Eles
recebem apoio. Mas, quem apoia o cidadão, hein?
Por
Alessandra Leles Rocha
Apesar da meteórica chuva de
constrangimentos que cai sobre o Brasil, nesse período eleitoral, me parece que
o pior deles passou, até certo ponto, despercebido. A notícia de que o “Governo corta R$2,4 bi do MEC e federais
podem parar por falta de recursos” 1, na
verdade, diz muito mais do que essas palavras podem representar.
Quaisquer afrontas à Educação
brasileira, por si só, já mereceriam repúdios mil da sociedade e da classe
política. É público e notório que qualquer país que preze o seu desenvolvimento
e o seu progresso jamais abandonaram ou negligenciaram o seu sistema
educacional, porque todas as profissões existentes passam por ele.
Para que haja contingentes de
professores, de advogados, de engenheiros, de cientistas, de fisioterapeutas,
de nutricionistas, etc.etc.etc., em suficiência para atender às demandas
nacionais é, então, preciso que a Educação disponha de atenção e recursos. De modo
que a notícia, em si, revela camadas ainda mais dramáticas do que vive o
Brasil.
Olhando, com extrema
perplexidade, ao “beija-mão” que se
transformou a frente do Palácio do Planalto, com um entra e sai de governadores
e prefeitos indo manifestar apoio à reeleição do atual Presidente da República,
que foi para o segundo turno das eleições, pude perceber o tamanho do abismo que
teima em engolir o país. Que a maioria deles não esteja nem aí para a Educação,
de certa forma, não é surpresa! Os próprios instrumentos de pesquisa, que
avaliam o sistema educacional brasileiro, revelam muito bem essa realidade.
Mas, aproveitando a memória ainda
fresca em relação à Pandemia de COVID-19, a naturalização do absurdo começa a
se esfacelar. Recapitulando aqueles momentos terríveis, não fosse o trabalho
incansável do Sistema Único de Saúde (SUS) para atender a imensa demanda
populacional acometida pela doença, até então, desconhecida, o país certamente
teria alcançado a cifra de 1 milhão de mortos rápida e facilmente.
Acontece que nesse cenário houve
a participação de um protagonista importantíssimo, na verdade, vários, que
foram os Hospitais Universitários Federais (HUF). Segundo o site do Ministério
da Educação (MEC), os HUF “são
importantes centros de formação de recursos humanos na área da saúde e prestam
apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão das instituições federais de ensino
superior às quais estão vinculados”; além de que, “são centros de referência de média e alta complexidade para o Sistema
Único de Saúde (SUS)” 2.
Para os que não sabem, “A rede de hospitais universitários federais
é formada por 51 hospitais vinculados a 36 universidades federais”,
localizados em cidades de médio e grande porte, constituindo-se em polos de
saúde micro e macrorregionais, ou seja, eles representam um suporte de assistência
médico-hospitalar de média e alta complexidade 3,
para estados e municípios, extremamente importante. Como se viu durante o auge
da pandemia.
Aliás, no crítico estágio pandêmico,
quando se precisou suspender os serviços de especialidades médicas, para alocar
todos os profissionais de saúde no atendimento de urgência e emergência nesses
hospitais, revelou-se o tamanho da insuficiência quantitativa desses no país.
Houve uma dificuldade imensa de obter
contingentes adicionais desses profissionais para cobrir as perdas daqueles vitimados
pelo Sars-Cov-2; bem como, para revezar nos turnos de descanso e recuperação
frente as longas jornadas trabalhadas.
Inclusive, tornou-se necessário na
ocasião, acelerar a formatura de muitos profissionais e lançá-los às linhas de frente
da pandemia, sem que ao menos tivessem ingressado nos programas de Residência
Médica e afins.
Apesar do caráter de excepcionalidade
imposto pela pandemia, a realidade é que a escassez de profissionais em
diversas áreas da saúde incomoda recorrentemente o atendimento prestado pelo
SUS 4. Certas áreas, como a Pediatria, por
exemplo, carecem de número suficiente para cobrir as demandas em diversas
regiões e colocam em risco a saúde de milhares de cidadãos brasileiros;
sobretudo, os mais vulneráveis.
É preciso destacar que um curso
de medicina, por exemplo, em média necessita de 6 anos para ser concluído. Depois,
os graduados, em geral, ingressam nos Programas de Residência Médica oferecidos
por cada especialidade, os quais demandam entre 2 e 4 anos dependendo da área.
Isso significa que não se forma um contingente médico da noite para o dia, em
um piscar de olhos.
No Brasil, segundo o Sistema de
Seleção Unificada (SISU) existem 58 cursos públicos de graduação em Medicina, distribuídos
entre federais e estaduais. Então, pare
e pense sobre o tamanho do prejuízo que esses cortes no orçamento das
universidades representam para a formação desses futuros médicos.
Ora, a área medica não se
constitui somente de médicos (as), e os (a) enfermeiros (as), os (as) fisioterapeutas,
os (as) nutricionistas, os (as) psicólogos, os (as) dentistas, os (as)
terapeutas ocupacionais, os (as) educadores físicos, os (as) farmacêuticos,
hein? Como negligenciar a formação de todos eles (as)?
Há um custo social incomensurável
nesse processo de abandono e desmantelamento educacional que está em curso, no
país, e que ultrapassa a fronteira da percepção popular. E por incrível que
pareça, certos governadores e prefeitos demonstram não se importar a mínima a
esse respeito. Estavam lá, pomposos, elegantes, sorridentes, tirando fotografia
ao lado daquele que acabou de concordar com o corte de R$2,4 bi do MEC,
sinalizando uma importante reverberação negativa sobre o SUS.
É nessas horas que eu não posso
deixar de lembrar uma citação de Mahatma Gandhi. Segundo ele, “Um homem não pode fazer o certo numa área
da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.
Que o Sars-Cov-2 não invente de recrudescer! Que quaisquer outras doenças não decidam
se tornar epidemias ou pandemias, nos próximos dias, meses ou anos! Que catástrofes
climáticas não promovam o adoecimento de ninguém! Que a miséria e a fome não se
convertam em doenças complexas! Porque Educação e Saúde, no Brasil, ao que tudo
indica, estão a mercê da própria sorte!