sábado, 9 de outubro de 2010

Crônica: As palavras em silêncio


Por Alessandra Leles Rocha

            Silenciem as penas, os tinteiros, os papéis! O dia pede silêncio e reflexão na homenagem daquele que deu voz as palavras e aos mais recônditos pensamentos e sentimentos humanos, José Saramago1.
            O português José de Sousa Saramago, Nobel de Literatura em 1998 e agraciado com o Prêmio Camões – o mais importante da literatura portuguesa, marcou o mundo desnudando através de seus romances os caminhos da sociedade contemporânea.
            Ousou abrir-nos os olhos para a grande cegueira lúcida que toma conta da população e lhe coloca em paradoxo para enxergar o óbvio de suas necessidades, anseios e vislumbres de felicidade. Irreverente e ironicamente ácido nos conduziu a refletir sobre a influência do catolicismo, especialmente no âmbito da cultura. Fez-nos rir com atenção diante dos exageros e devaneios que o poder ocasiona aos que o tem nas mãos. Levou-nos a transcender o significado do amor como elo ou não de ligação entre a vida e a morte, a crise existencial que nos afronta sem grandes cerimônias. Levados por ele a mergulhar na própria consciência, tivemos a oportunidade de nos questionar se somos ou não produto de nossas ações. Fomos assombrados pelo impacto devastador que o capitalismo dissecado por Saramago veio nos arrebatar. Enfim, existirão mãos tão hábeis quanto às dele para continuar nosso resgate desse teimoso ostracismo?
            Quase nove décadas de existência gradativamente lapidadas pelas experiências da vida, para resultar no assombro de uma mente brilhante. Brilhantismo este, que se deu por conta e risco de uma singularidade simples e ao mesmo tempo complexa de alguém que acreditava convictamente na importância de realizar algo mais do que apenas viver. Para quem se desculpa com a impossibilidade financeira para estudar, adquirir conhecimento, evoluir intelectualmente, esta foi mais uma grande lição de Saramago: de origem humilde, não estudou o quanto queria – fez apenas um curso técnico -; mas, entregue as constantes visitas a Biblioteca Municipal Central de Lisboa, adquiriu os alicerces de uma formação autodidata inquestionável. Como ele mesmo disse, “Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais”; por isso, cabe a cada um o quinhão em fazer a diferença na própria vida.
            O sentido de Saramago sempre será maior do que todos os prêmios e títulos que lhe atribuíram; porque seu sentido esteve no resguardo perene das raízes que um dia o postaram de pé e o revelaram sem truques de aumento aos olhos do mundo. Agora, ao ganhar o ilimitado esplendor da imensidão azul, ecoa entre nós como sussurro de prece, a constatação da sua frase: “Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”.



1 http://www.caleida.pt/saramago/