quarta-feira, 26 de março de 2025

Sobre (in)tolerâncias


Sobre (in)tolerâncias  

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Geralmente, em casos de ampla visibilidade, ao se tornarem réus, os indivíduos costumam ir a público tecer manifestações em defesa própria. Eis que, hoje, vimos acontecer o contrário, no Brasil. O ex-presidente da República, um dos 8 indivíduos tornados réus pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nessa manhã, optou por uma comunicação, aos veículos de mídia, totalmente desprovida de coerência e senso lógico.

Como ele já se mostrou, diversas vezes, inclusive sob a análise das próprias acusações que o tornaram réu, um estrategista, não creio que a fala tenha se dado de maneira improvisada e repentina. Diante da situação, a opção por manifestar uma insanidade oportuna pode ter sido o caminho escolhido para se defender. Afinal, a robustez dos elementos que instruíram a admissibilidade do caso, pelo STF, é incontestável.

Então, pelo menos em relação aos seus apoiadores e simpatizantes, a aparente insanidade pode desencadear alguma sensibilização. Trata-se da velha práxis de se colocar na posição de vítima das circunstâncias, tentando angariar uma piedade benevolente, a qual ele nunca soube exercer a reciprocidade. Aliás, enquanto esteve no centro do poder, seus comportamentos irresponsáveis, impulsivos, emocionais, explosivos e de risco, já levantavam suspeitas de ele apresentar um quadro de sociopatia. Contudo, nada a respeito foi sequer investigado.

Agora, experenciando uma situação inédita, no curso da sua vida, ele está profundamente desconfortável. Ciente da gravidade e da complexidade das acusações, ele não parece devotar a sua plena confiança à defesa jurídica e, por isso, apela para tentar construir uma defesa popular, com base na persuasão e na tolerância de seus asseclas.

Daí o argumento da insanidade ganhar espaço. Ao surgir em público visivelmente ansioso, demonstrando dificuldade de concentração e raciocínio, às vezes, irritado, ele se mostra afetado pelos acontecimentos na esfera jurídica, os quais se pronuncia injustiçado.

Se a extravagante estratégia vai efetivamente funcionar, só o tempo dirá! Os outros 7 réus também farão suas defesas e muita água pode rolar por debaixo dessa ponte. Aliás, muito esgoto! Porque no afã de se eximirem das responsabilidades que lhes são atribuídas, muita coisa ainda não dita pode vir à tona e gerar um verdadeiro tsunâmi de desdobramentos. Nem tudo foi dito. Há muitos silêncios a serem desvendados. Afinal, estamos falando de cinco crimes: liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Cujas penas podem somar mais de 40 anos de reclusão.

Seja como for, esse é um momento importantíssimo para o Brasil, para a sua construção identitária cidadã. Um tempo de ampla e profunda reflexão sobre nossas crenças, valores e princípios. As terríveis fendas que o movimento ultradireitista, com o apoio de outros matizes da Direita, impôs ao país, nos últimos anos, levou-nos a uma obrigatória reflexão: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles” (Karl Raimund Popper - “Paradoxo da tolerância”,1945).

Portanto, um dos vieses sobre os quais o STF se debruça, nesse caso, diz respeito à disseminação da intolerância, presente em cada uma das 5 acusações apresentadas aos réus. Uma intolerância que não se furtou a afrontar a civilidade, o respeito, o senso coletivo, os direitos humanos, porque, como dizia Umberto Eco, “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo”.