terça-feira, 18 de abril de 2017

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Fair Play1



Por Alessandra Leles Rocha



Quebra de decoro. Corrupção institucionalizada. Crimes do “colarinho branco” em plena evidência... O Brasil tenta se recompor nas últimas semanas diante de noticias ultrajantes, as quais a dimensão do descalabro nos surpreendeu sobremaneira. No entanto, o que mais nos entristece nesse mar de lama foi a naturalidade com a qual os absurdos são percebidos por tantas pessoas 2. Gente que ri das trapaças e não consegue entender que esse é o artifício dos fracos, dos pobres de espírito, dos incapazes.
Engraçado, porque esse é o mesmo país que chora e lamenta, até hoje, a perda repentina do seu maior desportista, o Ayrton Senna. Um cara obstinado pela perfeição, pela dedicação, pela lisura na realização do seu ofício, enfim... Totalmente o oposto dessa banda podre que tenta continuar reinando no Brasil e, lamentavelmente, ainda encontra aplausos e reverências por aí.
Vejam só! Então, eu me pergunto: de que lado queremos realmente ficar? O que essa deterioração humana trouxe verdadeiramente de bom para a sociedade brasileira, hein? Década após década foi sendo permitido um processo de consolidação dos piores comportamentos sociais; mas, o cidadão parece enxergar só o que está distante dele e não diante dele, ou seja, aquilo que os outros fazem e não ele próprio.
É por isso que a atitude normal, de puro “fair play”, do jogador Rodrigo Caio, durante uma partida do Campeonato Paulista de Futebol, no último fim de semana, causou comentários e dividiu opiniões 3. O que era para ser regra, em tempos de valores tão distorcidos, acaba sendo exceção; e isso, é muito ruim para a sociedade como um todo. Inclusive, enfraquece sobremaneira os esforços mundiais em favor de que a prática esportiva aconteça de forma limpa, sem trapaças de nenhuma natureza; um jogo justo.
O mundo contemporâneo nos tem feito esquecer que o prazer da competição não é, simplesmente, o resultado final. Deveríamos querer igualdade total e irrestrita para que vençam os mais rápidos, os mais fortes, os mais dedicados, os mais determinados,... os melhores. O que adianta uma medalha no peito, perdida meses depois por conta de um resultado positivo de doping? Que gosto pode ter uma vitória desleal assim?
Relembrando o Ayrton, com ele carro quebrado na pista era guiado até o máximo da sua exaustão muscular. Que digam os privilegiados que assistiram a ele vencer pela primeira vez o GP de Fórmula 1, em Interlagos, em 1991, com apenas uma marcha. Ou a seleção brasileira masculina de basquete que venceu a seleção norte-americana, nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, algo considerado por muitos um sonho impossível, um marco da mais expressiva superação verde-amarela. 
A atitude de Rodrigo Caio veio nos resgatar essas boas lembranças, nos mostrar o que era bom e andamos tão esquecidos. É como disse o próprio Senna, “No que diz respeito ao empenho, ao compromisso, ao esforço, à dedicação, não existe meio termo. Ou você faz uma coisa bem feita ou não faz”. A população brasileira tem muita gente boa, de talento, de brio, de vontade, de coragem; cidadãos de verdade. É nisso que precisamos centrar o foco, porque não é apenas uma questão de talento. A questão urgente é trabalhar e enaltecer o valor do caráter, da dignidade, da hombridade, do que proporciona a um ser humano se destacar entre os demais, a angariar a simpatia e o reconhecimento positivo.
Se os ventos sopram a mudança em nosso país, não podemos nos furtar a permitir que ela se manifeste nos gestos de cada indivíduo e alcance todos os espaços sociais sem distinção. Temos que rever nossos conceitos, valores, princípios, faxinar a mente e a alma em busca de resgatar a força capaz de nos propiciar construir a nossa verdadeira cidadania. Caso contrário, continuaremos reafirmando e perpetuando pela eternidade as palavras de Rui Barbosa, “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.




1 Jogo Justo.

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