domingo, 9 de outubro de 2022

A criatividade não cabe em gaiolas


A criatividade não cabe em gaiolas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há um lamentável equívoco, entre a sociedade contemporânea, em querer acreditar que a criatividade humana está condicionada à efervescência das redes sociais, medida a partir de curtidas e não curtidas. Independentemente de quaisquer ferramentas tecnológicas, a ação de criar do pensamento não se interrompe por isso ou aquilo. Um gatilho emocional, psicológico, afetivo, é disparado à revelia e as ideias vão sendo tecidas e transformadas em obras que marcam a existência humana.

Portanto, a criatividade é catártica. Ela é o impulso de liberação, de expulsão, de purificação de tudo aquilo que existe reprimido dentro de cada indivíduo, diante da impossibilidade de não o fazer. Ser criativo não é uma questão de querer, é uma questão de precisar. Trata-se de uma necessidade existencial imperiosa no sentido de nos fazer caber dentro do tecido social. Entretanto, sem a obrigação de agradar ou de arrebanhar as mais distintas plateias. Virginia Woolf, por exemplo, chegou a dizer que “Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial”.

Talvez, por isso, essa balança que se estabeleceu entre a criatividade e o midiatismo conduziu as pessoas a um abismo, no qual o ser criativo só aparece mediante o aceno dos aplausos e de quaisquer outras contrapartidas. Como se a criatividade tivesse sido reduzida aos apelos de uma pseudomercantilização. O que retira dela muito do seu caráter genuíno, cristalino, para atender a certos quesitos, certos protocolos, certas regras impostas aleatória e inconvenientemente. Uma tentativa, quem sabe, de automatizar e de controlar a criatividade para que ela atenda a outros objetivos além dos que lhes são efetivamente basilares.

Acontece que tudo aquilo que se reveste por algum tipo de obrigação perde a beleza, o brilho, a identidade. De repente, a criatividade entrou na roda da homogeneização social, como se todos pensassem iguais, falassem iguais, se comportassem iguais, constituindo uma impossibilidade de fazer resplandecer o novo e de agregá-lo aos processos metamórficos que se sucedem nas relações sociais. Mas, se ela não seguir por esse caminho ela deixa de caber, ela perde a permissão de se visibilizar, de existir, pelo menos no que diz respeito aos espaços midiáticos.

Contudo, me parece haver um erro de cálculo nessa história. Será mesmo que todos os seres humanos, de fato, se sentiriam impactados por essa exibição de força das mídias sociais? Apesar de todos os apelos do mundo contemporâneo, nesse sentido, será mesmo que todos querem fazer da sua criatividade uma moeda de troca para sua autovisibilização, para os seus quinze minutos de fama? Porque se for assim, é sinal de que a raça humana está fadada a ser nivelada por um mesmo padrão sociocomportamental, aniquilando por completo as suas chances de se manter diversa e plural criativamente. Um sinal de que a criatividade, realmente, não significa mais nada para a humanidade.

Em uma breve passada de olhos por aí, já respiro aliviada por perceber a presença de vários heróis da resistência no campo criativo. Que bom, nem tudo está perdido! A criatividade ainda pulsa! Livre. Genuína. Alegre. Feliz. Talvez, visível a um círculo de pessoas que realmente valha a pena; pois, não é a quantidade, mas a qualidade humana o que mais importa. Porque é nisso que reside a troca, a discussão, a reflexão, a construção e a renovação do pensamento humano. Quando há pessoas dispostas a realizar esse movimento interativo e não apenas, transitar na superficialidade das criações.

Lembre-se do que escreveu Charles Dickens, “A verdadeira diferença entre a construção e a criação é esta: uma coisa construída só pode ser amada depois de construída, mas uma coisa criada ama-se mesmo antes de existir”, porque “Manifestar o inexpressivo é criar” (Clarice Lispector – A Paixão Segundo G. H.). Assim, “A criação de algo novo é consumada pelo intelecto, mas despertado pelo instinto de uma necessidade pessoal. A mente criativa age sobre algo que ela ama” (Carl Gustav Jung), por isso, ela é um pássaro atemporal, que jamais esteve sob o cativeiro de nenhuma gaiola tecnológica. Pelo menos, é o que prova a própria história da humanidade!