quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Oh!

Oh!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não sei você, caro (a) leitor (a); mas, a mim soa irritante a perplexidade e o enfurecimento de ocasião, por parte de uma significativa parcela da população brasileira, diante de certas notícias circulantes pelos veículos de comunicação e de informação.

Sabe por quê? Porque o nosso senso ético e moral foi relativizado historicamente, de uma tal maneira, que esse comportamento cheio de constrangimentos e indignações de meia pataca, não transmite uma gota sequer de credibilidade.

Lamento informar que, nesses pouco mais de 500 anos, o Brasil não só legitimou a permissividade, como a legalizou em muitos aspectos. Perdemos a noção, quando o assunto é estabelecer a gravidade dos fatos e a contundência das respostas merecidas.

Parece fácil esticar a corda da paciência, nesse país! O nível de flexibilização, de relativização, diante da realidade, é estarrecedor. Como se tudo fosse transformado em pretexto para galhofa, para o mais extremo da zombaria, do deboche, do escárnio.

Durante muito tempo se ouviu dizer que o Brasil carecia de leis, de uma legislação mais firme. Não, não é por falta delas que a permissividade se deita em berço esplêndido, por aqui!

Infelizmente, o caso é bem mais grave e ultrapassa os registros formalizados. O que nos falta é o sentido prático da apropriação da nossa identidade nacional, do exercício da nossa cidadania.

Os tempos coloniais nos acostumaram muito mal. Tínhamos quem decidisse tudo por nós, inclusive, estabelecendo como deveríamos nos comportar.

Até que um dia, o Brasil deixou de ser colônia e precisou se estabelecer por si mesmo. Apavorado, seguiu pelo caminho mais rápido e cômodo, ou seja, seguiu reproduzindo os padrões que conhecia.

Por isso, vira daqui mexe dali, quando alguma coisa incomoda ou parece insolúvel, o país tende, inevitavelmente, a se refugiar na banalização, na trivialização, na contemporização, para não ter que enfrentar os seus monstros de frente.

O problema é que esse cenário não se restringe às esferas de poder ou de influência. Esse comportamento já se impregnou no (in) consciente coletivo da população. Nos tornamos uma civilização que naturaliza os absurdos, sejam eles de que natureza for.

Como se a nossa capacidade cognitiva e intelectual tivesse sido tão brutal e perversamente corrompida que desaprendemos a distinguir as aberrações, os despautérios, o ilógico, porque evoluímos para a desumanidade.

Caímos em um abismo que aceita a frieza das estatísticas mais terríveis, como se o conformismo fosse o único caminho restante para seguir, quando não se pretende virar a mesa da história e reescrever séculos de vergonhas e indiferenças.

Ora, quando é preciso que alguém diga, em alto e bom tom, que isso ou aquilo é crime, é errado, é gravíssimo, é antiético, é imoral, tem-se um sinal claro de que a cegueira social se instalou!

A perda da capacidade reflexiva, analítica e/ou crítica, de uma sociedade evidencia o quão próximo ela está do seu fracasso civilizatório. Pois ela não consegue enxergar, discernir, entender, por si mesma, o que está bem diante dos seus olhos.

O que significa que a sua identidade nacional está vulnerável e dependente de qualquer um que lhe mostre um caminho. Não importa se bom ou ruim. Se ético ou não. Desde que não se tenha que pensar, decidir, escolher, agir, autonomamente, tudo bem.

Só que não. Tacitamente, a sociedade firma um pacto de silêncio e conivência, diante dos absurdos, das atrocidades, das violências, dos autoritarismos, das negligências, ... Tornando os grilhões nefastos das mazelas brasileiras cada vez maiores e resistentes.  

Portanto, antes de manifestar qualquer choramingo de autopiedade, poupe suas energias e lembre-se do que escreveu José Saramago, em sua obra Ensaio sobre a Cegueira (1995), “se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as inimagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar”.

Afinal, diante de qualquer que seja a notícia terrível circulante pelos veículos de comunicação e de informação, ela sempre chega marcada pelas digitais da própria população brasileira, como um todo. Não há surpresa, quando se tem silêncios, omissões, negações, indiferenças, distribuídos por todas as camadas sociais!