Não
renegue suas raízes!
Por
Alessandra Leles Rocha
A memória do brasileiro anda
mesmo fraca! Esqueceram-se de que a história desse país começa justamente em
solo nordestino, quando em 22 de abril de 1500 os colonizadores portugueses chegaram
em Porto Seguro, litoral baiano?
A primeira missa foi rezada lá,
abrindo e consagrando os caminhos da fé cristã no país e depois, para as bênçãos
de toda a diversidade religiosa existente no mundo.
A primeira capital foi Salvador, entre
1549 e 1763, considerada uma cidade moderna e bem equipada, segundo a metrópole
portuguesa.
A primeira manifestação do agroexportador
foi a cana de açúcar, em 1530, plantada em grandes extensões na região
nordestina, a partir das Capitanias Hereditárias.
O mais importante quilombo, o
Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, representou 100 anos da
mais importante expressão de luta contra à escravidão, no país.
Enfim... Nossa história está com
os pés fincados no Nordeste e a ele, então, devemos muito.
Depois do seu apogeu e glória, a
ida da capital do Brasil para o Rio de Janeiro, de certa forma, arrefeceu as
relações político-administrativas e eles foram relegados a segundo plano dali
por diante.
Não fosse a sua prodigiosa
capacidade empreendedora de transformar a dádiva das suas belezas naturais e da
sua riqueza cultural em atrativos para visitantes, de todos os lugares do
mundo, talvez, tivessem realmente sucumbido aos infortúnios da desassistência.
Sim, porque eles tiram leite de
pedra para sobreviver as desventuras das desigualdades socioeconômicas que lhes
foram impostas!
Entretanto, o Nordeste brasileiro
não é só o litoral ou a chamada zona da mata, a região é dividida em outras três
sub-regiões: meio-norte, agreste e sertão.
A primeira, em razão dos benefícios
de índices pluviométricos mais satisfatórios quantitativamente, pela
proximidade com a região Amazônica, investe seus esforços no extrativismo
vegetal, na pecuária extensiva e em certos cultivos, como arroz e algodão.
A segunda é a área de transição
entre a zona da mata e o sertão semiárido, cujas condições climáticas permitem
uma agricultura de subsistência e uma pequena pecuária leiteira.
A terceira é o sertão, na
expressão da sua escassez hídrica e da sua caatinga. Com exceção das áreas
irrigadas, a partir do rio São Francisco, que produzem frutas para exportação,
o restante sobrevive aos altos e baixos da aridez regional.
E é diante dessa realidade, às
vezes aprazíveis outras muito hostis, que nesses 500 anos de história
nacional, o Nordeste tem nos ensinado, de maneira esplêndida, sobre valores
humanos que tanto andam perdidos por aí.
Coragem. Bravura. Resistência. Destemor.
Trabalho. Comunhão. Compaixão. ... Enquanto há um fiapo de esperança, o
nordestino não desiste, não entrega os pontos, não abandona a sua terra, como
tão bem descreveu Luiz Gonzaga em sua “Asa
Branca” 1.
Acontece que as adversidades nem
sempre são contornáveis e aí, nem mesmo crendo com cada centímetro da alma, com
joelhos dobrados no chão batido, é possível suportar tamanho desalento e a migração
se torna a única solução.
É, então, chegado o limite
extremo! É quando a própria fé não consegue mais cumprir a sina como o único alimento
que sustenta a sua existência nos rincões áridos do sertão. Se não partir, se não voar, ele deixará de ser
gente para ser carcaça. Ele parte de coração sangrando, bradando a promessa de
um dia voltar.
Pois é, se o Brasil rompesse com
o seu estrabismo desenvolvimentista e tivesse, desde sempre, olhado de maneira holística
o seu território, fazendo justiça a todos os seus cidadãos, jamais teríamos feito
dos nordestinos migrantes em razão do clima.
Mas, sem a oferta de quaisquer
medidas paliativas ou efetivas para agir sobre as adversidades climáticas e garantir
fixação do nordestino na terra natal, eles são obrigados a se deslocar pelo
país em busca de trabalho, de educação, de melhores condições de dignidade
humana. Eles não estão usurpando o direito de ninguém. Esse é um direito constitucional
que assiste a qualquer cidadão.
Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz
de 1984, dizia que “Se você fica neutro
em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”. E quando se fica
do lado do opressor, você simplesmente está reproduzindo e/ou reafirmando a
opressão que, muitas vezes, você mesmo já foi vítima.
A história colonial brasileira,
na verdade, é exatamente essa. Enquanto colonizados, fomos considerados
menores, inferiores, ignorantes, oprimidos de todas as maneiras, apesar de toda
a riqueza produzida pela força e o suor de nossos antepassados, em favor da Metrópole.
Mesmo, quando a burguesia se
formou no país, e passou a desfrutar de regalias e privilégios, ela permaneceu
sendo vista no cenário europeu como gente de segunda classe. Nunca recebeu um
tratamento realmente igualitário e equitativo. Havia sempre um senão.
Então, qual a razão para esse
movimento xenofóbico regional em relação aos nordestinos? Será que se pretende realmente
reproduzir esse padrão deplorável de comportamento, só para garantir uma falsa
impressão de superioridade sobre o outro?
Lamento, mas, quando se destrata,
humilha, desqualifica ou agride um (a) nordestino (a), o indivíduo o faz contra
todos os habitantes da região nordeste brasileira, sem distinção. No entanto,
nada disso muda ou apaga o fato da satisfação, do orgulho, que eles (as) têm de
serem quem são. Algo que, certamente, o agressor não tem de si mesmo.
Afinal de contas, eles (as) são gente
feita do mesmo barro de Patativa do Assaré (Literatura de Cordel), Jorge Amado,
Castro Alves, Gonçalves Dias, João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Manuel
Bandeira, João Ubaldo Ribeiro, Rachel de Queiroz, Ariano Suassuna, Aluísio de
Azevedo, Ferreira Gullar, Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcanti, Fabiana
Karla, Dorival Caymmi, Alceu Valença, Chico César, Zé Ramalho, Djavan, Mano Walter,
Ivete Sangalo, Pitty, Alcione, Daniela Mercury, Nação Zumbi, Fabio Lago,
Emanuelle Araújo, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Mayana Neiva, Luci Alves, Jesuíta
Barbosa, Mestre Vitalino (pai dos bonecos de barro), Joana Carneiro
(Ciclogravura), Comunidade de Maragogipinho (cerâmica), Rendeiras de Ilha
Grande (renda de bilro), ...
Gente que não é só importante, ou internacionalmente conhecida. É; sobretudo, gente que sabe encantar, emocionar, tocar a alma das pessoas com a força de sua identidade, de sua personalidade, de sua humanidade. Gente cuja simplicidade se faz o maior traço de grandeza que qualquer ser humano deveria querer possuir na vida.