sábado, 31 de julho de 2021

Bem mais do que palavras...


Bem mais do que palavras...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Bem mais do que bilhões de pessoas, o mundo é a infinitude existencial expressa pelas palavras. A existência e a sobrevivência humana se estrutura, de maneira dependente, por meio das linguagens, verbais e não verbais, e se consolida por uma expressão identitária própria, que é a língua.

Portanto, o sucesso e o fracasso da raça humana sobre a Terra, não se baseiam somente pela qualidade e organização de suas ideias, em discursos e narrativas; mas, em uma habilidade e competência, muito maior, para transitar com desenvoltura pelos campos da sua língua materna. Tanto que, Rui Barbosa já alertava para o fato de que, “A degeneração de um povo, de uma nação ou raça, começa pelo desvirtuamento da própria língua”.

Daí a alegria imensa em saber que o Museu da Língua Portuguesa, localizado na Estação da Luz, em São Paulo, reabre ao público a partir de amanhã, depois de ser reconstruído, por conta de um incêndio, em 2015, quando grande parte da estrutura e do acervo foi totalmente destruída. Ele é, portanto, um pilar fundamental para o resgate da língua materna nacional.

Afinal, quando se fala na Língua Portuguesa, infelizmente, há uma associação direta ao academicismo da escola, ou seja, aulas diárias, com exaustiva dedicação à norma gramatical, distanciando-se das variantes resultantes da prática da língua em diferentes contextos.

Qualquer um que tenha frequentado a escola, no Brasil, sabe da inexistência de uma formação linguística reflexiva, capaz de oferecer ao aluno cidadão, uma compreensão sobre as origens dessa língua, sua importância socioeconômica, seus papeis sociais, suas variantes, seus sotaques, enfim.

No entanto, todos se recordam das longas conjugações de verbos, que, no fim das contas, não traduzem se sabemos, ou não, a função de cada modo ou tempo verbal, dada a imposição mecânica de repeti-los sem pensar a respeito. Das análises sintáticas repletas de frases soltas, descontextualizadas, que tomavam horas e horas do tempo de estudo, na época do vestibular. Da aprendizagem e reaprendizagem ortográfica, cumprindo as demandas de novos acordos firmados pelos países lusófonos. ...

Tudo muito burocrático; mas, com tão pouca significância para o indivíduo, que ele acabava esquecendo na primeira oportunidade. A reabertura do Museu, então, emerge um outro viés de contato com a Língua Portuguesa. Não só pelo caráter contextualizador; mas, porque abre espaço para um aprendizado sem obrigações, avaliações, notas.

Ir a um museu é uma escolha, por isso, essa decisão chega repleta de expectativas e perspectivas a serem desvendadas. O que faz pensar e concordar que “Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim “affetare”, quer dizer “ir atrás”. É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado” (Rubem Alves – teólogo, pedagogo, poeta e filósofo brasileiro). Mas, também, entender que “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca [...]” – Paulo Freire – pedagogo e filósofo brasileiro).

Isso explica porque grandes líderes mundiais, do passado e da atualidade, não medem esforços à valorização da Educação e da Cultura de seus países; sobretudo, no que diz respeito a língua. Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, por exemplo, dizia que “Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração”. Porque essa não é só uma manifestação de cordialidade; mas, de profundo respeito pela cultura do outro, pela identidade do outro.

Então, o Museu da Língua Portuguesa, assim como, todas as bibliotecas e espaços nacionais dedicados à língua, são verdadeiros arautos de cidadania, porque traçam outras possibilidades de acesso, não só à Língua Portuguesa; mas, à Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 1, as línguas indígenas2 e as línguas indígenas de sinais 3. Bem como, a compreensão sobre a Lusofonia, ou seja, um conjunto de países, cuja língua oficial ou dominante é o Português - Portugal, Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Goa, Damão, Macau e Timor Leste.

Dentro desse contexto, então, além de ampliar o conhecimento sobre a identidade cultural que permeia a Língua Portuguesa, quem sabe, não se torna possível experimentar profundas rupturas com os mais indesejáveis valores retrógrados nacionais, cujas heranças malditas, na forma e/ou no conteúdo, insistem em permanecer impregnadas nas palavras, na ponta da língua, de muitos por aí.  



1 Reconhecida pela lei n.º 10.436/2002, como meio legal de comunicação e expressão dos surdos.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Ardendo em consumição


Ardendo em consumição

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O fogo não foi o responsável pela destruição. Ela começou antes, bem antes, quando os apelos, as súplicas, as reportagens, as medidas judiciais já sinalizavam o grau de abandono e de deterioração da instalação cultural, a Cinemateca Brasileira. Ou se formos mais profundos e metódicos, até poderemos perceber que foi, ainda mais, anterior a todo esse processo. Quando a destruição emergiu na mente de algumas pessoas, como mecanismo capaz de dar forma a outra cultura, a do cancelamento ou negação.

Não se trata, simplesmente, de apagar os registros da história no campo cultural, a fim de romper definitivamente com quaisquer possibilidades de acesso. Não, é pior do que isso. É negar que um dia aquela história existiu para que se justifique tecer uma outra, formulada e moldada, segundo os interesses e as necessidades de quem está no poder. Trata-se de constituir um mecanismo de controle sobre as formas e conteúdos das expressões culturais no país.  

Os que pensam assim pretendem instituir uma nova ordem e, para isso, é preciso desfazer do que já existe, dar um reset em décadas de conhecimentos adquiridos e armazenados. Como se a vida pudesse se constituir a partir do novo, que chega pela arbitrariedade impositiva, sem possibilidade alguma de escolha, de decisão, cujo propósito é homogeneizar o pensamento, a criatividade e a expressão das pessoas. Sem contar que, segundo George Orwell, “a história é escrita pelos vencedores”, e é assim, que eles se entendem.

Pois é, Pedro Bandeira, então, acertou em cheio quando criou a personagem Doutor Q.I., no livro A Droga da Obediência, de 1984. Afinal, o mundo sempre flertou com o risco de mentes desejosas por subjugar a humanidade as suas vontades e quereres, muito além da ficção. Afinal, esse é o Fascismo, a ideologia política, de caráter ultranacionalista e autoritária, em geral, manifesta pelo poder ditatorial e repressor, assegurada por forte apelo persuasivo social e econômico.

Algo que nunca se manteve distante da realidade do mundo, seja antes ou depois das Grandes Guerras. E a explicação para isso é muito simples, sede de poder. Basta alguém com o caráter deformado, a mente doentia, para colocar em curso o Fascismo, porque, logo, outros com o mesmo perfil identitário se aproximam e se aliam ao projeto. Razão pela qual essa ideologia consegue sobreviver ao longo do tempo, passando de geração a geração, se adequando as especificidades de cada lugar.

E o que dá suporte para essa empreitada é justamente o controle dos meios de comunicação em massa e das informações oriundas, principalmente, da Educação e da Cultura. Porque, segundo André Malraux, “A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, durante milênios, capacitou o homem a ser menos escravizado”. Essa possível liberdade, então, iria na contramão dos interesses fascistas, na medida em que abriria as portas para as escolhas, as reflexões, a criticidade em qualquer circunstância, pois já se teria consolidado a vivência, a experienciação.

O que no caso do cinema, a 7ª Arte, é bastante visível. Porque os registros cinematográficos oportunizam, de maneira singular, uma acessibilidade muito mais ampliada ao grande público. Ainda que este tenha eventuais limitações cognitivas e/ou intelectuais, o cinema consegue lhe proporcionar uma possibilidade de compreensão e aquisição de informações e conhecimentos, graças a sua construção semiótica.

O que quer dizer que as representações cinematográficas levam em consideração os signos, os símbolos, as imagens, a partir das manifestações que eles assumem linguisticamente ou não, no intuito de os converter reciprocamente entre os sistemas significantes aos quais estão integrados. Em suma, o cinema constrói significados, incluindo aquele pertinente à própria comunicação.

Sendo assim, não causa estranheza o fogo na Cinemateca Brasileira, em SP, no início da noite de ontem. Pode não fazer sentido para muitos; mas, fica evidente que há método na práxis empregada. Esse tipo de destruição é sim, autoexplicativa. Incêndios dessa magnitude, têm uma força metafórica muito mais intensa do que comburente, porque objetivam corromper a subjetividade humana, a tal ponto que impossibilite recuperar o que se perdeu. Haja vista a grande queima de livros pelos nazistas, em 1933, ou o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 2018.

As chamas consumindo a Cinemateca eram, de alguma forma, a consumição de pedaços da nossa memória, da nossa cidadania, da nossa identidade. Cujos escombros darão a dimensão do que restou desse ser sobrevivente, embora mutilado. De modo que paira sim, uma apreensão sobre quando será a próxima vez, no contexto dessa vida que existe aos fragmentos, insistentemente, obstinados em resistir para dar alguma forma e, quem sabe, conteúdo a si mesma; visto que, cada vez mais, se aproxima de saber menos quem é de fato e de direito.


quinta-feira, 29 de julho de 2021

Muito além da superação...


Muito além da superação...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Passada a explosão de emoção, a memória faz lembrar e pensar sobre todo o percurso da história. Pode ser que, em razão da Pandemia, esses Jogos Olímpicos sejam considerados os “jogos da superação”; mas, para os brasileiros não, porque superar sempre foi o verbo principal de suas jornadas desportivas.

Diferentes motivos conduzem nossos atletas para as arenas da superação. Dificuldades materiais e imateriais compõem um mosaico de desafios a colocar em xeque as habilidades, competências e talentos de quem se dedica a ser atleta no Brasil.

Vê-se que a tarefa não é nada fácil, observando o acervo de medalhas conquistadas ao longo de décadas. Sim, são poucas se comparadas as expectativas e perspectivas lançadas sobre os atletas.

Mas, cada uma delas representa um passo à frente rumo a visibilidade do esporte brasileiro, porque muitas das modalidades disputadas, ainda, carregam o peso da hegemonia geopolítica do mundo, onde países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, desfrutam de nenhuma ou muito pouca atenção, privilégio ou regalia em eventos desportivos.

Pois é, se engana quem pensa que a Olimpíada se resume a elevar os mais fortes, altos e velozes, partindo do desenvolvimento das aptidões de seus corpos, por meio da prática exaustiva das séries de exercícios bem treinados. Mais do que isso, a Olimpíada não é um território neutro na dinâmica de guerra e paz do mundo.

Nas entrelinhas da subjetividade do olhar de arbítrio dos juízes, e demais atletas, estão motivações desconhecidas do grande público, razões que o esporte em si não permite confessar, mas que existem sim.

No entanto, ali, no momento exato da disputa aparecem ajustadas para caber dentro das regras protocolares específicas de cada desporto, a fim de se evitar maiores desdobramentos e clamores reivindicatórios. Quase que uma manifestação de soberania do esporte.

De modo que cada delegação tem o seu espaço firmado enquanto representação diplomática de um país; pois, as competições se sucedem, apesar de o mundo, como é, continuar sua saga de desafios, exibindo uns aos outros seus feitos e derrotas, seus poderes e suas fragilidades.

Algo que para o Brasil, não garante, então, uma posição de destaque positivo entre os demais, dadas as ranhuras desferidas por si mesmo contra a própria imagem geopolítica, em diversos campos de discussão. Meio ambiente e sustentabilidade. Violências. Pandemia. Radicalismo dos ideais da extrema-direita. Enfim...

Daí a possibilidade de caberem tantas “frustrações” pelo caminho. Mesmo nos esportes individuais, o êxito não pertence só ao indivíduo; mas, a um conjunto de variáveis objetivas e subjetivas, as quais estão dentro e fora da sua delegação.

Por isso, não é um caso para se desculpar diante da derrota. Nem sempre está na falha humana, do atleta, o fiel dessa balança. Parafraseando Shakespeare, “há razões que a própria razão desconhece” e, talvez, nunca conhecerá. Sei que é difícil entender e assimilar tudo isso, pois somos brasileiros, latinos, passionais ao extremo. 

Mas, talvez, este seja o melhor momento para traçarmos uma outra via de análise sobre essas questões. Porque se o resultado não reflete só uma dependência exclusiva do atleta, comissão técnica e infraestrutura de treinamento, o país em si pode estar obstaculizando o sucesso dos desportistas não só por carências orçamentárias ao esporte e/ou por eventuais predileções desportivas; mas, pela sua representatividade no cenário mundial.

Em plena era da tecnologia e da informação, essa aura pesada que envolve o Brasil já transcendeu mundo afora. O país está nas manchetes, diariamente, e pelas piores razões possíveis, as quais vão muito além da forma com a qual tem conduzido a Pandemia.

Então, querendo ou não, isso pesa sobre os atletas, os cidadãos brasileiros em questão, sejam eles a favor ou contra o atual governo. Porque o Brasil, ainda, é uma democracia, o que exige responsabilidade cidadã de todos.  

Isso significa que essa conjuntura, de certo modo, leva a pensar sobre o modo como se desenvolve a resultante de fragilidades existentes na formação e qualificação dos atletas brasileiros, visivelmente desprivilegiados como uma prioridade para o país.

Aliás, o esporte nunca foi uma prioridade nacional, assim como, a Educação, a Cultura, a Ciência. Então, quando um atleta brasileiro chega para competir, já se imagina que ele está em uma posição de menor favoritismo. Com exceção daqueles que para se sobressaírem e conseguirem romper com todos os obstáculos dispostos nos seus caminhos de treinamento e competição, fazem por si mesmos.

Infelizmente, não dá para dissociar Esporte de Política ou Economia. Se o país vai mal, certamente o esporte tende a acompanhar; sobretudo, o esporte de alto rendimento. A negatividade da imagem de uma nação se reflete no conjunto de todas as ações que o representam. Por isso, tantas se preocupam em não se tornar um pária internacional. Porque de maneira objetiva ou subliminar as consequências e os prejuízos são inevitáveis. 

Assim, cada medalha merece ser celebrada, comemorada e enaltecida de maneira especial. Cada medalha conquistada se torna um ato de resistência, de bravura, de ousadia, em nome da dignidade e da cidadania do país; mesmo, quando se sabe que os resultados poderiam, de algum modo, ser ainda melhores.

Talvez, o mais importante que se tenha conquistado nesses Jogos Olímpicos seja a compreensão de que não importa descobrir quem são, ou onde estão, nossos maiores inimigos. Mas, somente, focar em trabalhar para ultrapassar nossos adversários nos ginásios, nas piscinas, nas quadras, nas pistas ou em quaisquer outros espaços de competição. Porque “o adversário é um parceiro necessário ao progresso, a vida da humanidade baseia-se nesse princípio” (Jigoro Kano – fundador da arte marcial judô e responsável pela reforma do jiu-jitsu).


quarta-feira, 28 de julho de 2021

Quem paga pelos prejuízos?!


Quem paga pelos prejuízos?!  

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É triste, muito triste, perceber como a população brasileira não se incomoda em enxergar a vida a partir de uma perspectiva tão limitada. Como se cada um se restringisse a considerar, apenas, aquilo que está dentro dos seus limites, de modo que os problemas deixassem de ser de todos para cair no rol das individualidades. No entanto, não é assim que as coisas funcionam!

Ao não se preocupar com os caminhos da Educação brasileira, por tabela as pessoas se esquecem da Ciência. Sim, para ser cientista e fazer Ciência são necessários longos anos de estudo, dentro de uma base sólida e eficiente de Educação, que seja capaz de desenvolver habilidades e competências suficientes para atingir os objetivos almejados.

Acontece que se não há Educação, também, não há Ciência e, nem tampouco, o cotidiano contemporâneo como se conhece. Pois é, ninguém acorda pela manhã e começa a enumerar os benefícios trazidos pela Educação e pela Ciência; porém, eles estão lá. Nos alimentos, nos eletrodomésticos, no combustível, no veículo de transporte, no asfalto da rua, na edificação das residências, na medicação de uso contínuo, no vestuário, nos calçados, nos cosméticos; enfim ...

Por trás de todas as cadeias produtivas de qualquer país estão milhares de cientistas trabalhando diariamente pelo conforto, segurança, bem-estar, redução do tempo, para o consumidor final, que somos nós. Enquanto milhares de professores se ocupam em garantir a renovação do elenco de novos cientistas e pesquisadores.

Pena, que tantas pessoas não enxerguem a dimensão que tudo isso representa e não só desdenham a Educação e a Ciência, como consideram desnecessários e não importantes os investimentos públicos para esses dois setores. Isso porque, infelizmente, no Brasil, há uma compreensão equivocada, por parte de 6% da população, a elite, de que o arcabouço dos investimentos públicos só atende aos pobres do país. Portanto, eles, no alto do seu poder aquisitivo, não estariam recebendo nenhum retorno.

Mas, por mais que suas vidas estejam condicionadas a aquisição de produtos importados, o simples fato de viverem nesse país não os isenta de participar dos benefícios oriundos da Educação e da Ciência nacionais. Aliás, essa consciência impacta, também, os importados, cujo desenvolvimento se deu pela Educação e Ciência de seus respectivos países.

Ah! E como poderiam ser mais expressivos esses benefícios! Há décadas o país vem negligenciando e sucateando a Educação e a Ciência brasileiras. Uma verdadeira sabotagem ao progresso e ao desenvolvimento nacional. Mas, nos últimos 2,5 anos isso se operacionalizou de maneira drástica.

Somente em relação a ministros, a pasta da Educação passou por 5 nomes diferentes, até o momento, o que obstaculizou severamente o planejamento e o desenvolvimento das ações no setor. Sim, porque não há somente impactos externos, ou seja, repercutidos junto à população; mas, também, impactos internos dentro dos Ministérios.

Tanto na educação quanto na Ciência houve uma reestruturação organizacional que comprometeu inúmeras ações do governo, incluindo a extinção de algumas secretarias e órgãos de apoio, repercutindo na exoneração de quadros técnicos experientes e fundamentais ao bom andamento das pastas.

O pior é que a razão de tudo isso foi baseada em especulações ideológicas; visto que, a atual gestão sempre considerou as respectivas áreas, como reduto de pessoas de visão “esquerdista”. Portanto, a ideia era apenas destruir e acabar com o incômodo; o que seria feito em substituição para dar continuidade ao fluxo natural dos trabalhos, isso ninguém se preocupou. Eles não dispunham de nenhum planejamento a respeito.

Em suma, o resultado levou a prejuízos tanto de ordem humana quanto econômica. A redução dos recursos foi tamanha que inúmeros projetos foram interrompidos pela inviabilização, ou seja, a ideia foi parar a Educação e a Ciência.

Dentro desse contexto, o Brasil ampliou a estatística das perdas cientificas. Seus professores e cientistas mais renomados estão se deslocando para outras universidades, mundo afora, para desenvolverem seus trabalhos. Vejam só, a que ponto chegamos!

Depois de o Brasil investir na educação e na formação científica desses indivíduos, o país os entrega “de bandeja” para que outros usufruam de seus conhecimentos e descobertas. Sem contar, que é assim, dessa forma, que o país deixa de receber milhões em royalties de patentes de diferentes produtos e se vê obrigado a importar, pagando verdadeiras fortunas.

Então, apesar de absurdo o “apagão” nos serviços do Ministério da Ciência e Tecnologia, particularmente, em relação à Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que armazena os dados dos pesquisadores brasileiros 1, ele se explica no contexto de como a Educação e a Ciência estão abandonadas.

Bem, para quem se escandaliza, ou se preocupa, com o mau uso do dinheiro público e com a ineficiência dos serviços cotidianos, essa breve reflexão traz mais uma razão para a sociedade se importar e parar de pensar que a Educação e a Ciência, no Brasil, não lhes dizem respeito. Diz sim; diz muito. Porque esse dinheiro sai da enxurrada de impostos e tributos que todos os cidadãos pagam por ano.

Por essa razão, deveriam estar resultando em benefícios para todos. Se não estão, é uma pena, porque todos continuam pagando e, certamente, pagarão mais e mais. De modo que, se a Educação e a Ciência estão perdendo, os cidadãos também. Daí a necessidade de cobrar e de exigir mais responsabilidade, transparência e retorno.

No fim das contas, a situação da Educação e da Ciência, no Brasil, traduz na prática a fábula, A Ratoeira, de Esopo; pois, “na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que quando há uma ratoeira na casa, toda a fazenda corre risco. O problema de um é um problema de todos” 2. Afinal, depois do imponderável materializado por essa Pandemia, a incerteza pode varrer o amanhã de qualquer um, democraticamente, sem cerimônia.



1 Tratam-se de informações sobre a produção acadêmica, as pesquisas em andamento ou já finalizadas, os artigos publicados, as bolsas de pesquisa, entre outros detalhes.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Atraídos pelo “vale quanto pesa”


Atraídos pelo “vale quanto pesa”

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cada dia mais, desperta preocupação o modo como os seres humanos compreendem a si mesmos. Independentemente do tipo de análise que se faça, ela acaba, direta ou indiretamente, atrelada ao dinheiro. Basta observar que o sucesso e o poder têm sido medidos a partir do quanto podem capitalizar ao indivíduo, no chamado “vale quanto pesa”.

O que significa que, de repente, as pessoas passaram a ser definidas pela quantidade de recursos financeiros disponíveis no banco, propriedades e afins. Acontece que, distante do que se imagina, a vida não permite dizer que alguém é; mas, sim, que alguém está. Tudo é efêmero; em uma dinâmica, a qual não se tem controle.

E diante desse movimento, compreendi algo muito significativo. A mitificação e a idolatria que vem se atribuindo a diversas personalidades, tais como artistas, desportistas, celebridades etc., tem passado por uma ressignificação exacerbadamente materialista.

A projeção que o indivíduo lança sobre outro não parte mais de uma base sólida e inspiradora de valores, princípios e qualidades humanas, mas do que ele (a) foi capaz de conquistar e fazer uso materialmente. E esse pensamento, portanto, se baseia na construção de uma verdade intuitiva, sem necessidade de comprovação lógica ou científica, que se satisfaz pelo encantamento de um desejo realizado de acordo com a sua vontade e idealização do mundo.

Mas, é justamente nesse ponto que a questão se polemiza. Não preciso dizer que a contemporaneidade tem sido uma arena para polarizações ideológicas. Acontece que elas não são tão simples como tentam, alguns, fazer transparecer. Há uma tendência nítida de seletivização desse fenômeno, cuja base se sustenta na mitificação e na idolatria referendadas pelo “vale quanto pesa”. É fácil perceber a existência de diferenças profundas no trato social em relação aos anônimos e aos famosos.

Entre amigos e familiares, por exemplo, relações foram sumariamente interrompidas pela polarização política.  Mas, quando se tratam de personalidades, aí a condescendência e a flexibilidade operam, rapidamente, “passando pano” na situação. Traduzindo em miúdos, as pessoas estão respeitando muito mais as suas projeções materialmente bem-sucedidas; embora, lançadas sobre seres totalmente desconhecidos do seu convívio pessoal, do que de seus semelhantes mais próximos.

Afinal de contas, diante da rudeza da vida, o ideário acena a possibilidade de controlar o mundo, de superar os medos e as inseguranças, com mais propriedade do que alguém comum, de carne e osso. Êpa! Mas, eles são de carne e osso também! O que nos chega pelos veículos de comunicação e informação é uma imagem construída midiaticamente, com o único propósito de capitalizar mais e mais.

Raríssimas são as exceções, nesse universo estrelado, que não abdicam das oportunidades de dizer o que pensam, o que gostam, o que querem, o que almejam, o que sentem. Quase sempre eles estão imersos sobre camadas e camadas de roteiros, de protocolos, de contratos, que dificultam quaisquer possibilidades de enxergar a sua verdadeira identidade, a sua expressão humana e cidadã.

Mas, isso não importa, ou tem importado cada vez menos, porque o que está em xeque no midiatismo é a atração que está no quanto se capitaliza, no tilintar das moedas. A sociedade, então, vai aceitando sem questionar, como se os valores, os princípios, as ideias que existem sob aquela imagem não repercutissem ou maculassem o encantamento produzido pela sua fama, pelo seu poder, pela sua influência, enfim...

Com certeza, é um modo estranho de não admitir que eventuais ranhuras produzidas pelos discursos, narrativas e comportamentos de seus ídolos causam desconforto e desalinhamento as suas expectativas. Inclusive, é importante salientar que todo mundo tem direito as próprias escolhas, a pensar com a própria cabeça.

No entanto, o campo decisório ainda permanece demarcado pela ética, pela moral, pela justiça, a fim de encontrar consenso e equilíbrio para uma coexistência humana pacífica e harmônica. Quantos já não subtraíram os seus minutos de fama pelo o que disseram ou fizeram publicamente, hein?!

Quando alguém transgride, ou infringe, ou coloca em risco a si ou a coletividade, ou simplesmente apoia quem age dessa forma, a sua posição na estrutura hierárquica social perde qualquer importância, ou pelo menos deveria.

Por isso, é preciso estar atento ao modo como vemos e lidamos com o mundo, ou do nível de mitificação e idolatria que atribuímos a uns e outros, por aí. Afinal, como escreveu Orson Scott Card 1, “Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de lavagem sempre seria eleito, não importa quantos porcos já houvesse abatido”.



1 É um escritor de ficção científica e fantasia norte-americano. - https://www.famousauthors.org/orson-scott-card 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Nos tempos do “Sim, senhor!” ?


Nos tempos do “Sim, senhor!” ?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Têm sido muitas as questões debatidas recentemente, que apontam seus embaraços com as teias do passado e do retrocesso. Quem diria que, em pleno século XXI, o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria debruçado na análise da Lei do Planejamento Familiar, de 1996, especificamente no ponto em que “caso o indivíduo seja casado, a esterilização depende do consentimento expresso do cônjuge” 1.

A estranheza é legítima, tendo em vista que, só no segundo semestre de 2020, foram contabilizados 43,8 mil processos de divórcio no país; o que, segundo informações do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), representou um aumento de 15% em relação a 2019 2. Isso significa que uma exigência como essa extrapola os limites da realidade social brasileira.

Mas, enquanto se preocupam com “quem manda em quem”, nesse assunto tão íntimo e pessoal, as feridas expostas pelas incongruências no sistema de Planejamento Familiar permanecem abertas e afrontando a dignidade do cidadão, especialmente aqueles em situação de maior risco e vulnerabilidade.

Segundo dados desse ano, a composição da classe baixa, na pirâmide social brasileira, representa 47% da população. Em suma, seres humanos lançados a sobreviver sob condições de profunda desigualdade, ou seja, muito mais expostos à miséria, a pobreza, ao desemprego, e todos os demais infortúnios da desassistência.

Eles estão sempre à margem de seus próprios direitos sociais e humanos; de modo que, aqueles que nascem sob a luz desse signo, estão marcados pelo mais profundo e desafiador sofrimento existencial. Portanto, o Planejamento Familiar é apenas mais um aspecto, dentre tantos milhares de outros, os quais essas pessoas estão privadas de acesso.

É uma ilusão descabida pensar que alguém, em franca luta pela sobrevivência, tenha condições de refletir sobre quantos filhos deseja ter ou sobre métodos contraceptivos. Pode passar despercebido para muita gente abastada; mas, milhares de brasileiros morrem, anualmente, sem acesso algum aos serviços básicos de saúde porque não têm dinheiro para o transporte, ou condições de agendar consultas, cirurgias e tratamentos por via tecnológica – telefones, sites, aplicativos, ou possibilidade de aguardar em longas e demoradas filas de espera.  

Aliás, dentro desse próprio contexto, a Câmara dos Deputados, em Brasília/DF, vem discutindo projetos de lei sobre o tema da “pobreza menstrual”, que representa a falta de dinheiro para comprar absorventes higiênicos, impedindo que dezenas de milhares de mulheres tenham acesso aos seus direitos à educação, ao trabalho e a sua mobilidade dentro de outros contextos sociais.

Portanto, não há como enxergar tudo isso por uma perspectiva superficial, como se estivéssemos tratando de um assunto desimportante. Esse gigantesco iceberg de desigualdades no campo da Saúde Pública, que, no fim das contas, impacta severamente a Economia e o Desenvolvimento, evidencia obstáculos que transcendem o que é gratuito e o que não é. Ele revela a face perversa dos extremos, cuja prática não coaduna a uma teoria que afirma todos iguais.

Qual o sentido, então, de discutir na mais alta corte sobre a dependência do consentimento do marido para a esterilização feminina? Temos tanto a fazer em relação ao direito constitucional à saúde. Afinal, a defesa da vida é cláusula pétrea; mas, não há como viver, sem acesso à saúde, sem alimentação regular e suficiente, sem moradia condizente à dignidade humana, sem água e saneamento básico, ...

Assim, estamos diante de um caso típico de oportunismo, uma situação que mais parece um jeito, torto e equivocado, de trazer à baila um pretexto para o deleite conservador da sociedade, a partir de um eventual respaldo jurídico. Afinal, para o grupo reclamante, as mulheres devem permanecer sob o jugo dos maridos, segundo rezam as velhas cartilhas do patriarcado nacional.

Simplesmente, porque, apesar de estarmos no século XXI, há uma resistência em curso, que atua desconsiderando a contemporaneidade, com o firme propósito de invisibilizar e negar o peso de todos os papeis sociais que recaem diariamente sobre os ombros femininos e, para os quais, elas recebem menos ou nada para realizá-los. Por isso, não é à toa que “pela maior parte da História, ‘anônimo’ foi uma mulher” (Virgínia Woolf – escritora e editora inglesa), a qual deveria estar sempre pronta a responder “Sim, senhor!”.  

domingo, 25 de julho de 2021

Nem o fogo pode tudo!


Nem o fogo pode tudo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Desde ontem, após manifestação popular contra o atual governo federal, uma outra pauta ganhou destaque, quando um grupo de pessoas ateou fogo em uma estátua do bandeirante Borba Gato, na zona sul da capital paulista. Bem, ele foi um bandeirante e escravocrata responsável pela morte de povos indígenas durante a interiorização do território brasileiro.

Correntes favoráveis e desfavoráveis ao gesto, então, se puseram a apresentar seus argumentos e isso, em si, é muito positivo porque abre espaço para uma reflexão, a respeito de questões que repercutem na sociedade brasileira até os dias atuais. No entanto, embora possa não parecer, todo esse movimento representa algo bastante complexo para se analisar.

Temos visto no mundo um descortinar da realidade extremamente oportuno, a partir de conexões estabelecidas entre o passado e o presente. Questões históricas pertinentes a diversas sociedades vêm ganhando espaço no debate, na discussão e na reflexão crítica da população, em decorrência da reverberação que elas desencadeiam, ainda, hoje. Violências que se desdobram em invisibilização, discriminação e perda gradativa do espaço e do exercício cidadão.

De modo que esses movimentos visam propiciar um novo caminho para a humanidade do século XXI. Ora, na medida em que se reconhece o racismo, a homofobia, a xenofobia, o sexismo, a misoginia e a aporofobia, como questões trivializadas no cotidiano das sociedades, mas causadoras de enormes prejuízos de natureza subjetiva e material para uma parcela bastante representativa de pessoas, torna-se visível as ameaças em relação ao futuro.

Sim, porque quanto mais se invade os espaços e os direitos de alguns, mais regalias e privilégios são reafirmados para outros, os quais tanto não irão querer abrir mão do que já dispõem como, também, irão querer cada vez mais para si.

O que significa que o acirramento das desigualdades vai se consolidando rumo à cronificação e, assim, sinalizando obstáculos ao desenvolvimento da própria sociedade, como já é possível perceber em várias nações, mundo afora.

Acontece que essas questões estão além de uma percepção secular. Elas são milenares. Uma passada de olhos pelas páginas da história mundial para encontrar registros vastos a respeito. O mundo em que vivemos é só mais um lado desse prisma que se constituiu, em linhas gerais, por dominados e dominadores. De modo que mudam os cenários e as personagens; mas, o enredo permanece o mesmo.

Então, me parece pouco producente, para não afirmar totalmente inútil, ações como a que aconteceu em São Paulo, ou na Inglaterra, ou nos EUA. Estamos diante da história, uma construção humana com todos os seus vieses e defeitos; a qual, embora, não possa ser revivida para ser reescrita, pode possibilitar uma ressignificação que permita conduzir a sociedade por perspectivas e expectativas melhores e mais producentes. Aliás, esse é o verdadeiro papel de uma história viva, aberta, em franca evolução.

Atitudes que negam o diálogo em busca de um senso comum e renovado, parecem se igualar ao comportamento de grupos radicais, como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL ou ISIS, na tradução do nome em inglês). A partir de 2013, o ISIS vem destruindo sítios arqueológicos e históricos de civilizações antigas, com o propósito de apagar a história.

Em 2015, por exemplo, eles destruíram o Templo de Baal-Shamin, construído na cidade síria de Palmira, por volta do século II a.C., que era declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), desde 1980. Mas, também, demoliram o Mosteiro de Mar Elian, construído há mais de 1500 anos, na cidade síria de al Qaryatain.

E, bem antes desses grupos radicais islâmicos, em 1933, os nazistas queimaram em praças públicas, de diversas cidades da Alemanha, obras de escritores alemães consideradas contrárias ao regime político e ideológico vigente, como se fizessem uma “limpeza literária”.

Daí a necessidade de reflexão. A via escolhida para fazer a transformação intelectual e social está equivocada, no sentido de que ela só reafirma tudo aquilo que se pretende rechaçar. Afinal, responder às violências com violência nos aproxima, ao contrário de nos afastar, daqueles que transitaram pela contramão da história.

De certo modo, nos tornamos “bárbaros” como eles, tentando resolver no grito, na força, na brutalidade, na imposição, na arbitrariedade. A destruição do objeto, da matéria, do ponto de vista prático da ressignificação é sempre inútil; porque, a história permanece na dimensão da sua atemporalidade.

Se quisermos êxito nessa jornada de metamorfoses sociais será imprescindível traçar caminhos que dialoguem, que ensinem, que possibilitem desconstruir valores e princípios para edificar outros novos.

Alternativas que nos coloquem diante desses símbolos do passado por uma apresentação através de novas referências informativas, de caráter reflexivo, ou nos traga pela via das palavras - livros, manuais, artigos -, que contenham adendos nesse sentido, a fim de contribuir com uma formação histórica contemporânea e atualizada. O importante é que esse movimento não nos permita esquecer jamais de que “O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é que os homens se tornem autômatos” (Erich Fromm – psicanalista, filósofo e sociólogo alemão).


sábado, 24 de julho de 2021

De que lado da história se pretende estar?


De que lado da história se pretende estar?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Com todas as cartas sobre a mesa, o Brasil sacode o baú da história e traz à tona explicações mais claras sobre si mesmo. Muita gente deve ter se espantado com a receptividade desfrutada por uma deputada do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), representante de ideias neonazistas e neta de um ex-ministro de Adolf Hitler, em visita ao país. Recebida por autoridades do Legislativo Federal 1, ligadas ao atual Presidente da República, e pelo Ministro da Cultura 2, o passado não demorou para emergir na memória de quem soube do encontro.

Do fim da 2ª Guerra Mundial até hoje se passaram 76 anos; mas, como “a história é para sempre”, toda vez que se toca no assunto os gatilhos são disparados e eles não excluem o Brasil. Antes de se unir aos Aliados contra as ações do Eixo – Alemanha, Itália e Japão -, o país demonstrava cordialidade e apreço aos alemães, algo que se confirma na história de Olga.

De família judia-alemã, Olga Gutmann Benário Prestes era militante do Partido Comunista Alemão (KPD), o que a levou a conhecer e se casar com Luiz Carlos Prestes, um militar e político comunista brasileiro. Grávida de sua única filha, ela foi entregue pelo governo de Getúlio Vargas a Gestapo e deportada para a Alemanha, onde foi encaminhada à prisão de mulheres Barnimstrasse e, posteriormente, ao campo de extermínio de Bernburg. Olga faleceu aos 34 anos de idade, na câmara de gás.

Mas as pressões geopolíticas e ataques aos navios brasileiros, que patrulhavam a costa nacional, obrigaram a uma mudança de discurso, em 1942. A busca por acender uma vela para um e uma para o outro não deu certo e o país teve que recolher suas âncoras ideológicas radicais de extrema-direita e afinar o discurso rapidinho com os franceses, ingleses, norte-americanos e, por incrível que pareça, os russos, que constituíam a força dos Aliados. E cumpriram direitinho o seu papel, inclusive, sendo um dos primeiros países a reconhecer o Estado de Israel, em 1948, e mantendo, desde então, uma boa relação diplomática com o povo judeu.   

Acontece que o que se passa na intimidade mais profunda do poder é sempre um mistério. De repente, tudo leva a crer que durante mais de 7 décadas, o Brasil se manteve como brasa encoberta por cinzas. A simpatia pela ideologia da extrema-direita nazista não se perdeu no tempo. O que se explica, de certo modo, pelo fato de que algumas narrativas nazistas retroalimentam as próprias bases da identidade colonial brasileira, ou seja, Racismo, intolerância religiosa, Homofobia, Xenofobia, Sexismo, Misoginia e Aporofobia.

Então, tendo em vista os constantes movimentos de recrudescimento dos grupos políticos de extrema-direita ao redor do planeta, não seria diferente que isso acontecesse, também, no Brasil. Onde as raízes históricas são muito apegadas ao passado, constituindo uma imensa resistência a qualquer ruptura com regalias e privilégios legitimados, ou legalizados, ao longo do tempo. A evolução da sociedade, em qualquer forma ou sentido, é tida como uma ameaça que precisa ser contida, não importa como.

E é exatamente isso o que está acontecendo bem debaixo dos nossos narizes. A visita da deputada alemã não é por acaso; mas, uma maneira de creditar aos esforços do atual governo um respaldo teórico internacional, a fim de que não sejam vistos como uma ilha isolada no seu próprio pensamento ultrapassado.

O estranho é que não faz muito tempo, O Brasil parecia em plena “lua de mel” com o povo judeu, exibindo sua bandeira a torto e a direito, distribuindo promessas e mesuras as suas autoridades, fazendo viagens diplomáticas a Israel; enfim... Não é possível que o Brasil esteja, de novo, acendendo uma vela para um e uma para o outro! Errar é humano; mas, permanecer no erro é pura burrice.

Na categoria de pária internacional, não há discurso ou narrativa que faça do Brasil um bom aliado, nessas alturas do campeonato. Então, se alguém vê algum sentido em dialogar com o Brasil faz-se necessário entender o porquê. Quais interesses sustentam uma empreitada assim? Quais as entrelinhas dessas linhas precisam ser melhor dissecadas, hein?! Essa atitude mostrou como o país não tem apreço e nem respeito por ninguém, por nenhuma nação. Suas relações são frívolas e interesseiras.

Mesmo assim, dada a aura pesada que emergiu desse encontro inusitado, promovido entre representantes da extrema-direita brasileira e alemã, talvez, seja bastante oportuno recordar algumas palavras que foram escritas por um sobrevivente do Holocausto e endereçadas ao médico polonês Janusz Korczak, porque elas dizem muito ao presente e a todos nós.

“Caro professor. Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum ser humano deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por engenheiros ilustres; crianças envenenadas por médicos altamente especializados; recém-nascidos mortos por enfermeiros diplomados; mulheres e bebês assassinados e queimados por gente formada em ginásio, colégio e Universidade. Por isso, caro professor, eu duvido da educação. E eu lhe formulo um pedido: Ajude seus estudantes a se tornarem humanos. Seus esforços, professor, nunca devem produzir monstros eruditos e cultos, psicopatas e Eichmans educados. Ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem a tornar nossas crianças mais humanas” 3. Diante disso, responda a si mesmo, de que lado da história você pretende estar?

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Entre o hoje e as reminiscências do verão passado

Entre o hoje e as reminiscências do verão passado

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos é sempre uma oportunidade renovada de lançar um olhar sobre a história do mundo. Afinal de contas, nem tudo são flores na trajetória de cada nação presente. As rivalidades geopolíticas, as diferenças religiosas, as disputas de poder, as heranças de guerras, tudo está, ainda que, de maneira implícita, presente nas quadras, nos ginásios, nas piscinas, nos estádios, temporariamente pacificado pelas práticas desportivas. O que nos faz pensar que a história supera; mas, não apaga os registros.

Haja vista, o que aconteceu com o próprio diretor artístico desses Jogos Olímpicos. Ele foi demitido, a menos de 24 horas, antes do evento, em razão de uma “piada” feita há mais de duas décadas sobre o Holocausto. E apesar da manifestação pública de desculpas, as consequências estavam consumadas.

Então, de repente, tracei um paralelo dessa reflexão com o conturbado dia de ontem, no Brasil. A efervescência política, dos últimos tempos, ganhou um capítulo a mais, cujos desdobramentos tendem a se reverberar além. Porque a história supera; mas, não apaga os registros. Esse é o ponto.

Há um engano em se pensar que o jornal de hoje vai para o lixo amanhã e tudo cai no mar do esquecimento. A história é sempre maior, na medida em que os registros, também, são. Quando menos se espera, um fato vem à tona por meio de um acervo particular, de algum colecionador, e as memórias são reativadas por sucessivos debates, análises e discussões. Discursos e narrativas que podem concordar ou discordar entre si; mas, no fim das contas, não conseguem desconstruir ou reformular o fato em si. Portanto é ele o que importa, o fato.

Quando o Presidente da República admitiu, de viva-voz, que sua essência política sempre esteve atrelada ao chamado “Centrão”, enumerando todos os partidos aos quais havia sido filiado e negando qualquer caráter pejorativo a essas alianças, a perplexidade geral roubou a cena.

De súbito, imprensa e boa parte da população se lembraram do posicionamento totalmente contrário do Presidente, sobre esse assunto, durante a sua campanha presidencial em 2018, a qual se resumia em fazer uma “nova política”. Traduzindo em miúdos, seria o fim das velhas práxis fisiológicas do Congresso Nacional.

Não seriam mais aceitas, portanto, certas condutas de representantes e servidores públicos, com vistas à satisfação de interesses e vantagens pessoais e/ou partidárias, em prejuízo dos interesses da população e do país. Algo comumente atribuído a esse grupo de partidos, cujo poder de força, quando contrariados, pode ser suficientemente capaz de inviabilizar a governança do país, como ocorrido algumas vezes no passado recente.

Uma retórica que, tivessem os eleitores não se esquecido de que “a história é para sempre”, teria sido confrontada e desmentida, resultando, quem sabe, em outro final para o pleito de 2018. Mas, eis que, agora, os registros comprobatórios desse “antes” e “depois” se proliferaram, na velocidade das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). E as tentativas de reescrever a narrativa ficaram cada vez menos sustentáveis e factíveis.

Aliás, o poeta português Eugénio Andrade tinha razão, “as palavras são a nossa condenação. Com palavras se ama, com palavras se odeia. E, suprema irrisão, ama-se e odeia-se com as mesmas palavras! ”. Porque o desconforto impresso pela tentativa de “desdizer” é terrível; como se propagasse em ondas de insatisfação e de incompreensão entre os que recebem a notícia.

Episódios assim têm sido cada vez mais frequentes na contemporaneidade. As pessoas dizem e desdizem como se fosse tudo muito natural, sem consequências. Só que não; quando menos se espera a verborragia cobra o seu preço.

Acostumados a se valer de recortes para atenuar as consequências do que foi dito e/ou feito, ou para trazer uma eventual credibilidade ou popularidade, talvez, tenham se esquecido de que sempre haverá registros íntegros, inteiros, completos, com alguém, em algum lugar. Ora, são tempos de alta tecnologia, de nuvens e nuvens de informação, prontas a trazer raios e trovões.

Mas, vejam que, bem antes disso, Mário Juruna, líder e primeiro deputado federal indígena, já andava pelos corredores do Congresso Nacional com um gravador “para registrar tudo o que o branco dizia”, como forma de documentar o descumprimento dos compromissos assumidos pelas autoridades.

Por essa razão ficou conhecido, nacional e internacionalmente, e tornou-se responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional, o que significou elevar o problema indígena ao reconhecimento formal. Imagina, então, hoje com tantos recursos tecnológicos em mãos!

Pois é, em pleno século XXI, os excessos de visibilidade, de publicidade, de notoriedade, parecem tão triviais; mas, escondem um abismo de exposições bastante desafiadoras. 15 minutos de fama são suficientes para render bem mais do que apoio, parceria ou dinheiro. Podem gerar uma dor de cabeça sem fim; na medida em que podem enovelar uma rede de mentiras, de intrigas, de mal-entendidos e de tantas outras “cositas más”. Afinal, sejam anônimos ou famosos, qualquer pessoa deve sempre “pensar que a história supera; mas, não apaga os registros”.


quinta-feira, 22 de julho de 2021

Cuidado! Nem todo ócio é criativo.


Cuidado! Nem todo ócio é criativo.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É sempre assim, quando existe uma possibilidade de o brasileiro relaxar e se deixar envolver por assuntos mais amenos, mais leves, mais agradáveis, uma sombra de tensão e desconfiança paira sobre o país. Quem nunca experimentou um feriado, por exemplo, que acabou em notícias de aumentos de preços, ou de decisões tomadas pelo governo na calada da noite, hein?! Ou observou que o mês janeiro é sempre época de desova de impactos negativos sobre a população?

Pois é. Mesmo adiada por um ano, por conta da Pandemia, a Olimpíada de Tóquio chega sob esse mesmo tipo de sombra. Enquanto milhares de brasileiros se permitem desfrutar da maratona de competições, atentos aos acontecimentos do outro lado do planeta, os bastidores do país entram em ebulição. Uma efervescência desconfortante, na medida em que não tende a trazer nada de bom para o cidadão, mais uma vez.

E como tudo isso é chato, desagradável, ... Ninguém precisaria de mais nada de ruim, considerando a experiência nefasta da Pandemia. Mas, no Brasil contemporâneo, cada vez mais a máxima “velhos hábitos nunca morrem” tem sido repetida com mais ênfase e a exaustão. Por isso, elas não perdem nenhuma oportunidade e deixam transparecer que não há intenção de uma trégua, durante os Jogos Olímpicos.

O que nos faz entender, pelo menos em teoria, que será necessária uma escolha, um posicionamento por parte do cidadão. Fazer coro na torcida pela delegação desportiva brasileira, ou se manter atento aos movimentos político-econômicos do país. Porque dentro das atuais conjunturas, tentar compatibilizar as duas opções parece difícil. Afinal, a necessidade que se aponta não me parece tão difícil de perceber; embora, seja sempre necessário contar com a presença de certa alienação nacional que, de algum modo, se compreende dado ao cansaço de viver sob constante tensão.

Seja como for, até aqui, as peças do tabuleiro político-econômico nacional têm estado em franco e diário movimento. Todos os dias nos deparamos com novidades, de notícias escandalosas a temerárias. Os serviços de comunicação e informação trabalham ininterruptamente para dar conta da frenética dinâmica dos acontecimentos. Do raiar do dia ao fim da noite os cenários se reconfiguram de maneira assustadora, promovendo, portanto, desdobramentos e consequências que surpreendem perspectivas e expectativas de analistas experientes.

Isso tudo quer dizer que estamos muito distantes de “ventos de calmaria”, para nos sentirmos suficientemente seguros e tranquilos. Na verdade, estamos muito mais próximos de um confronto direto com icebergs capazes de romper, abruptamente, com o equilíbrio e a sobrevivência do país. Aliás, a começar pelo alicerce democrático nacional, o qual vem sofrendo ataques contínuos, como se estivessem medindo a sua capacidade de resistência.

De modo que, fosse só a Democracia em jogo, isso já seria o suficiente para manter o cidadão em alerta. Talvez, uma grande parcela da geração atual não tenha essa dimensão; pois, “cada geração se imagina mais inteligente do que aquela que veio antes dela, e mais sábia do que a que virá depois dela” (George Orwell – escritor e jornalista inglês). Mas, os demais, certamente, irão concordar que sem ela, o cotidiano brasileiro vira de cabeça para baixo.

Num piscar de olhos, uma permissividade manipulada desconstrói arbitrariamente a liberdade e a escolha, tornando o indivíduo um ser silenciado, invisibilizado, apartado da sua cidadania, com uma vida moldada dentro de uma proposta que não é a sua. Em síntese, isso significa que “a linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George Orwell).

Então, quando se está diante de um recorte temporal aprazível, como um feriado, uma festa ou um grande evento, o qual é capaz de exercer uma tentadora influência alienante nas pessoas, não se deve esquecer dos riscos que se impõem, mesmo que estejam apenas subentendidos. Cuidado! Nem todo ócio é criativo.

Afinal, “é necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal”, porque isso nos impede de entender que “não é a morte que me importa, porque ela é um fato. O que me importa é o que eu faço da minha vida enquanto minha morte não acontece, para que essa vida não seja banal, superficial, inútil, pequena”. “Mudar é complicado, mas se acomodar é perecer” (Mario Sergio Cortella – filósofo). Temos que pensar a respeito!