segunda-feira, 31 de julho de 2023

E no frigir dos ovos...


E no frigir dos ovos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segura! O furacão da insanidade anda solto pelo Brasil e tenta convencer a todos de que nada tem a ver com a nada na história recente do país. Acontece que não é bem assim! Basta um bocadinho de reparo para perceber como os fios da meada se cruzam afinadinhos. Nada de acaso. Ou de coincidência. A lógica está ali, presente, pulsando realisticamente diante da reflexão. Assim, o texto de hoje será eclético.  

Comecemos, então, pelo PIX milionário 1. Que deve ser motivo de apuração das autoridades competentes, não resta a menor dúvida. Que causa estranheza, nem tanto. Mas, colocando todas as teorias e conjecturas à parte, finalmente, se desvenda a razão da eufórica implantação desse sistema de transferência monetária e de pagamento eletrônico instantâneo, pelo ex-governo.

Não, não era para facilitar a vida do cidadão comum, ou do vendedor ambulante, ou de quem quer que seja. A sanha dos banqueiros e das políticas econômicas nunca trabalharam ajustadas aos interesses da grande massa; mas, deles próprios e das elites. Foi a luz de suas perspectivas e expectativas que as ideias foram, portanto, gestadas e colocadas em prática.

Bem, no fim das contas, o PIX não só fez a vez de um bom estratagema para burlar os limites e os protocolos das doações de campanha, ainda que fora de campanha e por um político recentemente tornado inelegível; mas, escancarou de vez, como a Direita e seus matizes mais radicais apostam no poder econômico para não sair da cena política nacional 2.

Dito isso, vamos para a próxima pauta, ou seja, a violência policial. São Paulo 3. Bahia 4. Não importa o ente da federação. Resquício histórico do Brasil colonial, quando o capitão do mato fazia a vigilância e a captura dos escravos fugidos dos grandes latifúndios, a violência policial contemporânea se dá praticamente nos mesmos moldes, na medida em que prioritariamente as ações acontecem contra indivíduos pertencentes às camadas mais desassistidas e vulnerabilizadas da sociedade.

A polícia contemporânea exorciza suas próprias fragilidades e desamparos institucionais, reproduzindo a fúria contida no seu inconsciente coletivo. Como se o policial que, quase sempre é natural das periferias, dos bairros mais humildes, se despisse de qualquer vestígio de alteridade e assumisse o papel de algoz de si mesmo, na figura do outro. Mata em nome do medo de morrer, que lhe queima como uma febre intermitente.

Entretanto, a escalada recente da violência policial se cruza com a notícia do novo mutirão carcerário proposto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 5. É de conhecimento público a falência do modelo carcerário nacional e como isso se traduz em um mecanismo de invisibilização e de exclusão aporofóbica, dada a representatividade majoritária de um perfil de cidadãos que dá entrada diariamente nas prisões e presídios nacionais. Muitos deles, inclusive, vítimas inocentes do próprio sistema policial e judiciário.

De modo que a ideia do mutirão é mitigar o abandono a que milhões de presos estão submetidos, no que diz respeito ao curso dos trâmites legais. Porém, não entra nesse contexto a discussão ética e social em relação às desigualdades que são, de fato, as grandes responsáveis pela construção da violência e da criminalidade nas suas mais diversas formas e conteúdos. É nesse viés que, de repente, você se dá conta da distorção ética e social presente nesse assunto.

Sim, porque se o sistema carcerário brasileiro é, de certa forma, um depósito de seres humanos abandonados e rejeitados, tanto por uma parcela significativa da população quanto pelo próprio Estado, que sentem por eles uma repulsa genuína e independente do delito ou infração que tenham cometido, dentro desse espaço geográfico ainda há uma esperança de sobrevivência para esses indivíduos. Porque nas ruas, eles podem não ter a mesma oportunidade em razão do modus operandi que ressalta a violência policial.   

E para não me alongar muito mais, o último ponto trata da obscura aliança ultradireitista entre o ex-governo brasileiro e os representantes argentinos 6, e o relatório das Forças Armadas sobre os atentados na capital federal em 08 de janeiro 7.  Dá para juntar os assuntos, porque o resumo da ópera é um só, golpe de estado. É curioso como a Direita e todos os seus matizes, especialmente os mais radicais e extremistas, são dados a contar vantagem, a fazer e a acontecer, a exibições explícitas de valentia; mas, na hora de honrar as convicções, as crenças, os princípios, eles simplesmente se desresponsabilizam. É um tal de “não foi bem assim”, que chega a ser vexatório!   

Mas, dá para entender. Faz parte do método deles. Sobretudo, quando se trata dos membros da ultradireita que tenta se reafirmar novamente no cenário geopolítico global. Enquanto, eles entretêm as autoridades e os veículos de informação e de comunicação com suas desculpas esfarrapadas, seus silêncios desconcertantes, eles arrecadam recursos milionários, entre seus seguidores e simpatizantes, para disseminar o medo e o terror, com ideias do tipo “a volta do comunismo”.   

Portanto, de ponta a ponta, essa breve reflexão não traz nenhuma novidade. Tudo aqui é uma miscelânea de discussões históricas, cujo protagonismo está enraizado na Direita e seus matizes. Desigualdade social. Tradição e conservadorismo. Individualismo. Racismo. Aporofobia. Necropolítica. ... O pulo do gato está, então, no fato de que é um erro crasso pensar que o fim das eleições, em outubro de 2022, tenha arrefecido o ímpeto desse espectro político-partidário; bem como, reduzido a sua repercussão midiática. Não, eles estão aí. Todos os dias. Nas linhas e nas entrelinhas. O que significa que esse deve ser o ponto de partida para toda e qualquer análise de agora em diante.