quarta-feira, 17 de abril de 2024

Nada é, tudo está ...


Nada é, tudo está ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Carl Gustav Jung afirmava que “Sua visão só ficará clara quando você olhar em seu coração. Quem olha fora, sonha. Quem olha dentro, desperta”. Verdade! Seja para o bem ou para o mal, nossas escolhas e decisões são sim, balizadas por aquilo que diz o nosso (in)consciente.  

Por isso resolvi tecer algumas considerações relativas ao negacionismo contemporâneo, com foco no Brasil, tendo em vista que ele não me parece uma questão irrefletida, um modismo qualquer, uma teimosia infantiloide. Afinal, como escreveu Clarice Lispector, “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

E penso eu que o nosso maior defeito brasileiro é a herança colonial. Pouco mais de 500 anos de história e permanecemos umbilicalmente ligados a um padrão de organização social, política e econômica, o qual se permite reafirmar e focalizar nas percepções e experiências coloniais, como se o mundo não tivesse avançado no seu progresso e desenvolvimento.

Nesse contexto, um aspecto merece bastante atenção. O poder rural. Depois do extrativismo vegetal e mineral, a agropecuária se estabeleceu como carro-chefe da economia nacional e seus representantes como as figuras de maior influência e poder no país.

Eram os tempos das plantations. Sim, o sistema de produção agrícola criado no período Mercantilista, entre os séculos XV e XVIII, que fora implantado pelas metrópoles europeias em suas colônias. Estamos falando, portanto, de latifúndios voltados para monoculturas, onde o trabalho era garantido pela força da mão de obra escrava e o propósito era atender aos interesses do mercado exterior.

Assim, não é difícil perceber que em essência nada mudou! Houve inovação científica e tecnológica nos modos de produção, houve mecanização; mas, para por aí. Esse segmento da elite brasileira se mantém inabalável na manutenção da sua estrutura histórica, à revelia do que possa manifestar ou indicar a realidade contemporânea.

O recente caso de desmatamento químico realizado por um pecuarista, na região do Pantanal 1, diz muito a esse respeito. Desconsiderando quaisquer discussões nacionais ou internacionais, quaisquer estudos e legislações socioambientais vigentes, a ideia de destruir áreas de extrema importância ecossistêmica e assim, ampliar os espaços de pastagem para o gado, explica como esse tipo de episódio culmina em desastres ambientais de proporções inimagináveis. Como o rastro do extrativismo exploratório das madeiras de lei, incluindo o pau-brasil, durante as primeiras décadas da colonização brasileira.

Mas, não é só isso o que perturba e desconforta! Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, “O Brasil registrou, em 2023, o maior número de denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão da história do país. Segundo a pasta, foram 3.422 denúncias protocoladas em 12 meses”  2. Fatos que levaram o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, a criar um cadastro a respeito, denominado “Lista Suja” 3, o qual indicou que dentre as atividades econômicas com maior número de empregadores inclusos estão: trabalho doméstico (43) 4, cultivo de café (27) 5, criação de bovinos (22), produção de carvão (16) e construção civil (12)”.

E enquanto o Ministério da Agricultura e Pecuária, por meio da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais, divulga que “Os cinco principais setores exportadores do agronegócio brasileiro em março foram: complexo soja (44,3% de participação nas exportações do agronegócio brasileiro); carnes (12,8% de participação); complexo sucroalcooleiro (11,3% de participação); produtos florestais (9,4% de participação); café (5,7% de participação)” 6, o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023, divulgado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), “aponta que a agricultura familiar brasileira é a principal responsável pelo abastecimento interno, com produtos saudáveis e manejo sustentável dos recursos ambientais” 7.

Mas, não se pode esquecer, também, da questão do Marco Temporal, uma tese jurídica na qual os povos indígenas têm o direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Acontece que “um movimento capitaneado por parlamentares da bancada ruralista no Senado liderou a aprovação por 43 votos a favor e 21 contra de um projeto de lei que estabelece o marco temporal e uma série de outras medidas”, o que segundo parlamentares governistas, ambientalistas e lideranças indígenas representa um “retrocesso a 1500 (ano de chegada dos portugueses ao Brasil)” 8.

A verdade é que há muito mais a se refletir a respeito 9. Acontece que para essa reflexão é necessária disposição, vontade genuína; posto que, estamos tratando de pouco mais de 500 anos de história, de questões intrínsecas à identidade nacional. É difícil desconstruir velhos paradigmas, velhas práxis.

Mas, pouco importa. Independentemente de mim, de você, do outro, a força das conjunturas é sempre implacável e, no momento exato, que só ela sabe qual é, não se curvará mais às vontades e quereres de ninguém.

Quando menos se esperar, o insólito roubará a cena e mudará o curso da realidade, sem qualquer cerimônia. Por isso, tenhamos sempre em mente que nada é, tudo está. Esse é o fluxo natural da transitoriedade do mundo, a vida em si, a grande lição a ser aprendida e respeitada.  



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