domingo, 25 de junho de 2023

Os desafios da mudança no mundo contemporâneo


Os desafios da mudança no mundo contemporâneo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não há mudança sociocomportamental que não passe pelos níveis de consciência humana, no que diz respeito às suas crenças, valores, princípios e convicções. E na realidade contemporânea, inúmeras vezes, os indivíduos acabam entorpecidos pela força de um inconsciente coletivo deturpado, totalmente descompromissado com o respeito, em todas as suas formas e expressões.

Basta um bocado de atenção, para perceber como esse movimento acirra os níveis de tensão, de intolerância e de violência entre as pessoas. Tudo em razão de padrões que passam a vigorar, os quais são legitimados, na maioria das vezes, por indivíduos não só pertencentes às elites; mas, também, que exercem influência ideológico-comportamental através das mídias. E em um país com tantas discrepâncias sociais e econômicas, como é o Brasil, não é difícil compreender como esses pseudoprotocolos se tornam extremamente prejudiciais e nocivos.

Começa pelo fato de contribuírem para uma profunda desumanização do indivíduo. O que ele (a) é enquanto essência humana é subtraído em nome da sua capacidade de ter, de consumir, de se encaixar a um ideal imposto. Isso faz com que milhares de pessoas passem, então, a viver em função disso, em uma busca desesperada e absurda desse selo social de aceitação e de pertencimento, o qual, muitas vezes, está intimamente associado ao consumo de bens, produtos e serviços. De modo que nessa espiral de loucura, há quem acabe constituindo graves perdas materiais e afetivas, por conta de tentar satisfazer às padronizações.

E correr atrás do padrão é abdicar da própria identidade. Não é à toa que o ser humano esteja desaprendendo a se gostar, a se aceitar, a se respeitar; pois, a identidade impõe a realidade da vida como ela é, sem romantização, sem retoques, sem idealização. Em contrapartida, o que faz a padronização contemporânea é ludibriar as pessoas a acreditarem que podem se ajustar e caber em cotidianos totalmente contrários aos seus. Como tudo parece lindo, perfeito, encantador, elas mergulham de cabeça nessa corrida maluca, mesmo sabendo que não há garantia alguma de que vai dar certo.

Outro aspecto importante para análise são as diferentes personalidades que povoam o ambiente de influência dos veículos de comunicação e de informação tradicionais e alternativos. A verdade é que são poucas aquelas em que se poderia atribuir a qualidade de influenciar pessoas, em razão não só de terem discernimento e bom senso para manifestar suas ideias e opiniões; mas, pelo grau do conhecimento empregado para fundamentar seus discursos e narrativas. Algo que explica o volume expressivo de contradições que marca o universo midiático.

Muitos se apegam a defender e hastear bandeiras em nome de causas importantes na contemporaneidade ao mesmo tempo em que se comportam de maneira antagônica a respeito. Como se pode lutar contra a gordofobia, por exemplo, e ostentar posts e fotos exibindo uma barriga negativa? Como se pode rechaçar a aporofobia, ao mesmo tempo em que o luxo se reafirma na forma de jantares, festas, mansões e outras expressões do supérfluo? ... Muitos, talvez, não tenham ouvido falar sobre a Semiótica 1; mas, ela marca de maneira profunda a sociedade contemporânea nesse contexto que acabo de descrever.     

Simplesmente, porque ela estabelece uma leitura de mundo, da vida, do ser humano, a partir da produção de sentido derivada da imagem. Ela cria uma comunicação pela linguagem não-verbal, ou seja, basta ver para entender, para decodificar o significado, para construir uma compreensão. De certo modo, isso acaba sendo muito mais eficiente dentro de uma realidade que se consome pela pressa, pela insuficiência do tempo, porque não demanda o aprofundamento crítico-reflexivo sobre a linguagem verbal, seja ela escrita ou oralizada. Afinal, as palavras podem nos conduzir por diferentes caminhos interpretativos, especialmente, por conta do nosso próprio coletivo de informações e de memórias sobre um determinado assunto.

Então, sem querer, a Semiótica nos desnuda. Por esse mecanismo de comunicação o sujeito incorre no erro de se trair e revelar exatamente sob quais crenças, valores, princípios e convicções está alicerçada a sua identidade. Sim, porque na medida em que ele (a) precisa enaltecer, reverenciar, valorizar, realçar, isso ou aquilo, fica provada a importância e a significância que ele (a) dedica a respeito. Não há comunicação sem intenção. Daí a facilidade de se perceber como os padrões exigidos pelo mundo contemporâneo se mostram tão fortes e implacáveis, como se pudessem criar uma sociedade homogeneizada.

Por isso, tenha muita atenção aquilo que você posta ou curte nas mídias sociais. De repente, sem se dar conta dos sinais trocados manifestos pela sua simples atitude, você acaba referendando preconceitos, intolerâncias e violências. Promovendo um efeito multiplicador altamente prejudicial à construção de uma consciência coletiva mais respeitosa, justa, fraterna e empática. Jamais nos esqueçamos de que “Agir, reagir, interagir e fazer são modos marcantes, concretos e materiais de dizer o mundo, interação dialógica, ao nível da ação, do homem com sua historicidade” (Lucia Santaella) 2



1 É a ciência que se dedica ao estudo de todos os signos, nos processos de significação na natureza e na cultura. (https://www.scielo.br/j/pci/a/6JyyhXvsymcjvXX7GFXXFkg#:~:text=A%20Semi%C3%B3tica%20%C3%A9%20a%20ci%C3%AAncia,na%20natureza%20e%20na%20cultura)

2 SANTAELLA, L. O que é a Semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003. p.10. 

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