terça-feira, 10 de agosto de 2021

Pois é...


Pois é...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Será esse o cúmulo do ridículo? Sim, porque transformar blindados de guerra em “office boys”, para entregar convite de treinamento militar, é um contrassenso sem precedentes. Um acinte ao uso do dinheiro público, sem contar, uma afronta ao Meio Ambiente, tendo em vista que tais veículos são movidos a diesel, um combustível altamente poluente. Numa tacada só, o governo conseguiu todos esses feitos bizarros e desnecessários. Pois é, não é por falta de problemas que o país se dá ao luxo de brincar dessa maneira.

Enquanto as dívidas públicas só fazem crescer e o emprego de manobras para sustentá-las ameaça não resistir por muito tempo, as atenções não deveriam se dispersar dessa maneira. Sim, porque não bastasse um orçamento com valores bem superiores a capacidade do país, surgiram despesas vultosas de um chamado “orçamento paralelo” e uma avalanche de outras propostas populistas, cujo único objetivo é angariar apoio à reeleição do Presidente da República e seus asseclas.

De modo que o “teto de gastos”, que é um mecanismo instituído por emenda constitucional, aprovada em 2016, para evitar despesas excessivas pela União, já dá sinais claros de ter extrapolado o seu limite.

Aliás, essa despreocupação com a perda de credibilidade do país no cenário econômico já se faz tão visível, que o governo não se constrangeu em trazer ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para abrir espaço no orçamento, a fim de custear um novo programa social em substituição ao Bolsa Família.

A ideia é permitir ao governo o parcelamento, em até 10 vezes, a partir de 2022, dos precatórios, que são dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas e entes da Federação, cujas decisões judiciais não são mais passiveis de recurso e, portanto, devem ser pagas pelo governo. O que não passa de um malabarismo criativo na contabilidade nacional.

E isso não é um bom sinal. Esse somatório de situações, inevitavelmente, tende a levar o país a ter cada vez menos possibilidade de recursos para investimento em políticas públicas, atendimento as necessidades fundamentais de sua população.

Em suma, a economia do país pode travar porque deixam de ser operacionalizadas, principalmente, as engrenagens que movimentam as infraestruturas das cadeias produtivas nacionais. Considerando que, ano a ano, o país demonstra cada vez mais demanda por melhorais no sistema de escoamento de produtos, na ampliação das matrizes energéticas sustentáveis, nos investimentos científicos e tecnológicos para o desenvolvimento do agronegócio, mineração e indústria.

O pior é que não para por aí. Com todo o apoio do governo, a Câmara dos Deputados trabalha na aprovação de uma outra Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para alterar o sistema eleitoral brasileiro.

Sem ampla discussão popular, como deveria ser, dentre as pautas está o modelo eleitoral chamado de “distritão”, o qual significa que são eleitos os candidatos mais votados, sem a necessidade de cálculos adicionais, como acontece hoje. Portanto, deixa-se de priorizar o apoio aos partidos, para que políticos mais conhecidos sejam beneficiados, o que diminui a alternância e a diversidade de representação.

Mas, não é só isso! Sem perceber a existência de certa contradição com a ideia do “distritão”, a Câmara também traz à tona a proposta de retomada das coligações partidárias para eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores). O que significa ampliar o capital político a partir de articulações políticas com vários partidos.

Assim, caso o candidato pertença a uma coligação, ele conta, além dos votos destinados ao seu partido, com aqueles destinados aos coligados; pois, a coligação é vista como um único partido, o que faz aumentar as probabilidades de conseguir cadeiras para candidatos de pequenos partidos.

No fim das contas, o Brasil não vive o hoje, o agora. Suas perspectivas e expectativas políticas estão lançadas, desde 2019, para 2022. Manterem-se no poder é a prioridade de sempre; governar, cumprir as obrigações constitucionais pertinentes ao cargo, é secundário.

Há, portanto, um sentimento narcísico que envolve os representantes do poder nacional, a tal ponto que eles passam a viver em função de si mesmos, pela sobrevivência dos seus delírios e poderes. No fundo, pulsa forte uma alma monárquica, absolutista, na República Federativa do Brasil.

Sendo assim, tudo vira espetáculo, encenação, caricatura. Afinal, como escreveu George Orwell, em seu livro “1984”, estamos diante do fenômeno de “duplipensar”, ou seja, “o poder de manter duas crenças contraditórias na mente ao mesmo tempo, de contar mentiras deliberadas e ao mesmo tempo acreditar genuinamente nelas, e esquecer qualquer fato que tenha se tornado inconveniente”. Mas, não se preocupe, apesar dos pesares, “é impossível criar uma civilização baseada no medo, no ódio e na crueldade. Uma sociedade assim não pode perdurar”.