quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Crônica: Domando a consciência nômade

 

Por Alessandra Leles Rocha

            Há alguns anos, uma amiga escreveu no meu caderno: “Há sempre um amanhã para um hoje que não foi feito de aventuras. Vibre com a Lua, mas curta a tempestade, lembrando-se que nem sempre há paz no silêncio.”. Jamais consegui esquecer essas palavras; talvez, porque de fato o silêncio diga tanto, ou mais, do que milhões de palavras.
            Vendo os noticiários sobre o mais recente tsunami na Indonésia, que foi surpreendido concomitantemente por uma erupção vulcânica1, parei para contemplar silenciosamente aquelas imagens e me arrebatar com a sua força não letrada - mas, não menos avassaladora -; e pensei, porque em outros cantos do mundo há quem se sinta tão incomodado pelas palavras, que queira silenciá-las como solução para seu desconforto2.
             De bom ou ruim, agradável ou desagradável, satisfatório ou insatisfatório, os fatos são o que são; contam e recontam sua história sem que se faça necessário balbuciar uma só sílaba. O que fazem as palavras, tantas vezes, é redundante ao óbvio do cotidiano. Precisamos delas para convencer a alma, repetir mil vezes por si, até que seu sentido penetre a pele e se una as entranhas para não restar mais nenhuma dúvida. Mas não serão elas faladas, escritas, pichadas, grafitadas, em prosa ou em verso, que nos tornarão mais vivos e sensíveis às belezas e aos horrores do mundo; somos, antes de tudo, seres abertos à percepção das entrelinhas, das metáforas, da subjetividade que a comunicação nos oferta em banquete e se faz simples, sem muita exigência. Entretanto, desde cedo na história do ser humano, a primeira grande meta é aprender a ler e a escrever (não nos basta apenas às percepções); é assim que tomamos posse da nossa condição humana cidadã, que desbravamos os rincões da nossa estrada, que registramos a nossa história, para que o tempo não esgarce as lembranças, não confunda os causos, não limite os detalhes, não se restrinja ao breve momento do hoje.
            A realidade tecnológica parece ter caminhado segura em busca de cada dia mais dar vazão a toda comunicação manifesta na rapidez, na urgência do tempo e na dispensa da retórica. Os cinco sentidos humanos trabalhando no ritmo da apreensão da vida cotidiana e expressando verbal e não verbalmente as suas opiniões, pensamentos, ideias, conflitos... Assim, vai se fiando e evoluindo os caminhos da mídia, da imprensa e da comunicação no século vinte e um. Vez por outra, quando há possibilidade do registro se dar no mergulho profundo e amplo das palavras, corpo e alma agradecem a plenitude da catarse.
            Por isso, equivocam-se os que acreditam poder controlar a força da comunicação humana. O ser humano que fora criado para pensar, raciocinar, expressar em toda a sua natureza intelectual os meandros da existência, é também animal de consciência nômade, que se debate consciente ou inconsciente às amarras as quais tentam lhe impingir. De modo geral, pois em todo grupo há exceções, impedi-lo, cerceá-lo, constrangê-lo, vetá-lo da habilidade primaz de ordenar pensamento e palavra escrita significa adoecê-lo no cerne de sua essência, mirrar o mistério profundo daquele gosto maravilhoso do compartilhamento coletivo das semelhanças e diferenças com que se percebe o mundo em todas as formas; mas, não silenciar a tempestade que repousa e comunica dentro de cada um.

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