quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Sem redução de pena para golpistas!


Sem redução de pena para golpistas!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É reconfortante saber que um sopro de decoro varreu o Senado da República e enterrou, de vez, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 3, de 2021, conhecida como PEC da Blindagem, que buscava um escudo constitucional para proteger parlamentares de processos criminais.

No entanto, na Câmara dos Deputados o assunto não arrefeceu. A desfaçatez parece pujante ao ter quem defenda a PEC da Anistia, a partir de uma redução das penas impostas aos condenados pelo judiciário nacional. Acontece que essa sugestão, também, busca blindar criminosos.

Depois de tudo o que o país assistiu no 08 de janeiro de 2023 e possibilitou trazer à tona, com todos os requintes de detalhes, sobre a trama golpista desenhada nos silêncios palacianos de Brasília, é imoral se cogitar qualquer proposta de redução de pena.

Ora, foi estruturada uma organização criminosa armada no país, que se dedicou, inclusive, a planejar a morte dos recém-eleitos Presidente e Vice-Presidente da República e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em mais uma tentativa, dentre tantas planejadas, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.  Que trabalhou, real e virtualmente, a sua massa popular de apoio, a fim de realizar dano qualificado contra o Patrimônio da União, agravado pela selvageria flagrante que resultou em uma profunda deterioração de patrimônio tombado.  

Então, é assim? A Câmara dos Deputados pretende abrir esse tipo de precedente jurídico? Sim, porque uma decisão judicial anterior sobre um caso específico, servirá como exemplo ou diretriz para casos futuros semelhantes, influenciando o julgamento de outros processos. Um precedente com esse viés tem poder de estabelecer um entendimento, seja de efeito vinculante (obrigatório) ou persuasivo (orientador).

Se os nobre deputados (as) não se deram conta, ainda, é exatamente isso que irá acontecer. Antes do que possam imaginar, qualquer criminoso, nesse país, vai querer ser anistiado ou, quem sabe, ter a sua pena reduzida, independentemente de qual crime tenha sido considerado culpado.

Sim, porque eles não irão se ater ao fato da decisão se referir a esse ou a aquele tipo de crime. Se alguém abriu um precedente jurisprudencial, agora, poderá abrir outro se for o caso.

Ora, se um crime gravíssimo cometido contra a Democracia e o Estado de Direito, ou seja, o próprio país, é tratado com tanta condescendência, tanta tolerância, tanta flexibilidade, tanta benevolência, então, qualquer crime pode ser analisado da mesma forma. Será uma festa nos presídios superlotados do país!   

Além disso, fosse esse precedente desconsiderado para o estabelecimento de entendimento em outras situações, logo, se transformaria em um pandemônio, pela observância de alguém que se lembrasse do que fala a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 5º, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, estabelecendo o princípio da igualdade para os brasileiros e estrangeiros residentes no país.

Veja, quando um réu é julgado e condenado, com base nas leis em vigência, no Brasil, a dosimetria da pena define a punição exata a ser aplicada, levando em conta as circunstâncias do crime e do réu, as agravantes e atenuantes, e as causas de aumento e diminuição.

Daí o juiz fundamentar sua decisão por meio desse sistema trifásico descrito no Código Penal, o qual busca garantir a proporcionalidade da sanção e o equilíbrio entre a reprovabilidade da conduta e a individualização da pena.

Por isso, a justiça brasileira segue esse sistema de cálculo, para chegar a uma pena justa e proporcional, sempre contando com a observância do (s) advogado(s) do (s) réu (s) para garantir que as etapas da dosimetria sejam corretamente seguidas.

O que em caso de discordância do advogado é possível o ingresso de recursos, tais como o embargo de declaração ou, em última instância, uma apelação criminal perante tribunais superiores, buscando a reforma da sentença se o cálculo for considerado erro técnico ou ilegal.

Portanto, qual é a razão para que o relator do projeto que trata de anistia ou de redução de penas dos condenados por tentativa de golpe de Estado, na Câmara dos Deputados, permaneça empenhado em aprovar essa pauta, o mais rápido possível?

Se a própria Constituição afirma que crimes inafiançáveis e imprescritíveis não podem ser perdoados e que a ação de grupos armados contra o Estado é inafiançável e imprescritível, o projeto de anistia é inconstitucional.

Assim, considerando a gravidade da ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, não é razoável, sequer, cogitar a possibilidade de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita reduzir as penas dos condenados. Não nos esqueçamos de que o povo brasileiro foi às ruas, no último domingo, e disse NÃO PARA A IMPUNIDADE.


terça-feira, 23 de setembro de 2025

Aos que ainda não entenderam ou se recusam entender ...


Aos que ainda não entenderam ou se recusam entender ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sei que há muita gente, por aí, que ainda não compreendeu as razões de o Brasil reafirmar a importância da soberania, da democracia, do Estado de Direito, da independência. Bem, ocorre que ele, enquanto uma ex-colônia de exploração, durante o período entre 1530 e 1822, construiu uma autoridade e um embasamento para falar sobre esses assuntos, porque experenciou direta e profundamente as consequências da sua invisibilização identitária.

As consequências sociais da colonização de exploração incluíram a desigualdade social e racial, a perda de identidade cultural, a imposição de costumes estrangeiros, a violência física, o extermínio de populações nativas por doenças e conflitos, a destruição de economias e culturas locais, e a formação de uma sociedade com estruturas de poder desiguais.

E mesmo após a Proclamação da República, em 1889, o Brasil permaneceu padecendo de um estereótipo de subalternização, diante do mundo, relegado a uma marginalização e a um silenciamento, resultando na sua exclusão e na negação da sua voz e protagonismo, dentro e fora de suas fronteiras.

Afinal, as antigas metrópoles coloniais transformaram-se, em grande parte, nas potências mundiais atuais, utilizando a riqueza gerada pela exploração colonial para desenvolver as suas economias e infraestruturas, e, após a descolonização, mantiveram relações de influência econômica e política com as antigas colônias.  

No entanto, já era de se esperar que, dadas as voltas e rodopios da história, em algum momento, esse cenário sofreria uma transformação. A força das conjunturas é sempre implacável! De modo que à revelia do Imperialismo, que deu continuidade à política de expansão territorial, econômica e cultural das ex-Metrópoles sobre as ex-Colônias, buscando ampliar seu poder e influência sobre povos e territórios, houve uma apropriação e uma valorização das experiências sociais, legitimando uma consciência sobre os altos e baixos da sua própria historicidade.

Ainda que a duras penas, expoentes da identidade nacional passaram a exercer um importante papel na valorização e no orgulho da cultura e da capacidade nacional.  O que incluiu, também, indivíduos do campo político-partidário progressista. Ora, sem essa base ideológica empenhada em acelerar as transformações que pudessem corrigir as injustiças históricas nacionais, adaptando o país às novas realidades, nada disso seria possível.

Pois, se dependesse da ala conservadora nacional, representada por membros, simpatizantes e apoiadores do espectro político de Direita, tudo teria permanecido dentro de um protocolo padrão de preservação das instituições, da religião cristã, dos direitos de propriedade, e da hierarquia social, a fim de garantir a estabilidade e a continuidade do status quo inicial.  

Por sorte, o Brasil tem feito prosperar esse novo viés ideológico, o qual consegue reconhecer e promover as suas habilidades, os seus recursos e as suas potencialidades, seja no âmbito econômico, social, cultural ou tecnológico. O que significa um salto gigantesco para o fortalecimento da autonomia e do desenvolvimento, tanto nacional quanto internacionalmente, o que garante um espaço, cada vez maior e significativo, para a discussão e o fortalecimento do conceito de soberania e de identidade coletiva.

É possível, então, afirmar que a sociedade global contemporânea tem tido a oportunidade de assistir à evolução dessa jornada brasileira, mesmo diante de sucessivas tormentas. O que oferece, inclusive, maior credibilidade aos resultados conquistados. Razão pela qual, se pode entender como essa apropriação de protagonismo tem conseguido alçá-lo ao patamar de potência emergente, de ator com crescente importância no cenário internacional, devido a sua "identidade híbrida"; pois, navega por múltiplas identidades culturais, sociais e/ou étnicas simultaneamente, moldando um senso de si que mescla elementos de diferentes origens, tornando-o mediador entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Em suma, o que o Brasil está vivenciando; sobretudo, nos últimos três anos, é uma humanização social. Uma busca cada vez mais intensa e obstinada, que envolve o desenvolvimento ético, o respeito à dignidade humana, a valorização das relações interpessoais, a tecitura dialógica, a defesa inabalável da identidade nacional e a construção de um ambiente mais empático e colaborativo, seja dentro ou fora de suas fronteiras. É assim, que o Brasil vem promovendo a sua autonomia e o seu protagonismo, reconhecendo, diariamente, a inegociabilidade dos seus princípios mais essenciais.


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Anistia dosimétrica???


Anistia dosimétrica???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos imaginar uma situação hipotética do cotidiano. A criança pega escondido o cartão de crédito da mãe e gasta milhares de reais em joguinhos. A fatura do cartão chega em casa e a mãe se descontrola diante do valor elevadíssimo. Em razão da gravidade da situação, ela decide impor um castigo ao filho.

Ele não poderia sair de casa, para brincar com os amigos da escola, por seis meses, que seria, segundo ela, o tempo necessário para a família reequilibrar as finanças. Além disso, o garoto teria o celular bloqueado e a mesada cortada, pelo mesmo período.

Acontece que o pai, ao saber do fato, considerou que a mãe foi severa demais. Que o ocorrido era parte das costumeiras travessuras do garoto e, portanto, a punição poderia ser reavaliada e reduzida. Para o pai, bastava que o garoto não pudesse sair de casa, por um mês.

Portanto, ele aplicou uma anistia dosimétrica, ou seja, um perdão com base no cálculo feito mediante as circunstâncias da travessura; bem como, considerando agravantes e atenuantes do comportamento do garoto.

Sem aprofundar em todas as camadas de análise existentes nesse exemplo, ainda assim, é possível perceber que a atitude do pai abre uma possibilidade, um precedente, para que o garoto reincida no seu comportamento travesso, na medida em que ela foi atenuada e flexibilizada.

Ora, como explica a própria física, através da 3ª Lei de Newton, para toda ação existe uma reação de igual intensidade e no sentido oposto. De modo que a aplicação de uma punição deve acontecer pautada pelos mesmos princípios, ou seja, ela deve ser entendida como um mecanismo social que visa regular de maneira proporcional o comportamento e a culpabilidade.

Afinal de contas, a punição molda a conduta social e os significados dentro de um coletivo humano. Punições desalinhadas ao perfil da má conduta cometida acabam por criar, inevitavelmente, uma ideia de permissividade, que não só tolera ou permite comportamentos tradicionalmente antiéticos e imorais, como apontam para uma total não aderência às regras sociais convencionais.

Infelizmente, é exatamente uma anistia dosimétrica que um grupo de parlamentares brasileiros tenta emplacar em relação aos condenados pela tentativa recente de Golpe de Estado, no país. Como se os crimes apontados, os quais incluem a construção de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União, e/ou deterioração de patrimônio tombado, pudessem ser minimizados, contemporizados, e/ou abrandados.

Essa tal anistia dosimétrica parece se esquecer, também, o vultoso montante de dinheiro público que esteve envolvido nessa trama golpista. O próprio conjunto probatório da ação penal demonstra esse aspecto, com bastante clareza. Sem contar que o Brasil já teve a prova cabal dos efeitos negativos que suas anistias anteriores trouxeram ao país.

Bem, essa ideia de perdão concedido pelo Estado às pessoas que cometeram determinados crimes, extinguindo a punibilidade, é totalmente fracassada.  É preciso compreender que por trás dos crime políticos existe uma motivação, um fator interno, uma razão, que move alguém, individualmente ou coletivamente, a agir.

De modo que, tais crenças, convicções, princípios, não desaparecem em um piscar de olhos, ainda que diante de uma proposta de anistia. Trata-se de algo muito profundo, de certa forma, arraigado no inconsciente coletivo, ao longo do tempo.

Daí essa motivação poder ser silenciada momentaneamente; mas, ela não deixa de existir e ao menor sinal de oportunidade, ela pode sim, emergir com todo o seu ímpeto. Por isso, é tão rasa e ingênua a ideia de que uma proposta de anistia, seja ela qual for, é suficiente para construir uma prevenção ou, quem sabe, uma reabilitação, do ponto de vista ideológico- comportamental.

Não se pode negar que nos bastidores dos crimes contra a Democracia, o Estado de Direito, às instituições, à cidadania, existem interesses e poderes considerados, por uns e outros, inegociáveis e inflexíveis. Ora, está nesses interesses e poderes a chama vital que nutre o ideário golpista!

De modo que ele pode arrefecer; mas, ele não desaparece, ele não se extingue. O que significa que a possibilidade de anistia, seja ela qual for, é um impulso motivacional para fortalecer o golpismo. Razão pela qual, o cidadão não pode considerar normal anistiar pessoas que cometeram crimes gravosos contra o país, nem tampouco, apoiar esse tipo de proposta de atenuação de pena.

Assim, não se esqueça de que o Brasil vive um momento crucial para compreender que “Se você não desenvolver uma cultura democrática constante e viva, capaz de cobrar os candidatos, eles não farão as coisas pelas quais você votou. Apertar um botão e logo ir embora para sua casa não vai mudar as coisas” (Avram Noam Chomsky - linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo e ativista político estadunidense).


sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A traição não escolhe identidade


A traição não escolhe identidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Diante de uma realidade que vem permitindo, a cada dia mais, a separação entre o joio e o trigo da política nacional, é preciso refletir sobre o significado da traição.

Ver a Direita e seus matizes, liderando o motim congressista em favor de uma anistia, aos condenados pela recente tentativa de Golpe de Estado, e à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da “Blindagem”, de certa forma, não surpreende.

Mas, descobrir que dentro do próprio partido do Presidente da República há simpatizantes dessas pautas, a tal ponto de votarem a favor delas, é vexatório, para dizer o mínimo.

A grande verdade é que essa atitude pode ser resumida em uma única palavra: TRAIÇÃO. Primeiro, esses indivíduos romperam um contrato ou acordo social, com as crenças, princípios, valores e convicções, que os levaram a representar uma dada parcela do eleitorado brasileiro. Depois, com a sua sigla partidária. E, por último, com o Presidente da República.

De modo que essa traição não só é complexa, como envolve sentimentos de perplexidade, de indignação, de desconfiança, e porque não dizer, de um certo luto social.

Sim, a confiança, que era o pilar de sustentação de um acordo político, foi quebrada e fez emergir uma importante desestabilização nas relações em torno do poder.  

As máscaras foram ao chão. O comportamento fundamentado pela desonestidade e pela falta de ética criou um abismo irreversível. Algo que traz à lembrança a literatura Shakespeariana.

William Shakespeare, poeta, dramaturgo e ator inglês, explorou em suas obras a traição política, como poucos. Ele refletiu sobre as dinâmicas de poder, a corrupção e a fragilidade da moralidade, mostrando como a busca pelo poder absoluto pode levar à usurpação e ao caos social.

A ânsia de poder foi mostrada como um motor fundamental das tramas, levando personagens a trair seus pares e seus compromissos, considerando que as alianças políticas tendem a ser frágeis e transitórias, de modo que a lealdade pode ser rapidamente quebrada quando o interesse pessoal se sobrepõe.

Sendo assim, a traição, na perspectiva político-partidária representativa, em qualquer tempo, não se resume a um ato individual.

Pelo contrário, ela se expande enquanto um fenômeno social que perturba a ordem, a confiança e a coesão social, gerando consequências importantes para os envolvidos e para a própria dinâmica das relações humanas.

Pois, a aura de incerteza que passa a pesar sobre aquele coletivo social é tecida pelo medo, pela insegurança, pela desconfiança, como se a traição pudesse se repetir e se perpetuar como um modus operandi padrão.

Isso acontece porque, segundo Nicolau Maquiavel, escritor, político, diplomata, historiador e pensador italiano, “Não se pode chamar de valor assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória”.

Assim, do mesmo modo que o Presidente da República cobrou, recentemente, dos partidos aliados um posicionamento em relação ao compromisso assumido, enquanto frente ampla, durante a campanha eleitoral; agora, é a vez de cobrar engajamento, lealdade e comprometimento dos filiados ao seu próprio partido. Nada de dois pesos e duas medidas!

Dizia Eleanor Roosevelt, esposa do ex-presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, “Se alguém trai você uma vez, a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”. Por isso, diante de tempos tão conturbados, tensos, aflitivos, torna-se imperioso saber qual o posicionamento desses indivíduos dentro do governo.

Afinal, eles ocupam um lugar, um status específico, nessa ordem social, o qual lhes confere direitos e poderes que precisam e devem ser respeitados.

 


Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina


Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É certo que os ventos da mudança sopram, nesse exato momento, sobre o mundo. Contudo, velhas práxis insistem em permanecer vigorando. Vamos e convenhamos, nesse sentido, a história brasileira tem mais motivos para chorar do que para rir.

Um deles diz respeito, exatamente, a política feita na surdina, de forma dissimulada, secreta, furtiva ou sem alarde, sem que o público, a grande massa da população, saiba o que está acontecendo ou possa dar a sua opinião.

Não se engane, caro (a) leitor (a)! Os absurdos, os vexames, a desfaçatez, não se concentram apenas nas figuras de certas alas político-partidárias que compõem o Congresso Nacional. Dentro e fora de Brasília, a capital federal, há milhares de apoiadores, de simpatizantes, de financiadores e de mentores, do ideário direitista brasileiro, remanescente daquele nutrido pelas elites dominantes, nos tempos coloniais.

Portanto, historicamente, o predomínio de oligarquias, ou seja, estruturas sociais cuja elite dirigente emana das classes dominantes tradicionais, representada pelos grandes comerciantes e grandes proprietários de terras, e cujo monopólio do poder político serve exclusivamente para o enriquecimento dos membros de sua própria classe.

E esse entendimento é fundamental diante das profundas tensões em que vive o Brasil. Apesar de muitos acontecimentos estarem ocorrendo diante dos olhos do país, tais como os julgamentos relativos à tentativa de golpe de Estado de 2023, pelo supremo Tribunal Federal (STF); a ocupação do Congresso Nacional pela Direita e seus matizes, na retomada dos trabalhos em agosto desse ano; a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21, que amplia o foro privilegiado, restringe processos criminais contra parlamentares e acrescenta voto secreto às decisões, pela Câmara dos Deputados; a aprovação da urgência para votação de anistia, que busca beneficiar os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando extremistas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Contudo, há muita coisa transitando na surdina. Aliás, todas as vezes em que a Direita nacional e seus matizes, se veem em situação de ameaça ou desconforto, o nome escolhido para encontrar uma “solução” tem sido sempre o do ex-presidente do Brasil, entre 2016 e 2019.

Pois é, apesar de estar agindo com o mínimo de ruído ou visibilidade possível, já consta na imprensa nacional a sua ladainha condescendente. Mais uma vez, ele vem minimizando a tentativa de golpe, que está sendo julgada pelo STF, além de defender uma ideia de anistia, em que sejam reduzidas as penas dos condenados a fim de “pacificar o país”.  

Só para recapitular, o Brasil já teve 48 anistias aprovadas desde a Independência, em 7 de setembro de 1822. A mais recente ocorreu em 1979, quando o país aprovou uma anistia ampla, geral e irrestrita, em relação aos envolvidos, vítimas e algozes, nos chamados Anos de Chumbo, entre 1964 e 1985.

De modo que é preciso perguntar: houve pacificação? Após os conflitos, a anistia conseguiu, de fato, restaurar a harmonia e a ordem social, trazendo à tona uma sociedade mais justa e pacífica, através do diálogo, da justiça social e da cultura de paz, como também uma realidade unificada sem a dominação de um grupo sobre outro?

Não. Tanto que o Brasil está diante de flagrantes e profundas tensões políticas, em pleno século XXI, por conta de uma nova tentativa golpista.

O que uns e outros ousam chamar de pacificação pela anistia, na verdade, não passou de um processo de atenuação, no sentido de reduzir, suavizar ou diminuir a intensidade, a força ou o impacto de algo que afetou a sociedade, de maneira perversa, cruel e brutal, nas diferentes camadas das suas relações sociais.

Portanto, tudo não passou de um remendo diplomático para tornar a proposta mais aceitável, mais palatável; sobretudo, às linhas dissidentes que se mantinham ligadas e alinhadas ao regime militar e ao ideário político-partidário da Direita nacional. Tanto que a tentativa de golpe de Estado de 2023 não deixa dúvidas a respeito!

Daí a necessidade da vigilância, da atenção. Sobre os céus brasileiros voam aves de rapina, personificadas por figuras que não medem esforços para atingir seus objetivos. Que são ambiciosas e, por vezes, implacáveis para conseguir o que querem, o que desejam.

E elas, definitivamente, não querem um país livre, justo e solidário. Não querem Democracia. Não querem Estado de Direito. Querem que tudo permaneça na mesma, sem alteração, segundo suas vontades. Querem suas regalias, seus privilégios, seus poderes.

Então, para garantir que esse momento de total ineditismo histórico, quando o Brasil começa a reparar os absurdos, as traições, as vergonhas, seja de fato consolidado, que cada cidadão consciente da sua identidade nacional proclame bem alto o seu NÃO.  

NÃO À ANISTIA. NÃO À PEC DA BLINDAGEM. NÃO AOS DESMANDOS DO CONGRESSO NACIONAL. NÃO AO RETROCESSO DA DIREITA E SEUS MATIZES; SOBRETUDO, OS MAIS RADICAIS E EXTREMISTAS.


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Vida. Arte. História. ...


Vida. Arte. História. ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo Oscar Wilde, escritor e poeta irlandês, “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida...”. De qualquer modo, diante da aprovação da PEC da Blindagem, pela Câmara dos Deputados, não pude deixar de lembrar a cena final do filme Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro, de 2010 1 e a frase que ficou famosa: “O sistema é f***a”, porque “O sistema dá a mão pra salvar o braço”.

Depois de todo o vira-latismo manifesto por diversos representantes da ala político-partidária de Direita, agora, é a vez de se absterem do decoro, de maneira absoluta. Os pseudotiranos da Câmara dos Deputados bradam em alto e bom tom seus pseudopoderes ilimitados e a sua indisposição em se submeter às leis ou à constituição.

Bem, mas isso é só espuma! A gota d’água, que ainda está submersa nesse pântano de vergonha, diz respeito ao fato de que eles (as) não pretendem votar o Projeto da isenção do Imposto de Renda, a PEC que acaba com a escala de trabalho 6x1 e quaisquer outros assuntos que sejam de real interesse da população brasileira.  Estão entrincheirados para lutar, com todas as suas forças, apoios e simpatias, contra as demandas históricas do país.

Dentro de cada um desses deputados pulsa o ranço dos tempos em que tudo o que representava riqueza e prestígio alicerçava o poder de uma elite dominante. Haja vista o sistema político-social, vigente durante a República Velha, o coronelismo.  

Grandes proprietários de terras, os "coronéis", que controlavam a política local por meio da troca de favores (clientelismo) e da coerção violenta (como o "voto de cabresto"). O coronel atuava como um intermediário de poder, negociando com as elites políticas e garantindo votos de seus pseudoeleitores em troca de benefícios, como trabalho e proteção.

Portanto, as décadas se sucedem; mas, as velhas práxis parecem persistir na sua resistência tóxica e deletéria, em relação ao progresso e ao desenvolvimento nacional.  Isso acontece, porque esse secular arranjo social silenciou a expressão do exercício da cidadania.

De modo que esse exercício foi basicamente reduzido ao voto, quando, na verdade, ele demanda uma participação ativa dos indivíduos na sociedade, exercendo seus direitos e cumprindo seus deveres cívicos, políticos e sociais, a fim de se alcançar o desenvolvimento coletivo e a garantia de bem-estar para todos os cidadãos.

Acontece que essa visão limitada e centrada na escolha representativa, legitima a construção de uma representatividade político-partidária equivocada e distorcida. Composta por indivíduos, em sua maioria, pertencentes ao ideário político alinhado historicamente à Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Os quais, como se vê, estão dispostos a subverter o próprio processo que os levou ao poder, para continuar garantindo seu quinhão de regalias, de privilégios e de poderes.

Como tão bem explicou Mario Sergio Cortella, filósofo, escritor e professor brasileiro, “Ética é o conjunto de valores e princípios que nós usamos para decidir as três grandes questões da vida: ‘Quero?’, ‘Devo?’, ‘Posso?’. Tem coisa que eu quero mas não devo, tem coisa que eu devo mas não posso e tem coisa que eu posso mas não quero”. E isso é importante, porque “Agir conforme aquilo que se fala, alinhar discurso e prática, além de ser uma postura ética, é um sinal de autenticidade”; mas, principalmente, de confiabilidade, de credibilidade.

Assim, temos que admitir, o grande problema da sociedade brasileira foram os excessivos precedentes abertos ao longo da sua historicidade, mesmo diante de claras evidências de corrosão ética. Tivesse o país tomado as medidas cabíveis a cada problema emergido, os absurdos, os vexames, os desvios psicocomportamentais não teriam prosperado.

É por conta dessa normalização, dessa trivialização, expressa pela condescendência abjeta, a transigência despudorada, a fraqueza humilhante, que uns e outros passaram a se considerar acima do Bem e do Mal. Nesse sentido, como dizia José Saramago, dramaturgo, poeta, escritor português e Prêmio Nobel da Literatura, em 1988, “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada”.