o assunto, posto que com frequência acontecem acidentes fatais em seu país.
O que espelha essa realidade triste e cruel, ditada pela ordem do desenvolvimento e do progresso econômico, é o quão distante está à compreensão mundial sobre a sustentabilidade econômica e dos meios de produção. Os lucros ainda permanecem como o único objetivo a ser considerado, o que tem levado diversos países a definir barreiras alfandegárias para tentar conter e proteger a rentabilidade de seus produtos frente à invasão de produtos estrangeiros. A produção ininterrupta e em larga escala se realiza independente da logística e do planejamento que deveriam ter sido definidos para lhe garantir a sustentação. Enfim, o regime arbitrário e exaustivo que marcou a Revolução Industrial sofreu mudanças, mas não o bastante para preservar e garantir a segurança e a qualidade de vida dos trabalhadores. O exemplo desses mineiros é apenas uma gota no vasto oceano profissional pelo mundo; não se trata de um fenômeno exclusivo a essa atividade. Homens e mulheres têm visto o seu direito ao descanso desrespeitado por escalas mal planejadas e abusivas, não contam dentro e fora dos locais de trabalho com um sistema de atendimento médico-hospitalar oferecido pelos empregadores, além dos baixos salários não veem respeitados os pagamentos por horas extras, adicional por insalubridade e gratificações, não dispõem de creches nos locais de trabalho para deixarem os filhos ainda fora da idade escolar, não recebem o respeito e o reconhecimento de seus empregadores através de políticas de amparo, incentivo e valorização do trabalho realizado, mesmo após a aposentadoria precisam continuar trabalhando para conseguir garantir a sobrevivência diante do “achatamento” brutal da renda. A persistência na omissão com o trabalhador fomenta inevitavelmente esse processo de “enxugar gelo”; paliativos para abafar a repercussão negativa das tragédias, a necessidade cada vez mais veemente do empregado se expor aos riscos para não ficar desempregado, o descuido na liberação de licenças de funcionamento, operacionais e ambientais para os empreendimentos.
Mais uma lição registrada. Mais um aviso para que “o homem deixe de ser o lobo do próprio homem” 3. 33 vidas que foram salvas e tantas outras, que a eles estavam presas pelos laços de sangue, de amor, de amizade e de solidariedade, também respiram aliviadas. Parabéns pelos esforços de todos os envolvidos para antecipar o resgate e remediar aquilo que alguém não quis prevenir. Façamos cada um a sua parte, de agora em diante, para que a Providência Divina não seja mais sacrificada para tentar resolver tudo sozinha; o planeta é grande o bastante para que ela não consiga se desdobrar com sucesso em todas as situações.