sábado, 1 de julho de 2023

A Democracia em tempos de relativização do absoluto


A Democracia em tempos de relativização do absoluto

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Dando continuidade às reflexões que emergem dos ventos da mudança, soprados ontem, não posso deixar de tecer comentários sobre o senso de responsabilidade e cuidado que o atual governo deve ter, no sentido de não fornecer combustível ideológico para a Direita e seus matizes.

Sim, porque mais do que nunca, agora, eles estão ainda mais raivosos e dispostos a se valer de quaisquer movimentos equivocados ou erráticos daqueles que estão no poder. Tudo será pretexto, por mínimo que seja.  Aliás, relembrando o compromisso assumido pelo próprio Presidente da República, ainda em campanha eleitoral, de que ele não poderia errar, de fato, ele não pode.

Assim, passados os seis primeiros meses de governo, com a poeira um pouco mais decantada, já houve tempo suficiente para entender que nada é mais como antes. Nem no campo das comunicações. Nem no campo das relações. Nem no campo das ideias. De modo que é fundamental se ajustar às novidades para não ser engolido pelos dissabores.

E alguns acontecimentos recentes não só causaram apreensão; mas, sobretudo, um gosto de frustração. Afinal, não é compatível defender a Democracia pelos quatro cantos do mundo, se permitindo criar uma relativização conceitual e tendenciosa para o termo 1 e, nem tampouco, se curvar às imposições fisiológicas do Congresso Nacional 2.

Há um dito popular que prega o seguinte, “Ninguém é obrigado a prometer; mas, se o fez, é obrigado a cumprir”. Porque é disso que advém a credibilidade, a confiança, a segurança. Não se trata apenas de uma questão de desgaste de imagem pelo Presidente da República; mas, da sua fragilização discursiva, a qual impacta diretamente sobre todas as ideias que foram defendidas por ele durante a campanha eleitoral. Trata-se de valores, de princípios, de convicções, que não podem ser desalinhadas ou deformadas ao sabor dos ventos, simplesmente.

Inclusive, rumores na mídia dão conta de que a Direita e seus matizes, no contexto do coletivo político denominado Centrão, está ávido nas suas pretensões de promover a substituição de duas lideranças ministeriais por elementos de sua escolha. Me refiro às ministras da Saúde e do Esporte, cuja competência técnica, mundialmente reconhecida, foi a razão da escolha pelo Presidente da República.

Entretanto, elas foram escolhas à margem da política-partidária. Algo que foi visto e reconhecido com muito bons olhos pela imprensa e autoridades no assunto, por se tratar de áreas de extrema importância para o país e seu próprio desenvolvimento.

Afinal de contas, são pastas que trazem consigo o peso de uma responsabilidade de resgate da cidadania, da educação, do bem-estar holístico das pessoas, especialmente, no que diz respeito àquelas pertencentes as camadas menos favorecidas.

Acontece que, justamente por essas características, tais ministérios desfrutam de orçamentos expressivos, os quais despertam a sanha para a manutenção das velhas conhecidas práxis fisiológicas.

Sem contar que, por ironia do destino, mais uma vez, os alvos de ataques das artimanhas legislativas federais são sempre os ministérios liderados por mulheres, assim como, aconteceu com o esvaziamento proposital das pastas de Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas, quando da aprovação da Medida Provisória (MP) que estabeleceu o novo organograma dos Ministérios.

Vejam, daqui e dali, em tão pouco tempo, o governo se perde na defesa do ponto mais importante da sua campanha eleitoral que é a Democracia. Ora, a Democracia é um regime político no qual os indivíduos exercem a sua cidadania a partir do voto.

Assim, todas as vezes em que segmentos sociais são impedidos de participar igualmente, seja de forma direta ou representativa, das propostas de desenvolvimento do país, da elaboração de novas leis, ou de quaisquer outras iniciativas governamentais, há um franco desvirtuamento do conceito.  

E o que não tem faltado são exemplos que fragilizam e deslegitimam a Democracia contemporânea, na medida em que há uma flagrante dissonância entre discurso e prática, sob uma constante comunicação de sinais trocados, que é extremamente nociva.

É imperioso compreender que a Democracia, no contexto atual, está sob constante vigilância e escrutínio das mídias sociais. Nenhum gesto, nenhum comportamento, nenhuma decisão, nenhuma fala, nada passa despercebido.

Para o Bem ou para o Mal, a comunicação se repercute em milésimos de segundo. Daí a necessidade de bom senso, de cautela, para não expor a si e nem aos outros de maneira ruim e desnecessária.

Haja vista o exemplo francês. É visível a dificuldade do atual governo em manter a Democracia, do seu país, longe de abalos sistêmicos 3. O que já é visto e entendido por especialistas como um trunfo importantíssimo para a ultradireita, que vem tentando ocupar os espaços de poder, há algum tempo.

A carência de habilidade para enfrentar as tensões sociais decorrentes, muitas vezes, da própria dinâmica histórica, está esgarçando a Democracia francesa e a lançando aos braços do autoritarismo, seja em maior ou em menor escala.

Portanto, não nos esqueçamos de que o Brasil esteve sim, à beira de destruir a Democracia. Por pouco não sucumbiu. Mas, esse risco ainda paira, porque ele não parou de atravessar a passos largos o planeta, por meio da obstinação desenfreada da ultradireita.

E por onde ela passa deixa um rastro que contamina outros setores da Direita, o que acaba fortalecendo um sentimento de desprezo aos valores e princípios democráticos, por meio do resgate ao que há de mais retrógrado, bárbaro, abjeto e cruel na história da humanidade.  Daí a impossibilidade real de querer relativizar conceitos absolutos, como é o caso da Democracia.   



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