quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Eles recebem apoio. Mas, quem apoia o cidadão, hein?


Eles recebem apoio. Mas, quem apoia o cidadão, hein?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Apesar da meteórica chuva de constrangimentos que cai sobre o Brasil, nesse período eleitoral, me parece que o pior deles passou, até certo ponto, despercebido. A notícia de que o “Governo corta R$2,4 bi do MEC e federais podem parar por falta de recursos” 1, na verdade, diz muito mais do que essas palavras podem representar.

Quaisquer afrontas à Educação brasileira, por si só, já mereceriam repúdios mil da sociedade e da classe política. É público e notório que qualquer país que preze o seu desenvolvimento e o seu progresso jamais abandonaram ou negligenciaram o seu sistema educacional, porque todas as profissões existentes passam por ele.

Para que haja contingentes de professores, de advogados, de engenheiros, de cientistas, de fisioterapeutas, de nutricionistas, etc.etc.etc., em suficiência para atender às demandas nacionais é, então, preciso que a Educação disponha de atenção e recursos. De modo que a notícia, em si, revela camadas ainda mais dramáticas do que vive o Brasil.

Olhando, com extrema perplexidade, ao “beija-mão” que se transformou a frente do Palácio do Planalto, com um entra e sai de governadores e prefeitos indo manifestar apoio à reeleição do atual Presidente da República, que foi para o segundo turno das eleições, pude perceber o tamanho do abismo que teima em engolir o país. Que a maioria deles não esteja nem aí para a Educação, de certa forma, não é surpresa! Os próprios instrumentos de pesquisa, que avaliam o sistema educacional brasileiro, revelam muito bem essa realidade.

Mas, aproveitando a memória ainda fresca em relação à Pandemia de COVID-19, a naturalização do absurdo começa a se esfacelar. Recapitulando aqueles momentos terríveis, não fosse o trabalho incansável do Sistema Único de Saúde (SUS) para atender a imensa demanda populacional acometida pela doença, até então, desconhecida, o país certamente teria alcançado a cifra de 1 milhão de mortos rápida e facilmente.

Acontece que nesse cenário houve a participação de um protagonista importantíssimo, na verdade, vários, que foram os Hospitais Universitários Federais (HUF). Segundo o site do Ministério da Educação (MEC), os HUF “são importantes centros de formação de recursos humanos na área da saúde e prestam apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão das instituições federais de ensino superior às quais estão vinculados”; além de que, “são centros de referência de média e alta complexidade para o Sistema Único de Saúde (SUS)” 2.

Para os que não sabem, “A rede de hospitais universitários federais é formada por 51 hospitais vinculados a 36 universidades federais”, localizados em cidades de médio e grande porte, constituindo-se em polos de saúde micro e macrorregionais, ou seja, eles representam um suporte de assistência médico-hospitalar de média e alta complexidade 3, para estados e municípios, extremamente importante. Como se viu durante o auge da pandemia.

Aliás, no crítico estágio pandêmico, quando se precisou suspender os serviços de especialidades médicas, para alocar todos os profissionais de saúde no atendimento de urgência e emergência nesses hospitais, revelou-se o tamanho da insuficiência quantitativa desses no país.

Houve uma dificuldade imensa de obter contingentes adicionais desses profissionais para cobrir as perdas daqueles vitimados pelo Sars-Cov-2; bem como, para revezar nos turnos de descanso e recuperação frente as longas jornadas trabalhadas.

Inclusive, tornou-se necessário na ocasião, acelerar a formatura de muitos profissionais e lançá-los às linhas de frente da pandemia, sem que ao menos tivessem ingressado nos programas de Residência Médica e afins.

Apesar do caráter de excepcionalidade imposto pela pandemia, a realidade é que a escassez de profissionais em diversas áreas da saúde incomoda recorrentemente o atendimento prestado pelo SUS 4. Certas áreas, como a Pediatria, por exemplo, carecem de número suficiente para cobrir as demandas em diversas regiões e colocam em risco a saúde de milhares de cidadãos brasileiros; sobretudo, os mais vulneráveis.

É preciso destacar que um curso de medicina, por exemplo, em média necessita de 6 anos para ser concluído. Depois, os graduados, em geral, ingressam nos Programas de Residência Médica oferecidos por cada especialidade, os quais demandam entre 2 e 4 anos dependendo da área. Isso significa que não se forma um contingente médico da noite para o dia, em um piscar de olhos.

No Brasil, segundo o Sistema de Seleção Unificada (SISU) existem 58 cursos públicos de graduação em Medicina, distribuídos entre federais e estaduais.  Então, pare e pense sobre o tamanho do prejuízo que esses cortes no orçamento das universidades representam para a formação desses futuros médicos.

Ora, a área medica não se constitui somente de médicos (as), e os (a) enfermeiros (as), os (as) fisioterapeutas, os (as) nutricionistas, os (as) psicólogos, os (as) dentistas, os (as) terapeutas ocupacionais, os (as) educadores físicos, os (as) farmacêuticos, hein? Como negligenciar a formação de todos eles (as)?

Há um custo social incomensurável nesse processo de abandono e desmantelamento educacional que está em curso, no país, e que ultrapassa a fronteira da percepção popular. E por incrível que pareça, certos governadores e prefeitos demonstram não se importar a mínima a esse respeito. Estavam lá, pomposos, elegantes, sorridentes, tirando fotografia ao lado daquele que acabou de concordar com o corte de R$2,4 bi do MEC, sinalizando uma importante reverberação negativa sobre o SUS.  

É nessas horas que eu não posso deixar de lembrar uma citação de Mahatma Gandhi. Segundo ele, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. Que o Sars-Cov-2 não invente de recrudescer! Que quaisquer outras doenças não decidam se tornar epidemias ou pandemias, nos próximos dias, meses ou anos! Que catástrofes climáticas não promovam o adoecimento de ninguém! Que a miséria e a fome não se convertam em doenças complexas! Porque Educação e Saúde, no Brasil, ao que tudo indica, estão a mercê da própria sorte!