quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Bem-vindos à lei do retorno!



Bem-vindos à lei do retorno!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ninguém em sã consciência se opõe ao atendimento emergencial da imensa legião de vulneráveis que se expande a cada dia no Brasil. Mas, deveriam se opor, com toda razão, ao fato dessa ajuda vir dissociada de uma política pública bem estruturada e capaz de promover o verdadeiro resgate de cidadania dessas pessoas, partindo tanto da educação e qualificação quanto da geração de emprego e renda.

É claro que essa transformação não acontece da noite para o dia. Entretanto, com um bom planejamento e dinamismo na execução, os resultados positivos não tardam a aparecer. Pena, que no Brasil ... tudo seja tão desgastante. Falta investimento. Faltam projetos. Faltam recursos humanos. Falta vontade. Falta empenho. Falta... E as mazelas desafiam o tempo, enquanto esgarçam os últimos fiapos de esperança da população. Pois, aquilo que era para ser uma ação política afirmativa, no fim das contas se molda em politicagem barata e de fim meramente eleitoreiro.

Mais um exemplo disso estampa as manchetes dos veículos de comunicação e informação, o tal “Auxílio Brasil 2022”. Simplesmente o governo federal quer capitalizar politicamente com a transformação do programa “Bolsa Família”, criado em 2003, ampliando o valor remuneratório. Acontece que, nesses últimos quase três anos de gestão, a verdade é que o governo “meteu os pés pelas mãos” e gastou muito e mal os recursos públicos, ficando em uma posição econômica bastante delicada em relação ao chamado “teto de gastos”.

Trata-se da Emenda Constitucional n. º 95, cuja criação teve por objetivo evitar o crescimento da relação dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) por meio da contenção das despesas públicas, ou seja, demonstrar no cenário econômico nacional e internacional o comprometimento responsável do governo federal, no sentido de não gastar além da sua capacidade orçamentária.

No entanto, considerando mais a visão política do que a administrativa e econômica, a atual gestão vem lutando para desconstruir as bases desse regime fiscal. Por isso, há alguns dias o mercado financeiro vive em constante sobressalto com a possibilidade de uma eventual “licença para furar o teto” e, assim, conseguir arcar com o ônus de um auxílio no valor de R$400.

Ocorre que nas entrelinhas da ideia desse “Auxílio Brasil 2022” está primeiramente o fato dele ser um programa assistencial de caráter temporário, ou seja, a ser finalizado em dezembro do próximo ano. Depois de todos os desdobramentos socioeconômicos advindos da pandemia, com repercussões significativas dentro e fora do país, é impossível imaginar que tanto as parcelas historicamente já vulnerabilizadas pelas desigualdades sociais quanto aquelas que se incorporam em virtude dos recentes acontecimentos, consigam se reorganizar financeiramente em tão curto espaço de tempo.

Além disso, ele não traz quaisquer propostas adicionais de políticas públicas a serem implementadas concomitantemente ao auxílio, para que pudesse existir uma possibilidade de resgate de cidadania para esse contingente da população. Considerando as atuais e recentes estatísticas do desemprego no país, sem acesso à educação, a qualificação e as oportunidades de geração de emprego e renda, como sobreviveriam a partir de 2023?

De modo que esse gasto vultoso, que pretende ser operacionalizado a partir da ruptura com o “teto de gastos” não só não resolveria o problema social urgente que vive o país; mas, também, deixaria um rombo extra às contas públicas para a gestão federal que se inicia em janeiro de 2023. Segundo o próprio Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas, publicado pelo Ministério da Economia em setembro deste ano, a projeção para as contas públicas em 2021 já é deficitária em R$139,4 bilhões. E a estimativa é de que esse novo auxílio custe mais de R$60 bilhões aos cofres públicos, então...

Não é à toa o mal-estar sentido pelo mercado financeiro, porque há tempos a economia brasileira tem um desafio estrutural nas suas contas públicas. De modo que a espiral de problemas já sinaliza uma desvalorização do real em relação ao dólar, o aumento da inflação e dos juros, e a redução do crescimento econômico. Então, o abandono do “teto de gastos” abre um precedente perigosíssimo para a estabilidade do país, em todos os sentidos. Como escreveu Italo Calvino, “É como um poço sem fundo. Voltamos a sentir o apelo do nada, a tentação de cair, de nos rejuntarmos a uma obscuridade que nos convoca”.

No fim das contas, o que se sente diante desses acontecimentos é uma compreensão bruta e dolorosa de que “decepção contínua e desilusão, bem como a natureza geral da vida, apresentam-se como previsto e calculado para despertar a convicção de que nada vale nossos esforços, e nossas lutas, que todas as coisas boas estão vazias e fugazes, que o mundo em todos os lados está falido, e que a vida é um negócio que não cobre os custos...”[1] (Arthur Schopenhauer – filósofo alemão). Isso, talvez, explique porque não haja mais espaço para a graça e, nem tampouco, razão para gargalhar. Bem-vindos à lei do retorno!

   


[1] SCHOPENHAUER, A. The world as will and representation. Dover Publications, 1969. p.574. v.2.

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