Uma análise
além das pesquisas
Por Alessandra
Leles Rocha
Vamos e convenhamos, fazer
qualquer pesquisa de opinião, no calor das emoções, configura, no mínimo,
oportunismo. Sobretudo, quando o assunto trata da extrema barbárie. Por isso,
não surpreende que as recentes pesquisas em torno da megaoperação policial
realizada no Rio de Janeiro, que vitimou 121 pessoas, sendo 117 suspeitos e 4
policiais, revelem uma aprovação popular quase maciça.
Só posso dizer que é preciso “colocar
a bola no chão” e pensar. Não há como negar que esses são tempos de profundo
imediatismo social. Daqui e dali o que se vê circulando na sociedade é uma mentalidade
voltada para o agora, com pouca (ou nenhuma) paciência para o passado ou qualquer
preocupação com o futuro.
Não importa se o assunto é
simples ou complexo, grave ou desimportante, a pressão por respostas e
resultados imediatos, afetando a atenção, as relações sociais e o planejamento
a longo prazo, é flagrante.
E contando com esse
comportamento, é que determinados segmentos sociais, imbuídos de algum poder,
se valem para alcançar os seus propósitos.
Infelizmente, a legitimação da
barbárie acontece na contramão de uma reflexão contundente sobre a violência e as
diferentes camadas da desigualdade social, impulsionada por discursos políticos
e midiáticos.
Como se fosse possível dissociar
os acontecimentos atuais de toda uma historicidade que se arrasta na
desvalorização dos direitos humanos, no desmonte de proteções sociais e na
disseminação da indiferença diante da violência, tornando possível encobrir o
papel do Estado, das instituições e da própria sociedade nesse processo.
Certamente, ninguém de bom senso
quer viver sob a atmosfera do medo. Querem segurança, paz, tranquilidade. Afinal
de contas, essa cultura do medo não só gera insegurança, levando ao isolamento
social, às mudanças de hábitos e à adoção de medidas de segurança variadas, como
fortalece os discursos autoritários de certos espectros da população.
Acontece que o ponto de partida
desse fenômeno se deu pela própria hierarquização das diferenças sociais que
propiciaram o surgimento de um clima de violência e desconfiança, acentuado
pela ineficiência e a corrupção das instituições públicas, intensificando o
problema.
De modo que a exposição constante
a notícias sobre violência e crimes, mesmo que não diretamente vivenciados, construiu
um imaginário sobre a violência, que, somada à insegurança, promove entre as
parcelas mais favorecidas da sociedade uma expansão dos mecanismos de segurança
privada, em detrimento da segurança pública.
Enquanto o medo e a insegurança entre
as parcelas menos favorecidas, não só não encontra meios de defesa, como diminui
a participação popular nos espaços públicos e afeta a construção democrática.
Assim, ao contrário de combater o
crime de forma estrutural, o Estado e as instituições se permitem beneficiar da
cultura do medo, na medida em que ela tende a enfraquecer a cidadania e
legitimar políticas de segurança imediatistas e punitivas que, na verdade, são
ineficazes a longo prazo.
Infelizmente, esse foco no
punitivismo, secularmente presente no país, apesar de resultar no
encarceramento em massa não conseguiu, até aqui, reduzir as causas fundamentais
do crime.
Na verdade, o que se vê é uma franca
contribuição para a estigmatização de determinados grupos sociais e da
segregação urbana, o que aprofunda as desigualdades e pode, paradoxalmente,
alimentar a criminalidade em áreas marginalizadas.
Por isso, a exposição contínua a
notícias violentas e um clima de terror pode levar os cidadãos a sentir que a
situação não tem solução, gerando apatia ou reações emocionais em vez de
engajamento em discussões sobre prevenção e justiça restaurativa, como deixam
claras as pesquisas.
O Brasil carece, há décadas, de ações
de curto e longo prazo, que incluam o fortalecimento da legislação e das
instituições de segurança, a cooperação entre os entes da federação, o combate
à lavagem de dinheiro e a repressão às atividades ilícitas; bem como, uma nova
perspectiva para o desenvolvimento socioeconômico.
Aliás, esse último ponto é de
suma importância. Infelizmente, no Brasil, a aporofobia, ou seja, a aversão e o
preconceito contra pessoas pobres, como definido pela filósofa espanhola Adela
Cortina, não se resume a perversidade e a crueldade nas relações sociais.
Nas suas entrelinhas existe a consciência
de que as camadas mais vulneráveis e desfavorecidas contribuem para uma vasta disponibilidade
de mão de obra para as classes dominantes. Então, é daí que emerge a legitimação
da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos a essa
população.
Entretanto, esse cenário se
tornou também importante para o crime organizado. Diante de uma diversidade de
atividades que envolvem desde os crimes tradicionais como tráfico de drogas e
pessoas, até a infiltração em mercados lícitos como o de combustíveis, ouro,
cigarros e bebidas, e atividades financeiras como lavagem de dinheiro e
corrupção, eles demandam de farta mão de obra para mover suas engrenagens, a
partir da divisão de tarefas.
Assim, ambas as estruturas, a estatal e a criminosa, enfraquecem as instituições democráticas e aumentam a violência e a insegurança, porque se beneficiam da exclusão social, da precarização do trabalho e da negação de direitos às camadas mais frágeis e vulneráveis da população. De modo que esse é o ponto que merece total atenção da sociedade brasileira, nesse momento.






