A
criatividade não cabe em gaiolas
Por
Alessandra Leles Rocha
Há um lamentável equívoco, entre a
sociedade contemporânea, em querer acreditar que a criatividade humana está
condicionada à efervescência das redes sociais, medida a partir de curtidas e
não curtidas. Independentemente de quaisquer ferramentas tecnológicas, a ação
de criar do pensamento não se interrompe por isso ou aquilo. Um gatilho
emocional, psicológico, afetivo, é disparado à revelia e as ideias vão sendo
tecidas e transformadas em obras que marcam a existência humana.
Portanto, a criatividade é catártica.
Ela é o impulso de liberação, de expulsão, de purificação de tudo aquilo que
existe reprimido dentro de cada indivíduo, diante da impossibilidade de não o
fazer. Ser criativo não é uma questão de querer, é uma questão de precisar. Trata-se
de uma necessidade existencial imperiosa no sentido de nos fazer caber dentro
do tecido social. Entretanto, sem a obrigação de agradar ou de arrebanhar as
mais distintas plateias. Virginia Woolf, por exemplo, chegou a dizer que “Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser
lido é um prazer superficial”.
Talvez, por isso, essa balança
que se estabeleceu entre a criatividade e o midiatismo conduziu as pessoas a um
abismo, no qual o ser criativo só aparece mediante o aceno dos aplausos e de
quaisquer outras contrapartidas. Como se a criatividade tivesse sido reduzida
aos apelos de uma pseudomercantilização. O que retira dela muito do seu caráter
genuíno, cristalino, para atender a certos quesitos, certos protocolos, certas
regras impostas aleatória e inconvenientemente. Uma tentativa, quem sabe, de
automatizar e de controlar a criatividade para que ela atenda a outros
objetivos além dos que lhes são efetivamente basilares.
Acontece que tudo aquilo que se reveste
por algum tipo de obrigação perde a beleza, o brilho, a identidade. De repente,
a criatividade entrou na roda da homogeneização social, como se todos pensassem
iguais, falassem iguais, se comportassem iguais, constituindo uma
impossibilidade de fazer resplandecer o novo e de agregá-lo aos processos metamórficos
que se sucedem nas relações sociais. Mas, se ela não seguir por esse caminho
ela deixa de caber, ela perde a permissão de se visibilizar, de existir, pelo
menos no que diz respeito aos espaços midiáticos.
Contudo,
me parece haver um erro de cálculo nessa história. Será mesmo que todos os
seres humanos, de fato, se sentiriam impactados por essa exibição de força das mídias
sociais? Apesar de todos os apelos do mundo contemporâneo, nesse sentido, será
mesmo que todos querem fazer da sua criatividade uma moeda de troca para sua
autovisibilização, para os seus quinze minutos de fama? Porque se for assim, é
sinal de que a raça humana está fadada a ser nivelada por um mesmo padrão
sociocomportamental, aniquilando por completo as suas chances de se manter
diversa e plural criativamente. Um sinal de que a criatividade, realmente, não
significa mais nada para a humanidade.
Em uma breve passada de olhos por
aí, já respiro aliviada por perceber a presença de vários heróis da resistência
no campo criativo. Que bom, nem tudo está perdido! A criatividade ainda pulsa! Livre.
Genuína. Alegre. Feliz. Talvez, visível a um círculo de pessoas que realmente
valha a pena; pois, não é a quantidade, mas a qualidade humana o que mais
importa. Porque é nisso que reside a troca, a discussão, a reflexão, a
construção e a renovação do pensamento humano. Quando há pessoas dispostas a
realizar esse movimento interativo e não apenas, transitar na superficialidade
das criações.
Lembre-se do que escreveu Charles
Dickens, “A verdadeira diferença entre a
construção e a criação é esta: uma coisa construída só pode ser amada depois de
construída, mas uma coisa criada ama-se mesmo antes de existir”, porque “Manifestar o inexpressivo é criar” (Clarice
Lispector – A Paixão Segundo G. H.). Assim, “A criação de algo novo é consumada pelo intelecto, mas despertado pelo
instinto de uma necessidade pessoal. A mente criativa age sobre algo que ela
ama” (Carl Gustav Jung), por isso, ela é um pássaro atemporal, que jamais esteve
sob o cativeiro de nenhuma gaiola tecnológica. Pelo menos, é o que prova a própria
história da humanidade!