segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Será mesmo que tudo se resume ao “de repente”?


Será mesmo que tudo se resume ao “de repente”?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

E quem liga para estatísticas? Os tornados parecem que não. A Natureza decidiu não dar a mínima atenção para os padrões habituais e, simplesmente, agiu em resposta às mudanças climáticas. Como eu já havia escrito outras vezes, não importa se os países irão ou não assinar os acordos, se acreditam ou não na gravidade do cenário ambiental, a realidade é implacável e contra a sua impetuosidade imprevisível quase nada se pode fazer.

Enquanto as últimas semanas vêm sendo movimentadas por atritos e rusgas geopolíticas entre os norte-americanos e os russos, o meio ambiente que não tem nada a ver com a história mudou abruptamente o foco das importâncias. Uma série de pelo menos 30 tornados atingiu o sudeste do país, na última sexta-feira, causando estragos nos estados de Illinois, Missouri, Mississipi, Arkansas, Kentucky e Tennessee.

Habituados com o fenômeno acontecendo entre os meses de maio e junho, o país foi pego de surpresa. E apesar de serem necessários estudos e análises mais profundas sobre o ocorrido, dentre as especulações já manifestadas “a temperatura atipicamente quente observada em parte do país na véspera, bastante acima das médias de dezembro em algumas áreas” 1 é a mais plausível.

E se lá são os tornados, por aqui são enchentes em larga escala que promovem a destruição. 31 cidades mineiras, na região do Vale do Jequitinhonha e leste do estado, estão em situação de emergência por causa dos temporais 2. O mesmo acontece no extremo sul da Bahia, onde “cerca de 2 mil pessoas estão desabrigadas”3. Enquanto outras regiões como os estados de São Paulo e do Paraná apresentam volumes pluviométricos aquém das expectativas para o período.

Então, diante dessas tragédias, até certo ponto anunciadas, me chega o desconforto em perceber como as pessoas permanecem alheias aos fatos. Pois é, enquanto se debruçam em discutir questões imersas em grandes volumes de incerteza, em se aterem as espumas que aparecem sobre a fervura em altas temperaturas e pressões, negligenciam a grande verdade que está impressa na imprevisibilidade salpicada aos montes dentro e fora das nossas linhas territoriais.

Queiram ou não admitir são essas “pequenas surpresas” que mudam o rumo dos acontecimentos e desmontam as certezas em um piscar de olhos. Sim, porque elas têm o potencial devastador de impactar as economias de diferentes maneiras, especialmente, as mais fragilizadas. Elas exigem habilidades e competências administrativas no campo do imediatismo e da urgência, que nem todos os gestores dispõem. Elas rompem os planejamentos e as estratégias com uma facilidade descomunal, exigindo recomeçar do zero sem questionar.

Ora, populações afligidas por esse tipo de conjuntura se tornam requerentes de amparo social múltiplo, na medida em que suas perdas são materiais e imateriais. Não é força de expressão afirmar que os sobreviventes das catástrofes ambientais renascem, porque é isso o que acontece. Esse tipo de experiência promove um reset em suas vidas, de modo que eles vão precisar ser reinseridos na sociedade. Novos documentos, vestuário, moradia, trabalho, escola, alimentação, ... absolutamente tudo, dentro de um movimento de ressignificação identitária profundo e doloroso.

Sem contar, que no caso das tragédias ambientais, elas impõem desafios de saúde pública que não podem ser menosprezados. Os cenários de insalubridade podem desencadear rapidamente epidemias de Cólera, Dengue, Febre Tifoide, Hepatites A e E, Leptospirose e Tétano, causando sobrecarga nos serviços de saúde e demandando um planejamento logístico que não comprometa o fluxo natural dos demais atendimentos.

Pois, a presença de água contaminada pela ruptura dos sistemas hidráulicos e de esgoto das cidades, o transbordamento de rios, reservatórios e lagos, a disseminação de todo tipo de resíduos pelos espaços urbanizados e não urbanizados (em decomposição ou não), representam uma ameaça à saúde das populações atingidas. Pois, quase sempre, elas acabam tendo contato direto com esses materiais contaminados, seja durante as buscas entre os escombros, seja tentando realizar a limpeza dos imóveis ou, apenas, transitando pelas vias alagadas ou enlameadas.

De repente, esses acontecimentos nos trazem uma outra dimensão de perspectiva para a realidade. Não, não dá para permanecer ensimesmado, arraigado a respeito disso ou daquilo. Discutindo hipóteses, conjecturas estabelecidas à margem da realidade presente, do tempo presente. Porque o insólito não permite. Ele está sempre à espreita, aguardando a primeira oportunidade para chacoalhar tudo, revirar o mundo de ponta cabeça, puxar o tapete da vida e nos jogar de joelhos no chão. Não dá tempo nem para pensar. Quem tenta orar, acaba ficando só no “Ai, meu Deus! ”.  

Posso até entender que discutir ideias, jogar conversa fora ou brigar por futilidades é bem mais fácil do que arregaçar as mangas e fazer a própria parte nesse mundo. No entanto, isso não muda o fato de que, mais dia menos dia, a qualquer momento a obrigação bate na porta, quase sempre sem bons modos. Essa história de ficar em cima do muro, só espiando, nunca acaba bem. Porque o tempo que se perde com as inutilidades, com tudo aquilo que não é prático ou objetivo, impõe uma pena pesada, de arrastar correntes de desdobramentos e consequências, sem fim.

Como diz uma certa oração, “Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”. Porque, isso resume, de alguma forma, o fato de que “Se você pode ver o seu caminho indicado na sua frente, passo a passo, saiba que não é seu caminho. O seu próprio caminho você faz com cada passo que dá. É por isso que é o seu caminho” (Joseph Campbell – escritor norte-americano). Afinal, “Dentro de nós está o poder de nosso consentimento para a saúde e a doença, a riqueza e a pobreza, a liberdade e a escravidão. Somos nós que controlamos isso, e não os outros” (Richard Bach – escritor norte-americano).

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