sábado, 21 de dezembro de 2024

Reflexões sobre o avesso do sentimento humano


Reflexões sobre o avesso do sentimento humano

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Disposta a tentar compreender o ódio que se espalha pelo mundo, não pude deixar de observar como o poder se distribuiu entre duas formas. Bem, há os que, de fato, detêm o poder. A ínfima minoria que ocupa o ápice da pirâmide social.

No entanto, há uma legião, distribuída pelas demais camadas da pirâmide, que padece da chamada Síndrome do Pequeno Poder. Essas pessoas, então, assumem um comportamento autoritário e/ou opressivo, quando ocupam algum espaço de importância ou de destaque social.

Independentemente do grupo, está na questão do poder o foco de análise. Afinal, a historicidade humana se constituiu a partir dele. Ter e exercer o poder estabelece uma aura de distinção social extremamente cobiçada. Pelo menos em tese.

Porque esse suposto “passaporte para a felicidade”, que resolve todos os problemas, que abre todas as portas, que satisfaz todos os desejos, que influencia de diversas maneiras, dá sinais, na contemporaneidade, de ter exaurido a sua força.

Ainda que muitos aspirem por essa dádiva, o poder já não surte um efeito extasiante pleno. Infelizmente, vivemos uma realidade em que o ser humano parece, cada vez mais, incapaz de lidar com suas frustrações. Há um fastio pairando sobre a população, que não a permite se satisfazer e manifestar os melhores sentimentos e emoções.

O resultado disso tem sido a exacerbação do ódio e de outros sentimentos correlatos, tais como a antipatia, a aversão, a cólera, a covardia, o desconforto, a fúria, a impaciência, a ira, o nojo, a raiva, a repulsa, na maioria das vezes, expressos por indivíduos pertencentes a um ou ao outro grupo que detém algum tipo de poder.

Isso nos leva a pensar que o poder não supre os indivíduos. O fato de viverem uma condição social de destaque, sob diferentes aspectos, não preenche mais as suas lacunas existenciais. De modo que elas padecem de uma constante inquietação, desassossego, desapontamento, desgosto e/ou insatisfação.

E como não sabem lidar com esses sentimentos, elas promovem uma transferência para o outro. Ele se torna, então, o objeto do seu ódio e passam a sofrer todo tipo de ataques, desqualificações e violências.

Entretanto, é importante ressaltar que, esse outro, não é um de seus pares diretos. A escolha recai, quase sempre, sobre alguém que ele considera em posição de desvantagem social.  Muitas vezes, algum membro das minorias.

O que explica a presença marcante da aporofobia, da xenofobia, do racismo, da misoginia, do etarismo, ... como mecanismo de legitimação do ódio ou de quaisquer outros sentimentos correlatos a ele.

De modo que ao ser disseminado na sociedade contemporânea, o ódio ultrapassa as fronteiras das polarizações ideológicas. Por trás desse tipo de estopim social, me parece muito mais plausível a análise a respeito dos desalinhos e desvios comportamentais dos indivíduos, ou seja, a má resolução existencial de uns e outros, por aí.

Afinal, como dizia Carl Gustav Jung, “Tudo o que nos irrita nos outros pode no levar a uma melhor compreensão de nós mesmos”. Nesse sentido, considerando o tripé - individualismo, narcisismo e egoísmo - vigente na contemporaneidade, não é de se espantar que a semente do ódio emerja de uma construção social idealizada.

Como se o indivíduo quisesse exercer o pleno poder decisório sobre como deve ser o mundo em que ele habita. Assim, ele não precisaria lidar com seu próprio reflexo, através do outro. Porém, isso é impossível. Aí o ódio explode. De diferentes formas. Em diferentes situações. Com diferentes pessoas.

O que a maioria não se dá conta é de que ao expressar avassaladoramente o seu ódio, revela-se ao mundo o tamanho de uma incompletude existencial, que parecia não existir, em razão do lustro garantido pelo poder apropriado. Quem diria?! Além do ódio trazer à tona a real dimensão do ser humano, há uma franca demonstração da insuficiência do poder, seja ele de que natureza for.

Desse modo, semeando o ódio daqui e dali, vamos percebendo o encolhimento ético e moral da humanidade, com milhares de seres pequenos, mesquinhos, infelizes, revoltados, ... atormentados em sua própria condição humana. Afinal, nem mesmo o poder foi capaz de blindá-los, protegê-los, salvá-los, de quem habita sua própria pele!  

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Uma breve linha do tempo ...

Uma breve linha do tempo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Na vida, certos acontecimentos se mostram muito mais profundos do que aparentam ser. As discussões em torno dos recentes atos de golpismo de Estado, no Brasil, apresentam tantas camadas, que acaba por ser inevitável enxergar a sua total dimensão.

Pensando a respeito e observando as oscilações do dólar, segundo os humores do mercado financeiro, comecei a estabelecer uma linha do tempo dos acontecimentos, bastante interessante. Afinal, como é fácil constatar, o frame presente não faz jus à história em si!

Vejam. A gestão federal, entre 2019 e 2022, fragmentou as estruturas de governo sob o pretexto da transformação sem, no entanto, trazer quaisquer propostas substitutivas. Foi, simplesmente, estabelecer obstáculos para a gestão do que estava funcionando.

Mas, por quê? Esse tipo de pensamento já se mostrava um tipo de plano alternativo, caso o projeto de reeleição não lograsse êxito. Sim, porque aquele que assumisse o país, a partir de um cenário, praticamente, de “terra arrasada”, não conseguiria colocar em prática a sua plataforma de governo e se tornaria alvo de críticas e cobranças dos eleitores. Um contexto que favoreceria imensamente uma eventual retomada da Direita e seus matizes, nas eleições de 2026.

Entretanto, não para por aí. No campo econômico, a escolha do Presidente do Banco Central foi feita a dedo. Ora, fosse a reeleição bem sucedida, ter uma figura simpatizante e aliada aos interesses direitistas demonstrava uma boa estratégia.

Mas, em caso de não reeleição, haveria uma infinidade de possibilidades capazes de construir obstáculos, os quais minariam, de forma contundente, as perspectivas de sucesso do projeto de gestão progressista, para o país.

Dito isso, basta uma recapitulação das matérias publicadas pelo mais amplo espectro nacional e internacional de mídia, para se deparar com o árduo trabalho do Presidente do Banco Central, que agora se despede, para descredibilizar e implantar um cenário nacional de instabilidade econômica para o mercado financeiro global. Isso, sem contar, a política perversa de juros e a inação do Banco central (BC) diante da ocorrência dos episódios de elevação do dólar.

Isso significa que, em todo esse recorte temporal, uma construção dialógica especulativa vem pairando sobre a política econômica nacional. Com o objetivo de deteriorar a gestão vigente e abrir espaços para uma campanha depreciativa, junto à opinião pública, a fim de favorecer o retorno da Direita e seus matizes, nas eleições de 2026.

Aliás, vale lembrar que, ao se falar em mercado financeiro, ele é constituído justamente por indivíduos pertencentes ou simpatizantes do espectro político-partidário de Direita. Portanto, todo o tensionamento e instabilidade que seus comportamentos desencadeiam na economia tem sim, um propósito muito bem definido aos seus interesses de poder.

Mas, não se engane ao pensar que tudo isso é privilégio brasileiro! Porque não é. Como já devem ter ouvido, o movimento expansionista da ultradireita, em todo o mundo, tem buscado minar os projetos progressistas de governança, a partir desse mesmo modus operandi.

De certa forma, o que eles buscam não difere, em praticamente nada, das bases ideológicas que sustentaram o Colonialismo, entre os séculos XVI e XIX. Além do poder político em si, essas pessoas buscam se reapropriar de outras formas de poder, ou seja, econômico, social, cultural, religioso, para exercerem as suas práxis de dominação e controle.

Daí a precarização da economia e do trabalho ser tão importante aos seus objetivos, na medida em que ela recrudesce a obstaculização das pretensões de ascensão e de mobilidade social. Em linhas gerais, isso representa a reafirmação das desigualdades socioeconômicas concomitantemente à ampliação dos interesses das elites dominantes.

Algo que se explica, por exemplo, pela manifestação de comportamentos racistas, aporofóbicos, xenofóbicos, misóginos, ... dentro de contextos, cada vez mais, constituídos por fundamentos necropolíticos.  Portanto, um claro contraponto à visão progressista de governança.

E assim, de repente, somos capazes de perceber a tecitura dos processos golpistas. Ao contrário do que muitos acreditam, tudo começa pela corrosão da estabilidade, da capacidade de gestão e da materialização das plataformas de governo.  Há uma flagrante utilização da depreciação discursiva, por parte das instituições em parceria com os veículos de comunicação e de informação, para criar um movimento de oposição por parte da opinião pública.

Como bem escreveu Steven Levitsky, “Os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Como as democracias morrem, 2018). Acontece que essa demora pode custar caro.

Portanto, lembre-se do que dizia o filósofo Platão, “... Cada um de nós é como um homem que vê as coisas em um sonho e acredita conhecê-las perfeitamente, e então desperta para descobrir que não sabe nada ...!”. Não é à toa, que seja tão fundamental abrir os olhos e a mente, para dedicar-se a uma análise crítico-reflexiva dos acontecimentos contemporâneos que nos cercam.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

O ineditismo ...


O ineditismo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane, o ineditismo é sempre a ponta de um imenso iceberg. Uma parcela significativa do Brasil está perplexa pela ousadia da construção golpista que se estabeleceu nos últimos anos. Mas, em relação ao alcance de membros da alta cúpula militar na recente tentativa de Golpe de Estado, é preciso olhar além da superfície.

Seria mais um equívoco terrível da história nacional, sustentar a tese de que um movimento golpista seria uma questão pontual dentro das Forças Armadas. A partir do fato de que elementos do generalato, o mais alto cargo da hierarquia do Exército, estão presos e que o trabalho de persuasão para apoiar a eleição do ex-Presidente da República se deu dentro de centros de formação militar, em atividades festivas para as quais ele era convidado a participar e, algumas vezes, discursar, é fundamental apurar a dimensão corrosiva trazida pela ideologização política radical e extremista dentro das instituições militares, como um todo.

É importante ressaltar que tal conjuntura prosperou porque encontrou condições favoráveis. A redemocratização brasileira, na década de 1980, não trouxe consigo uma reformulação de crença, valores e princípios aos segmentos militares do país. A anistia brasileira se transformou em processo de silenciamento histórico e um grande impeditivo para uma reflexão dos acontecimentos. Assim, os processos de formação militar permaneceram fundamentados ideologicamente por velhos e obsoletos paradigmas globais, construindo uma realidade paralela e contrária ao desenvolvimento e ao progresso social do país.

Parece absurdo, mas não é! O ódio destilado pelos matizes mais radicais e extremistas da Direita, dentro do núcleo militar, reflete a disseminação contemporânea de questões totalmente fora de propósito. Eles parecem presos na sua trajetória histórica, ampla e profundamente manipulada pelos interesses internacionais, a certas ideias tais como a Guerra Fria, o combate ao Comunismo e quaisquer ideologias de caráter progressista. Estão entrincheirados numa guerra contra inimigos imaginários, os quais foram convencidos sobre uma eventual periculosidade, quase, letal.

Acontece que esse pensamento, transitando de dentro para fora e de fora para dentro dos quartéis, inevitavelmente, se torna nocivo à manutenção democrática. A verdade é que não estamos falando apenas de ideias; mas, de um conceito próprio de realidade, capaz de afetar as relações sociais em diferentes níveis. Acostumados a uma condição de obediência hierarquizada, a construção do pensamento militar passa por uma limitação da consciência crítica e reflexiva, dentro de um condicionamento de aceitação e não contestação.

Daí é fácil entender porque razão, gerações e gerações de militares, permanecem olhando e entendendo o mundo a partir de uma mesma perspectiva. A caserna não acompanhou a evolução da própria sociedade. De modo que ela enxerga os equívocos, os erros, os absurdos, na figura do outro, aquele que não pertence à sua realidade. Uma construção histórica que permitiu os colocar em uma posição de superioridade absoluta e incontestável, a qual lhes garantiu também um conjunto de regalias, privilégios e poderes que não estão dispostos a negociar jamais.

Por isso, ainda que não haja uma unanimidade ideológica golpista dentro das Forças Armadas, não se pode relativizar e dizer que ela é pontual, dada a sua organização hierárquica e a permissividade com que certas fraturas protocolares se estabeleceram dentro das unidades de comando. Começando por essa aglutinação político-militar, a qual afronta diretamente a atemporalidade do Estado, ou seja, governos mudam e o Estado permanece, cabendo às forças militares servirem aos interesses do Estado e não, de pessoas.   

É preciso compreender que a responsabilização dos envolvidos na tentativa recente de Golpe de Estado, inclusive militares, é algo inegociável na perspectiva da manutenção democrática nacional. Mas, não é tudo. Se não houver uma mensuração do grau de disseminação golpista nas Forças Armadas, se não houver uma mudança paradigmática e curricular dos militares, se não houver uma ruptura definitiva com essa aglutinação político-militar, a presença de elementos golpistas persistirá nessas instituições e o risco ao qual a Democracia estará submetida, será de inteira responsabilidade da inação e da negligência das autoridades brasileiras. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

O filme “Ainda Estou Aqui” e Fernanda Torres garantiram indicações para o Brasil no Globo de Ouro 2025.

Ainda estou aqui (I'M STILL HERE) | Official Trailer (2025)

10 de Dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos (Human Wrights Day)



Dia Internacional dos Direitos Humanos

Dia Internacional dos Direitos Humanos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há tempos venho me questionando sobre quais os motivos que levam os Direitos Humanos a causarem tamanho desconforto e mal-estar entre muita gente, por aí. Até que, de repente, entendi que falar sobre tais direitos é um ato que expõe a dimensão do nosso fracasso civilizatório.

Sim, porque apesar de todas as tentativas de domesticação e civilização, o Homo sapiens permanece o bárbaro, o primitivo, de sempre. Com especial atenção para a contemporaneidade, quando ele encontrou um discurso de legitimação para o seu individualismo, o seu egoísmo, o seu narcisismo e a sua ânsia por liberdade sem limites.

Razão pela qual estamos diante de uma luta explícita entre a indignidade e os Direitos Humanos. Enquanto ela promove um verdadeiro tsunami de desumanização na sociedade, eles tentam, a duras penas, permanecer o farol de segurança e acolhimento da população; sobretudo, das camadas mais frágeis e vulneráveis, em tempos caóticos.

E isso acontece porque existe uma construção discursiva histórica que obstaculiza a compreensão de que os Direitos humanos significam um direito meu, um direito seu, um direito nosso. Ora, essa ideia desconstrói a possibilidade de se justificar as desigualdades no mundo! Em síntese, ela representa um abalo nas regalias, privilégios e poderes, das classes historicamente dominantes.

Afinal de contas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), publicada em 10 de dezembro de 1948, em seus 30 artigos não estabeleceu hierarquias de raça, credo, gênero, escolaridade, status, ... Falou-se estritamente sobre e para os seres humanos. Os indivíduos foram, portanto, igualados na sua condição existencial, porque é isso o que realmente importa. Cada vida que chega a esse mundo tem as mesmas demandas fundamentais para sobreviver, de modo que está nesse contexto o real ponto de análise.

Embora, a DUDH não nasceu para ter força de lei, pelo menos, ela sempre buscou exercer o papel fundamental de delinear um roteiro para que haja uma conscientização social sobre a necessidade da manutenção da dignidade humana. Abordando os direitos e liberdades individuais, sociais, políticos, jurídicos e nacionais dos indivíduos, ela estabelece uma consciência em torno das responsabilidades e compromissos com a coletividade humana.

O que me parece ser um ponto nevrálgico para que diversos espectros dentro da sociedade manifestem tamanho desprezo ou ódio em relação aos Direitos Humanos.  Considerando o grau de importância e desimportância social atribuído a certas parcelas da população, a dignidade, em seus mais diferentes aspectos, se torna uma questão não acessível a todos. Como se ela pudesse ser apropriada por uns em detrimento de outros. Daí ao longo da história nos depararmos com situações de exploração, de trabalho análogo à escravidão, de desumanização.

Algo difícil de compreender e aceitar, na medida que subtrai do ser humano qualquer sinal de empatia, de alteridade, de respeito, que deveriam ser intrínsecos à sua natureza. Mas, infelizmente, tal comportamento está disseminado por todo o planeta, de uma maneira trivializada, banalizada, naturalizada. Trazendo a impressão de que muitos indivíduos estão, de fato, perdendo a capacidade de reconhecer a sua humanidade no outro. O que torna as expressões da desumanização contemporânea cada vez mais aterrorizantes e brutais. Basta se debruçar sobre as notícias estampadas pelos veículos de comunicação e de informação, para se ter a dimensão a respeito.

Como escreveu Carlos Drummond de Andrade, “Os direitos do homem são muitos, e raro o direito de gozar deles. Nem todo homem tem direito a conhecer seus direitos”. Esse é o contexto da reflexão a ser desenvolvida por cada indivíduo. Na análise crítica do seu papel individual sobre o coletivo, no sentido de aceitar, de concordar e, até mesmo, referendar, todo tipo de absurdos cometidos contra os seus semelhantes. Afinal, “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar” (Martin Luther King Jr.).