domingo, 2 de novembro de 2025

Uma análise além das pesquisas


Uma análise além das pesquisas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos e convenhamos, fazer qualquer pesquisa de opinião, no calor das emoções, configura, no mínimo, oportunismo. Sobretudo, quando o assunto trata da extrema barbárie. Por isso, não surpreende que as recentes pesquisas em torno da megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, que vitimou 121 pessoas, sendo 117 suspeitos e 4 policiais, revelem uma aprovação popular quase maciça.

Só posso dizer que é preciso “colocar a bola no chão” e pensar. Não há como negar que esses são tempos de profundo imediatismo social. Daqui e dali o que se vê circulando na sociedade é uma mentalidade voltada para o agora, com pouca (ou nenhuma) paciência para o passado ou qualquer preocupação com o futuro.

Não importa se o assunto é simples ou complexo, grave ou desimportante, a pressão por respostas e resultados imediatos, afetando a atenção, as relações sociais e o planejamento a longo prazo, é flagrante.

E contando com esse comportamento, é que determinados segmentos sociais, imbuídos de algum poder, se valem para alcançar os seus propósitos.

Infelizmente, a legitimação da barbárie acontece na contramão de uma reflexão contundente sobre a violência e as diferentes camadas da desigualdade social, impulsionada por discursos políticos e midiáticos.  

Como se fosse possível dissociar os acontecimentos atuais de toda uma historicidade que se arrasta na desvalorização dos direitos humanos, no desmonte de proteções sociais e na disseminação da indiferença diante da violência, tornando possível encobrir o papel do Estado, das instituições e da própria sociedade nesse processo.  

Certamente, ninguém de bom senso quer viver sob a atmosfera do medo. Querem segurança, paz, tranquilidade. Afinal de contas, essa cultura do medo não só gera insegurança, levando ao isolamento social, às mudanças de hábitos e à adoção de medidas de segurança variadas, como fortalece os discursos autoritários de certos espectros da população.

Acontece que o ponto de partida desse fenômeno se deu pela própria hierarquização das diferenças sociais que propiciaram o surgimento de um clima de violência e desconfiança, acentuado pela ineficiência e a corrupção das instituições públicas, intensificando o problema.

De modo que a exposição constante a notícias sobre violência e crimes, mesmo que não diretamente vivenciados, construiu um imaginário sobre a violência, que, somada à insegurança, promove entre as parcelas mais favorecidas da sociedade uma expansão dos mecanismos de segurança privada, em detrimento da segurança pública.

Enquanto o medo e a insegurança entre as parcelas menos favorecidas, não só não encontra meios de defesa, como diminui a participação popular nos espaços públicos e afeta a construção democrática.

Assim, ao contrário de combater o crime de forma estrutural, o Estado e as instituições se permitem beneficiar da cultura do medo, na medida em que ela tende a enfraquecer a cidadania e legitimar políticas de segurança imediatistas e punitivas que, na verdade, são ineficazes a longo prazo.

Infelizmente, esse foco no punitivismo, secularmente presente no país, apesar de resultar no encarceramento em massa não conseguiu, até aqui, reduzir as causas fundamentais do crime.

Na verdade, o que se vê é uma franca contribuição para a estigmatização de determinados grupos sociais e da segregação urbana, o que aprofunda as desigualdades e pode, paradoxalmente, alimentar a criminalidade em áreas marginalizadas.

Por isso, a exposição contínua a notícias violentas e um clima de terror pode levar os cidadãos a sentir que a situação não tem solução, gerando apatia ou reações emocionais em vez de engajamento em discussões sobre prevenção e justiça restaurativa, como deixam claras as pesquisas.  

O Brasil carece, há décadas, de ações de curto e longo prazo, que incluam o fortalecimento da legislação e das instituições de segurança, a cooperação entre os entes da federação, o combate à lavagem de dinheiro e a repressão às atividades ilícitas; bem como, uma nova perspectiva para o desenvolvimento socioeconômico.

Aliás, esse último ponto é de suma importância. Infelizmente, no Brasil, a aporofobia, ou seja, a aversão e o preconceito contra pessoas pobres, como definido pela filósofa espanhola Adela Cortina, não se resume a perversidade e a crueldade nas relações sociais.

Nas suas entrelinhas existe a consciência de que as camadas mais vulneráveis e desfavorecidas contribuem para uma vasta disponibilidade de mão de obra para as classes dominantes. Então, é daí que emerge a legitimação da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos a essa população.

Entretanto, esse cenário se tornou também importante para o crime organizado. Diante de uma diversidade de atividades que envolvem desde os crimes tradicionais como tráfico de drogas e pessoas, até a infiltração em mercados lícitos como o de combustíveis, ouro, cigarros e bebidas, e atividades financeiras como lavagem de dinheiro e corrupção, eles demandam de farta mão de obra para mover suas engrenagens, a partir da divisão de tarefas.

Assim, ambas as estruturas, a estatal e a criminosa, enfraquecem as instituições democráticas e aumentam a violência e a insegurança, porque se beneficiam da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos às camadas mais frágeis e vulneráveis da população. De modo que esse é o ponto que merece total atenção da sociedade brasileira, nesse momento.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

E o golpismo continua ...


E o golpismo continua ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não dá para dissociar os fatos; pois, como já dizia Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. Por isso, apesar do calor das emoções, a reflexão atual demanda essa consciência para ser bem-sucedida.

Longe de qualquer surpresa, já era de conhecimento público que, mais uma vez na história brasileira, a bandeira da “segurança pública” figuraria com destaque durante a disputa eleitoral de 2026. Pena, que isso tenha ocorrido mediante profunda barbárie.  

Mas, se engana quem pensa que é só no Brasil. Na verdade, como é de costume da ultradireita, com ou sem o apoio dos demais matizes direitistas, a apropriação de pautas flagrantemente polêmicas, como é o caso da criminalidade e do tráfico de drogas e outros ilícitos, tem se disseminado mundo afora, frequentemente associada a uma postura antidemocrática e com risco de erosão das liberdades individuais.

Entretanto, a beligerância da operação policial, que ocorreu, ontem, no Rio de Janeiro, me parece ir além, como uma vertente do golpismo que tenta tomar de assalto o país. Sendo que uma das estratégias utilizadas pela ultradireita é se opor às leis vigentes de maneiras que desafiam os princípios democráticos e do Estado de Direito. De modo que essa oposição tem se manifestado em discursos, estratégias políticas e até em ações que questionam ou deslegitimam a ordem jurídica estabelecida.

Quando o país assiste estarrecido a uma megaoperação policial, como a realizada na cidade do Rio de Janeiro, ontem, e que ainda reverbera a dimensão do seu fracasso civilizatório, essa questão se aflora. Por quê? Vejam, até o momento, as estatísticas oficiais dão conta de 4 policiais e 117 suspeitos mortos, 113 indivíduos foram presos e 118 armas apreendidas.

Acontece que a proibição da pena de morte e de outras penas, tais como a prisão perpétua, é considerada uma cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988. Além disso, o Brasil também é signatário de tratados internacionais que proíbem a pena de morte, ou que reforçam sua inconstitucionalidade em tempos de paz. Portanto, se a criminalidade viola a legislação nacional, a morte de 117 suspeitos também.

Bem, o estopim desses acontecimentos está na oposição da ultradireita, com ou sem o apoio dos demais matizes direitistas, às leis vigentes no país. É só recordar que, em novembro de 2024, governadores de diversos estados brasileiros manifestaram oposição à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública apresentada pelo governo federal, argumentando que ela poderia invadir a competência e a autonomia dos estados na gestão da segurança pública.

Isso acontece porque a ultradireita busca subverter ou manipular as estruturas legais existentes para minar a democracia e consolidar seu poder. Tanto que, foi preciso uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, conhecida como "ADPF das Favelas", para se discutir a política de segurança pública do Rio de Janeiro, buscando a redução da letalidade policial e a garantia de direitos fundamentais nas comunidades.

Embora ela não esteja completamente decidida ou encerrada, em 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou parcialmente um plano do Estado do Rio de Janeiro para reduzir a letalidade policial. A decisão incluiu a adoção de medidas como o uso de câmeras corporais, a preservação de locais de mortes e a investigação de crimes pela Polícia Federal em casos de repercussão internacional; bem como, a criação de um comitê para fiscalizar o cumprimento das medidas.

No entanto, diante dos recentes acontecimentos, parece clara a disposição da ultradireita em afrontar e desafiar o Estado Democrático de Direito. Inclusive, não houve solicitação de apoio do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) antes da execução da referida operação policial, como estabelece uma decisão do STF, em 2020, decorrente da “ADPF das Favelas”.  O objetivo é permitir que o Ministério Público acompanhe e fiscalize as ações.

O curioso é que enquanto o governo federal rebateu críticas sobre falta de apoio, manifestas pelo governador do RJ, que cobrou maior cooperação, a referida proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), apesar de ter sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, em julho desse ano, permanece aguardando para ser avaliada por uma comissão especial antes de ser encaminhado ao Plenário para votação. Como se o assunto não fosse, assim, tão importante!

Enquanto isso, a criminalidade e a segurança pública capturam o centro das atenções, diante da proximidade das eleições de 2026. E a ultradireita, com ou sem o apoio dos demais matizes direitistas, aproveita o momento para extravasar suas pautas punitivistas, as quais incluem projetos de lei que visam aumentar o tempo de prisão para crimes específicos, redução da maioridade penal, restrições a benefícios penais, aumento de prisões, e a criação de novas tipificações penais ou suporte de penas para determinados crimes.

Contudo, o que se comprova, pela enésima vez, com o episódio no RJ, é que o Brasil está diante de um modelo de segurança pública falido, e claramente indica que o foco de atenção deve ser a economia do crime, e não apenas o encarceramento em massa ou o aumento do efetivo policial. Pois medidas punitivistas, nesses pouco mais de 500 anos de história, não deram quaisquer resultados para a segurança pública nacional. Segundo diferentes especialistas no assunto, o país precisa de uma abordagem multifacetada e ajustada à realidade contemporânea, se quiser realmente desarticular as estruturas criminosas.

O que inclui, portanto, o fortalecimento da inteligência e integração entre forças de segurança, o aumento das ações de repressão e apreensão de drogas, o combate à lavagem de dinheiro, a desarticulação do financiamento do crime organizado, o desenvolvimento alternativo em áreas de cultivo, a prevenção ampliada nas escolas e a criação de políticas de redução de danos.

É isso ou continuar enxugando poças de sangue e de ira, por aí! Afinal, como dizia Benjamin Franklin, escritor, cientista e filósofo político estadunidense, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha!”.


terça-feira, 28 de outubro de 2025

A terceira margem ... do Rio


A terceira margem ... do Rio  

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não pude deixar de estabelecer uma conexão com o conto “A terceira margem do rio”, publicado em 1962, no livro Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa.

Afinal de contas, o dia foi marcado pelos dilemas entre a vida e a morte, o concreto e o abstrato, e a busca por um sentido para uma existência que gostaria de transcender a realidade comum, como acontece no texto de Guimarães Rosa.  

É uma pena que, certos veículos de comunicação e de informação nacionais, se coloquem na posição de simplesmente enviesar a questão da criminalidade, no Rio de Janeiro, para o campo da mera divergência político-ideológica.

As facções criminosas no Rio de Janeiro tiveram início na segunda metade dos anos 1970. Assim, entra governo e sai governo, desde então, e a situação parece insolúvel, requentando mais do mesmo, comprometendo a qualidade de vida da população e tornando cada vez mais distante o acesso ao direito fundamental à segurança.

Então, eis que, hoje, uma megaoperação policial foi deflagrada, por iniciativa do Governo do Estado, que contabilizou a morte de 60 criminosos e 4 policiais, sendo considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro.

Para os que pensam que esse é o caminho para erradicar a criminalidade, ledo engano! O terror de hoje já terá sido superado amanhã, dada a dimensão da organização existente nas facções criminosas contemporâneas há tantas décadas.

Acontece que a segurança pública, há muito, deixou de ser um direito social, como previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, para ser transformada em moeda de barganha político-ideológica.

Basta traçar uma linha do tempo para entender a dinâmica desse processo. O surgimento das facções criminosas está associado a uma resposta de sobrevivência ao sistema prisional, de natureza violenta e desumana, no Brasil. Assim, elas ao criarem um sistema de regras próprias dentro dos presídios, passaram a desafiar diretamente o poder do Estado.

Para tal, elas perceberam que organizando-se de forma hierárquica, com líderes, membros e funções específicas, teriam um poder de articulação e execução de atividades ilícitas, muito mais eficiente do que em relação aos indivíduos criminosos isolados.

Nesse cenário, ao longo do tempo, elas alcançaram a consolidação de um poder econômico gerado pelo tráfico de drogas e outros ilícitos, o que lhes permitiu se infiltrar em setores lícitos da economia e influenciar processos políticos e eleitorais para proteger seus interesses.

Haja vista o recente caso de lavagem de dinheiro por uma facção criminosa paulista, por meio de fundos de investimento na Avenida Faria Lima, em São Paulo, revelando a crescente sofisticação do crime organizado e a permeabilidade das instituições financeiras formais, o que expôs a fragilidade das fronteiras sociais e a íntima relação entre o mercado financeiro e as atividades ilícitas no Brasil.

Algo que evidencia o cinismo e a hipocrisia de uma sociedade que tolera a desigualdade social enquanto as elites financeiras e o crime organizado se encontram na mesma avenida. Além disso, a falácia do sucesso por esforço próprio, estereotipado através do "coração financeiro do país”, foi desmistificado quando se expôs que o dinheiro que circula ali pode ter origem criminosa. Afinal, o sucesso de alguns pode estar diretamente ligado à miséria e à violência gerada pelas atividades do crime organizado.

Mas, não para por aí. As recentes descobertas trazem à tona a suspeita de que exista nesse imbróglio o envolvimento de agentes públicos e políticos, permitindo que as facções se perpetuem e se fortaleçam, prejudicando a imagem e a confiança das instituições nacionais.

Portanto, esse é o ponto de reflexão. O interesse pelas facções criminosas se manifesta em múltiplas dimensões, incluindo a financeira, a política e a social. O sucesso de uma facção depende de sua capacidade em manter e expandir sua influência para gerar mais receita.

Desse modo, elas buscam áreas específicas, especialmente em periferias e presídios, para garantir o monopólio de suas operações criminosas e impor sua própria ordem social, conhecida como "estado paralelo"; bem como, utilizam a lavagem de dinheiro, muitas vezes por meio de empresas de fachada para dar uma aparência de legalidade aos seus ganhos ilegais.

Infelizmente, é dessa forma que o crime organizado se infiltrou em grandes setores da economia brasileira e encontrou a possibilidade de influenciar o sistema político e eleitoral, enviando seus representantes aos departamentos de contratos públicos e se aliando a partidos políticos, principalmente em nível local.

Diante disso torna-se óbvio o fato de que a criminalidade é uma manifestação que se autorreproduz, sendo um problema que se perpetua através das gerações e das interações sociais, na medida em que ela ultrapassa limites e desrespeita acordos e normas sociais. Daí ela se tornar um fenômeno complexo e cíclico, onde as causas estruturais e contextuais se entrelaçam e se retroalimentam, tornando-se um grande desafio social e político.

Sobretudo, quando se abstém de analisá-la pela perspectiva de que a segurança pública e o combate à corrupção, no Brasil, são elementos interligados e que não podem ser dissociados, quando se busca uma solução efetiva.

Desse modo, eles precisam de ações que vão desde a repressão criminal e a inteligência policial até as políticas de prevenção, transparência e controle social, com foco na cooperação entre os diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal) e na utilização de tecnologias, tais como inteligência artificial/big data e o aprimoramento da legislação e dos mecanismos de responsabilização.

Feitas essas breves considerações, resta a certeza de que a banalização da criminalidade, como vem se repetindo há décadas, no Brasil, tem permitido que os crimes e atos de violência se tornem corriqueiros e percam o seu impacto humano e social nefasto, sendo tratados como fatos normais do cotidiano.

Acontece que esse processo culmina tanto na criação de um clima de medo quanto na desvalorização dos direitos humanos. E essa atmosfera de violência estabelece uma incomunicabilidade que prejudica a organização social e a busca por soluções coletivas, impedindo os indivíduos de se apropriarem plenamente da sua realidade harmônica, humana e pacífica.  

terça-feira, 21 de outubro de 2025

De olho na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30)


De olho na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30)

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Qual é o sentido da vida, sem considerar a importância do planeta que habitamos? Afinal de contas, está na relação entre os seres vivos e seu entorno, incluindo todos os elementos físicos, químicos e biológicos, o que permite e sustenta a existência da vida na Terra. O que significa que essa reflexão ultrapassa os próprios limites da Ciência, tornando pouco relevante a manifestação do negacionismo de quem quer que seja.  

Ora, o planeta Terra, casa de aproximadamente 8 bilhões de habitantes, em todos os seus aspectos geográficos e biológicos, é o que mantém vivos todos os indivíduos, persistindo e se reproduzindo frente a desafios, impactos e condições adversas. Portanto, algo que vai além da manutenção das necessidades básicas, tais como alimentação, água e abrigo, abrangendo a capacidade de resistência, adaptação, resiliência e continuidade cultural e social dos seres vivos.

Então, se ainda reside algum instinto de sobrevivência à espécie humana é preciso ativá-lo rapidamente. Dia após dia o planeta dá sinais claros de que os conflitos e divergências sobre o uso dos recursos naturais, a forma como diferentes grupos sociais percebem e afetam o meio ambiente, estão afastando a humanidade da sua preservação, sustentável e harmônica.

Simplesmente, porque cada problema ambiental é moldado por fatores sociais, culturais e políticos; por isso, a sustentabilidade ambiental se conecta à sustentabilidade social a fim de garantir que as práticas sustentáveis ​​promovam a justiça social, a inclusão e a redução das desigualdades.

Mas, apesar disso, a falta de monitoramento e avaliação crítica das ações e das práticas sociais por parte dos indivíduos está comprometendo a vida no planeta.  O aquecimento global, causado pela emissão de gases de efeito estufa, vem aumentando, por exemplo, a frequência e a intensidade de eventos como secas, inundações, ondas de calor e tempestades.

Como consequência direta desse fenômeno, a indisponibilidade de água, prejudica a produção de alimentos, causando perdas econômicas e forçando a migração de populações. Além disso, o descarte inadequado de resíduos e o desmatamento tem contribuído para a manipulação do solo, da água e do ar, intensificando os problemas ambientais e climáticos.

É, a Terra não é mais a mesma! Por quê? Porque há um flagrante imediatismo na sociedade contemporânea. Há uma cultura da gratificação instantânea e da aversão ao amanhã, impulsionada pela tecnologia e pelo capitalismo, que hipervaloriza o "agora" em detrimento do passado e do futuro, levando a uma busca por resultados rápidos, à superficialidade e à dificuldade em construir relações e projetos desafiadores. E essa prosperidade constante leva a um esvaziamento da experiência, onde a reflexão e a confiança/credulidade são pseudoprolongadas pela busca constante por novidades.

Haja vista, como o consumismo contemporâneo, enquanto manifestação da sociedade de consumo capitalista, transcende a satisfação de necessidades, para se tornar um estilo de vida baseado na aquisição excessiva de bens, produtos e serviços.

O que nos coloca diante de um ciclo de manipulação de desejos, via publicidade e mídia, que, por sua vez, gera alienação e impactos ambientais devastadores e comprometedores à própria sobrevivência humana.

Se precisamos nos perguntar qual é o sentido da vida, então, é porque chegamos a um nível dramático de desimportância em relação a ela.  Ao que tudo indica, a percepção de falta de sentido e de propósito em uma sociedade cada vez mais focada em produtividade, consumo e padrões estereotipados, consolidou o que se conhece por "vazio existencial".

Milhões de seres humanos passam a ter a nítida sensação de que tudo é substituível ou irrelevante em um mundo que valoriza prioritariamente a fama e o sucesso material, desvalorizando o ser individual em prol de padrões coletivos.

Quem já leu o poema "Eu, Etiqueta" 1, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1984, se depara com os modos desse viver e funcionar da sociedade contemporânea. Como os apelos materialistas são hipervalorizados, influenciando os aspetos mais triviais do dia a dia. Assim, em nome de futilidades e das convenções sociais, limitadas às aparências, o ser humano vai se desligando do seu jeito de ser, da sua alma.

Enquanto isso, o planeta se deteriora. A vida se deteriora. Portanto, algo (ou alguém) precisa resolver esse dilema do "ser" e do "ter", exemplificado pelo sociólogo Erich Fromm, o qual trata do conflito entre a existência focada no desenvolvimento interior, nas habilidades e nas relações (Ser) e a existência voltada para a posse de bens materiais, status e consumo (Ter).

Porque a sociedade contemporânea, influenciada por todo esse movimento essencialmente materialista, impulsionado pelo “ter", apesar da insatisfação, da insegurança e dos conflitos sociais, não consegue discernir entre uma busca por segurança baseada em posses materiais e uma vida que valorize o desenvolvimento pessoal e a qualidade das relações.

Desse modo, é chegada a hora de colocar em prática o equilíbrio sustentável. Buscar efetivamente um estado de existência onde o desenvolvimento social, o crescimento econômico e a preservação ambiental coexistam em harmonia, garantindo as necessidades atuais sem comprometer as futuras gerações.

E para que ele se consolide é essencial a disposição humana em promover uma mudança nas atitudes e na cultura da sociedade a fim de que individual e coletivamente se repense os hábitos de consumo e se produza de forma mais responsável.

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

SOBERANIA SOBRE RIQUEZAS NATURAIS


SOBERANIA SOBRE RIQUEZAS NATURAIS

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada é por acaso. A repentina aproximação dos EUA em relação ao Brasil, após o tarifaço imposto por eles a uma lista diversa de produtos brasileiros, merece atenção. Aliás, como diz o próprio ditado popular "quando a esmola é demais, o santo desconfia". O que, considerando o histórico colonial de exploração brasileiro, já deveria ser espontâneo.

Vamos e convenhamos, em pleno século XXI, as exportações brasileiras são marcadas pela preponderância de produtos primários, como petróleo, soja e minérios de ferro, o que reflete um padrão primário-exportador, com o agronegócio impulsionado pela modernização tecnológica e a indústria extrativa impulsionada pela demanda por commodities.

O que a maioria dos cidadãos brasileiros não consegue perceber ainda é que essa participação de produtos menos complexos e de baixo valor agregado limita o potencial de desenvolvimento econômico nacional. Fato que abre as portas e fortalece o imperialismo econômico, o qual diz respeito ao domínio de uma nação através de controles financeiros, como a exploração de recursos naturais e a busca por novos mercados para mercadorias e investimentos.

E nesse contexto, a riqueza extrativista brasileira contemporânea se manifesta principalmente na extração de minerais (petróleo, ferro, minerais de ferro), o qual é impulsionado pela demanda global e gera lucros significativos. E olhando para a crescente demanda da indústria tecnológica, sabe-se que Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo, um grupo de 17 elementos químicos com alto valor estratégico para a tecnologia moderna, a transição energética e a defesa.

Acontece que a maior reserva é chinesa e a disputa tecnológica entre China e EUA significa uma batalha pelo domínio da hegemonia econômica e tecnológica global nos setores do século XXI, como semicondutores, inteligência artificial (IA), energia limpa e biotecnologia.  E diante desse cenário, uma guerra comercial resultou em um aumento do protecionismo por parte de ambos os países, com a imposição de tarifas e restrições à exportação de produtos estratégicos.

Assim, se tornam evidentes as razões do súbito interesse estadunidense em dialogar diplomaticamente com o Brasil. Vejam, a partir das terras raras, são fabricados produtos tecnológicos essenciais, tais como motores de carros elétricos, turbinas eólicas, componentes para telas de computadores e celulares, mísseis, drones, submarinos, agentes de contraste para exames e marcadores biológicos.

Em tempos em que o termo soberania anda em alta no país, essa retomada dialógica com os EUA pede cautela e reflexão. Afinal de contas, o que parece estar em jogo é a soberania sobre as riquezas minerais; sobretudo, as terras raras - lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, escândio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio. Trata-se do direito que um país tem de controlar, explorar e administrar seus próprios recursos naturais de acordo com suas leis e políticas, promovendo o desenvolvimento nacional e o bem-estar de sua população.

Aliás, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 20, inciso IX, que a União tem a titularidade sobre o subsolo e seus recursos minerais. No entanto, por conta de fatos recentes ocorridos em relação à Petrobrás, a defesa dessa soberania tornou-se motivo de debate em relação às políticas de exploração e venda de ativos, por conta da privatização de setores essenciais que prejudicaram visivelmente o controle nacional sobre suas riquezas, atuando em desfavor do desenvolvimento do país.

Sem contar que, nesses pouco mais de 500 anos de história, as consequências nefastas do colonialismo de exploração no Brasil fizeram com que a estrutura econômica de padrão primário-exportador criasse uma dependência externa, que persiste até hoje. Tanto que as recentes "tarifas" dos EUA, impostas sobre produtos brasileiros, impactaram setores específicos e desencadearam variações no volume de exportações, expondo a vulnerabilidade de uma economia dependente do mercado externo para muitos bens.

A fim de incorrermos nos mesmos erros e equívocos de práxis retrógradas, é chegado o momento de o Brasil defender, com unhas e dentes, a soberania sobre as riquezas naturais, incluindo as suas reservas de “terras raras”. A exploração de recursos minerais não deve sofrer interferências externas que possam comprometer a soberania nacional ou o desenvolvimento independente do país.

De modo que cabe ao Brasil exercer o direito de decidir como, quando e se os recursos naturais serão explorados e comercializados, priorizando os interesses e o desenvolvimento nacional; bem como, respeitando e não prejudicando o meio ambiente dentro e fora da jurisdição nacional.


terça-feira, 14 de outubro de 2025

DOCÊNCIA ... (15 DE OUTUBRO - DIA DO PROFESSOR)


DOCÊNCIA ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Dizia Darcy Ribeiro, antropólogo, educador, escritor e político brasileiro, “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Daí a complexidade que orbita a compreensão em torno dos (des)caminhos que tem trilhado a Educação, no país. Assim, decidi destacar alguns aspectos que considero relevantes para uma reflexão a respeito.

A precarização da docência. Bem, esse não é um fenômeno que se resume ao olhar contemporâneo, pelo simples fato de que a baixa remuneração, a ausência de planos de carreira atraentes, o aumento de contratos temporários e instáveis, a falta de garantias trabalhistas e a desvalorização da formação profissional, ... já figuram, há décadas, no cenário docente nacional.

Acontece que a contemporaneidade expôs o problema a um contexto de hiperdesvalorização social e escassez de recursos, visivelmente agravada pelas reformas neoliberais, pelo crescimento da Educação a Distância (EaD) e pelos modelos de gestão escolar que impõem um controle excessivo sobre o trabalho do professor.

Portanto, a carreira docente perdeu sua reputação social devido ao desgaste e às condições de trabalho precárias, levando à alienação e à desmotivação dos profissionais. Sob esse aspecto é fundamental salientar que a precarização docente e o desrespeito da sociedade estão interligados.

A desvalorização social da profissão se reflete no desprestígio público, que por sua vez pode se manifestar em violência e desrespeito na sala de aula. Infelizmente, a violência contra docentes é um problema grave e que não prejudica só os professores, mas também o ambiente educacional e a liberdade de ensino.

Trata-se de um fenômeno crescente que se apresenta desde agressões físicas e verbais até casos de ameaças e morte, as quais são causadas por fatores sociais, familiares e institucionais. As consequências para os professores incluem sérios danos físicos e emocionais, levando ao esgotamento e problemas de saúde mental; bem como, a desistência da própria carreira docente.

Homeschooling. Hasteada como uma bandeira de viés político-ideológico, a ideia de uma educação domiciliar emergiu como uma prática a desafiar a ideia de que a escola é o único espaço legítimo para a educação, levantando questões sobre o papel do Estado na educação, a autonomia familiar, a socialização, e a formação para a cidadania.

Do ponto de vista docente, muitos especialistas apontam que a prática pode minar a importância do papel do professor na sociedade e o valor da profissão, reforçando a ideia de que o magistério é apenas uma "vocação" ou "dom", e não uma profissão que exige formação e qualificação.

Além disso, o homeschooling reforça o desmonte da educação pública, priorizando uma educação para poucos e desviando a atenção de problemas sociais graves, como a violência doméstica e a evasão escolar, que afetam a vida de crianças e adolescentes, e que precisam de políticas públicas mais eficazes para serem combatidos.

A tecnologização da educação. Ao contrário do que muitos possam pensar, o novo cenário educacional é na maioria das vezes orientado pelas necessidades do mercado e pela pressão por "eficiência", ao invés de considerar as reais necessidades pedagógicas do educador e do próprio processo de aprendizagem.

No entanto, a velocidade das mudanças tecnológicas exige que os professores se atualizem constantemente. E diante da pressão para se adaptar às novas ferramentas, da instabilidade profissional já presente e do aumento da carga de trabalho, o docente não se depara com uma contrapartida que se traduza em melhores condições ou salários, afetando a sua autonomia e a sua qualidade de vida.

Além disso, a desigualdade de acesso à tecnologia e à infraestrutura inadequada pode agravar a precarização, pois nem todos os professores ou escolas dispõem dos mesmos recursos para implementar uma tecnologia de forma eficaz. Especialmente, tendo em vista a questão da Inteligência Artificial (IA) que apesar de representar uma ferramenta poderosa para aprimorar o processo educacional, levanta desafios como a necessidade de integração ética, proteção de dados e garantia de acesso, e a importância de não substituir a interação humana.

Por essas e por outras é que não se pode banalizar o fenômeno da desistência docente, como se fosse um mero abandono, ou renúncia, ou interrupção de algo que estava em andamento. Não. A desistência docente trata de inúmeros fatores que levam ao sentimento de frustração, de desânimo e de exaustão, resultando em um número crescente de professores que consideram abandonar a profissão ou sair dela definitivamente. 

Um desses fatores é justamente a falta de reconhecimento social da docência pelas autoridades. Afinal de contas, a exposição do professor, pelo Estado brasileiro, à falta de valorização econômica e social, às condições de trabalho precárias e à falta de políticas públicas eficazes, sinaliza para a sociedade, como um todo, que o papel do professor é menos importante do que outras profissões, ainda que a função docente seja fundamental para a construção da própria sociedade.

Portanto, a precarização da docência reflete e contribui para a precarização da mão de obra do país. Simplesmente, porque a desvalorização dos professores e das condições de trabalho na educação têm consequências diretas na formação de mão de obra qualificada e comprometida, impactando os diversos níveis do desenvolvimento do país e da qualidade de vida de seus cidadãos.

Segundo Rubem Alves, teólogo, pedagogo, poeta e filósofo brasileiro, “Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver”.

Por isso, “O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram” (Jean Piaget - psicólogo suíço); posto que, “O ideal da educação não é aprender ao máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola”. Mas, para isso são necessários PROFESSORES (AS)!!!