sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Não renegue suas raízes!


Não renegue suas raízes!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A memória do brasileiro anda mesmo fraca! Esqueceram-se de que a história desse país começa justamente em solo nordestino, quando em 22 de abril de 1500 os colonizadores portugueses chegaram em Porto Seguro, litoral baiano?

A primeira missa foi rezada lá, abrindo e consagrando os caminhos da fé cristã no país e depois, para as bênçãos de toda a diversidade religiosa existente no mundo.  

A primeira capital foi Salvador, entre 1549 e 1763, considerada uma cidade moderna e bem equipada, segundo a metrópole portuguesa.

A primeira manifestação do agroexportador foi a cana de açúcar, em 1530, plantada em grandes extensões na região nordestina, a partir das Capitanias Hereditárias.

O mais importante quilombo, o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, representou 100 anos da mais importante expressão de luta contra à escravidão, no país.

Enfim... Nossa história está com os pés fincados no Nordeste e a ele, então, devemos muito.

Depois do seu apogeu e glória, a ida da capital do Brasil para o Rio de Janeiro, de certa forma, arrefeceu as relações político-administrativas e eles foram relegados a segundo plano dali por diante.

Não fosse a sua prodigiosa capacidade empreendedora de transformar a dádiva das suas belezas naturais e da sua riqueza cultural em atrativos para visitantes, de todos os lugares do mundo, talvez, tivessem realmente sucumbido aos infortúnios da desassistência.

Sim, porque eles tiram leite de pedra para sobreviver as desventuras das desigualdades socioeconômicas que lhes foram impostas!

Entretanto, o Nordeste brasileiro não é só o litoral ou a chamada zona da mata, a região é dividida em outras três sub-regiões: meio-norte, agreste e sertão.

A primeira, em razão dos benefícios de índices pluviométricos mais satisfatórios quantitativamente, pela proximidade com a região Amazônica, investe seus esforços no extrativismo vegetal, na pecuária extensiva e em certos cultivos, como arroz e algodão.

A segunda é a área de transição entre a zona da mata e o sertão semiárido, cujas condições climáticas permitem uma agricultura de subsistência e uma pequena pecuária leiteira.

A terceira é o sertão, na expressão da sua escassez hídrica e da sua caatinga. Com exceção das áreas irrigadas, a partir do rio São Francisco, que produzem frutas para exportação, o restante sobrevive aos altos e baixos da aridez regional.   

E é diante dessa realidade, às vezes aprazíveis outras muito hostis, que nesses 500 anos de história nacional, o Nordeste tem nos ensinado, de maneira esplêndida, sobre valores humanos que tanto andam perdidos por aí.

Coragem. Bravura. Resistência. Destemor. Trabalho. Comunhão. Compaixão. ... Enquanto há um fiapo de esperança, o nordestino não desiste, não entrega os pontos, não abandona a sua terra, como tão bem descreveu Luiz Gonzaga em sua “Asa Branca” 1.  

Acontece que as adversidades nem sempre são contornáveis e aí, nem mesmo crendo com cada centímetro da alma, com joelhos dobrados no chão batido, é possível suportar tamanho desalento e a migração se torna a única solução.

É, então, chegado o limite extremo! É quando a própria fé não consegue mais cumprir a sina como o único alimento que sustenta a sua existência nos rincões áridos do sertão.  Se não partir, se não voar, ele deixará de ser gente para ser carcaça. Ele parte de coração sangrando, bradando a promessa de um dia voltar.

Pois é, se o Brasil rompesse com o seu estrabismo desenvolvimentista e tivesse, desde sempre, olhado de maneira holística o seu território, fazendo justiça a todos os seus cidadãos, jamais teríamos feito dos nordestinos migrantes em razão do clima.

Mas, sem a oferta de quaisquer medidas paliativas ou efetivas para agir sobre as adversidades climáticas e garantir fixação do nordestino na terra natal, eles são obrigados a se deslocar pelo país em busca de trabalho, de educação, de melhores condições de dignidade humana. Eles não estão usurpando o direito de ninguém. Esse é um direito constitucional que assiste a qualquer cidadão.

Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz de 1984, dizia que “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”. E quando se fica do lado do opressor, você simplesmente está reproduzindo e/ou reafirmando a opressão que, muitas vezes, você mesmo já foi vítima.

A história colonial brasileira, na verdade, é exatamente essa. Enquanto colonizados, fomos considerados menores, inferiores, ignorantes, oprimidos de todas as maneiras, apesar de toda a riqueza produzida pela força e o suor de nossos antepassados, em favor da Metrópole.

Mesmo, quando a burguesia se formou no país, e passou a desfrutar de regalias e privilégios, ela permaneceu sendo vista no cenário europeu como gente de segunda classe. Nunca recebeu um tratamento realmente igualitário e equitativo. Havia sempre um senão.

Então, qual a razão para esse movimento xenofóbico regional em relação aos nordestinos? Será que se pretende realmente reproduzir esse padrão deplorável de comportamento, só para garantir uma falsa impressão de superioridade sobre o outro?

Lamento, mas, quando se destrata, humilha, desqualifica ou agride um (a) nordestino (a), o indivíduo o faz contra todos os habitantes da região nordeste brasileira, sem distinção. No entanto, nada disso muda ou apaga o fato da satisfação, do orgulho, que eles (as) têm de serem quem são. Algo que, certamente, o agressor não tem de si mesmo.

Afinal de contas, eles (as) são gente feita do mesmo barro de Patativa do Assaré (Literatura de Cordel), Jorge Amado, Castro Alves, Gonçalves Dias, João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, João Ubaldo Ribeiro, Rachel de Queiroz, Ariano Suassuna, Aluísio de Azevedo, Ferreira Gullar, Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcanti, Fabiana Karla, Dorival Caymmi, Alceu Valença, Chico César, Zé Ramalho, Djavan, Mano Walter, Ivete Sangalo, Pitty, Alcione, Daniela Mercury, Nação Zumbi, Fabio Lago, Emanuelle Araújo, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Mayana Neiva, Luci Alves, Jesuíta Barbosa, Mestre Vitalino (pai dos bonecos de barro), Joana Carneiro (Ciclogravura), Comunidade de Maragogipinho (cerâmica), Rendeiras de Ilha Grande (renda de bilro), ...

Gente que não é só importante, ou internacionalmente conhecida. É; sobretudo, gente que sabe encantar, emocionar, tocar a alma das pessoas com a força de sua identidade, de sua personalidade, de sua humanidade. Gente cuja simplicidade se faz o maior traço de grandeza que qualquer ser humano deveria querer possuir na vida.