quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Educação, Cidadania e outras reflexões

Educação, Cidadania e outras reflexões


Por Alessandra Leles Rocha



Diante da acalorada discussão que se estabeleceu em torno da PEC do teto de gastos públicos, proposta pelo governo federal, a Educação ocupa espaço no debate em torno dos impactos a que estaria sujeita no caso da aprovação da tal Proposta de Emenda Constitucional.
Mas, me preocupa o enfoque o qual está sendo dado a essa pauta; porque, na verdade não se trata de pensarmos na Educação única e exclusivamente pelo ponto de vista dos recursos. É claro que sem dinheiro qualquer iniciativa encontra dificuldades para ser implementada; mas, olhemos com seriedade para os descaminhos que a Educação brasileira vem trilhando e perceberemos que as raízes dos seus problemas se arrastam por décadas e estão além do dinheiro investido.
Penso que para falar de investimentos ou requerer mais deles precisamos antes de tudo saber por que queremos, aonde vamos aplicar os recursos, de que forma iremos fazê-lo, quais os objetivos a serem transformados em realidade etc.etc.etc. Então, se a verba está aquém das expectativas, por que não nos questionamos sobre o modelo de gestão vigente, hein? Sim, porque há em meio às dificuldades orçamentárias (sobretudo, em pequenos municípios brasileiros), casos de sucesso em que escolas se destacam pela eficiência da gestão e dos resultados obtidos.
Desse modo, entendo que nos debruçarmos em favor das demandas reais que impactam a Educação deveria ser o nosso primeiro compromisso cidadão. Não vejo, embora as situações críticas se proliferem cotidianamente, ninguém manifestar abertamente a necessidade, por exemplo, de se incorporar ao ambiente escolar, seja ele publico ou privado, um núcleo multidisciplinar de apoio psicopedagógico que contemple a presença de psicólogos, fonoaudiólogos e assistentes sociais, para dar suporte ao professorado na assistência integral aos alunos.
Lamentavelmente, não podemos fechar os olhos aos problemas sociais que afloram extramuros da escola; pois, elas repercutem drasticamente no seu interior e estão além da capacidade humana e profissional do corpo de funcionários lá presentes (especialmente, os professores) . Inclusive, essas questões não podem continuar a ser mascaradas ou desconsideradas no âmbito da evasão escolar e dos péssimos resultados de aprendizagem apontados pelos exames nacionais.  Ora, não precisa ser nenhum gênio para saber que uma criança ou um adolescente que enfrenta situações de risco, de fragilidade e vulnerabilidade social não tem equilíbrio e/ou motivação para manifestar suas habilidades e competências de maneira plena durante os processos de ensino-aprendizagem.
Também, me parece quase silenciosas às manifestações sobre a necessidade de se estabelecer uma proposta curricular verdadeiramente consciente sobre a relação ensino/cidadania. Que cidadãos se pretende formar em nossas escolas? Essa é uma pergunta fundamental, porque se não sabemos aonde queremos chegar, também, não saberemos qual o melhor caminho a seguir. A preocupação conteudista que nos perseguiu até aqui já assinala a sua falência há tempos e, hoje, já repercute numa carência de mão de obra verdadeiramente qualificada, porque os alunos não só não conseguem estabelecer uma lógica entre o que é ensinado e sua aplicação no contexto real; como, também, não compreendem o significado da educação na construção da sua cidadania.  
E não venham contestar essa colocação com o argumento das recentes ocupações das escolas, pois elas não traduzem verdadeiramente a proposta de uma educação cidadã. Primeiro, porque não se trata de propor algo como a criação de um conjunto de práticas pedagógicas para tratar de forma efetiva as temáticas da cidadania de maneira multi e interdisciplinar dentro da grade curricular, com vistas a envolver a participação de toda a comunidade escolar. Aliás, o ensino carece muito da construção de um letramento crítico por parte das disciplinas, o que naturalmente contribuiria muito para essa fundamentação cidadã. Segundo, porque não faz sentido incentivar uma prática que no intuito de defender uma ideia legítima coloque em xeque a legalidade; posto que, a grande maioria desses alunos é menor de idade, segundo a legislação brasileira, e, portanto, sujeita a tutela dos pais ou responsáveis. Ora, e quem descumpre as leis afronta a própria cidadania, não é mesmo? Terceiro, porque a questão novamente afrontou a legalidade na medida em que obstruiu o direito daqueles que, embora concordassem com a defesa das ideias, não queriam resolvê-la daquela forma e foram impedidos do seu direito de ir e vir e frequentar as aulas. Uma atitude que me parece, também, contraditória ao que preconiza a defesa democrática dos direitos e da cidadania; bem como, a própria Educação.
Outro aspecto importante em relação aos debates educacionais se dá pelos apelos e discursos em torno da utilização das novas tecnologias, que verdadeiramente já estão absorvidas pela sociedade e não se pode negá-las, pelo fato das novas gerações disporem de amplo domínio sobre a linguagem e ferramentas tecnológicas. Mas, lamento informar que elas não são a solução mágica para todos os problemas da Educação, como tentam fazer parecer. Não bastam computadores, tablets e afins em todas  as escolas; pois, a velocidade de informações que chegam por minuto impede, na maioria das vezes, que estas sejam absorvidas, interpretadas adequadamente e transformadas em conhecimento pelos estudantes. Isso significa o mesmo que uma tempestade cair sobre o solo e não ter tempo hábil para a água ser plenamente absorvida. 
Assim, as novas tecnologias são ferramentas importantes e úteis, quando bem usadas; no entanto, é preciso saber manejá-las e incorporá-las conjuntamente a outros instrumentos pedagógicos já existentes. Nesse contexto, para que o investimento desse porte seja disponibilizado é fundamental que o papel do professor seja o de atuar como um orientador do processo; porque ele, melhor do ninguém, sabe que não precisamos negar os materiais que temos nas mãos em detrimento das novidades na medida em que tudo tem seu espaço, seu momento de aplicação e é bem vindo para contribuir para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Também abafada nas discussões é a questão da inclusão, ou a proposta da “escola aberta para as diferenças”. Além da ideia do núcleo multidisciplinar de apoio psicopedagógico já falado anteriormente, nossas escolas precisam muito conhecer e aprender a utilizar os materiais adaptados às necessidades dos alunos e agir de maneira proativa, sem a necessidade de medidas judiciais, no sentido de proporcionar a inclusão plena de seus alunos no âmbito logístico, afetivo, social e de infraestrutura escolar.
A inclusão, também, aponta a importância do professor assistente em sala de aula, o qual trabalhe de forma integrada com o professor regente e possa efetivamente auxiliá-lo na condução das atividades; sobretudo, com os alunos portadores de algum tipo de deficiência. Mas, para isso é preciso nos preocupar com a qualificação da docência no país; de modo que, esta seja uma formação condizente as realidades e a satisfação dos resultados esperados. Não são apenas os baixos salários ou a precariedade de muitas escolas que afugentam o professor da sala de aula; mas, a própria sensação de despreparo para realizar o trabalho, causando-lhe profunda insegurança e temor.
Enfim, parece que estamos sempre olhando a realidade de forma fragmentada, quando o assunto é Educação. O que adianta pagar dignamente o professor e não lhe dar dignidade no exercício do seu ofício? O que adianta reformar a escola e não ter uma merenda digna para oferecer aos alunos? O que adianta oferecer o uniforme e não ter professor lecionando? O que adianta...?
Com o recurso disponível, também, não vemos ações já previstas no âmbito da Educação ser realizadas de forma equilibrada e sistêmica; elas, simplesmente, passam despercebidas por milhares de gestores. Quantos projetos, por exemplo, de manutenção e revitalização das escolas você conhece na sua cidade? E manutenção de hortas para melhoria da merenda escolar (e fonte de aprendizagem para os alunos das séries iniciais, também)? Pois é, leitor, para toda e qualquer iniciativa é preciso PLANEJAMENTO, PROJETO e, particularmente, VONTADE DE TRANSFORMAÇÃO.
Então, caso toda a mobilização e discussão que estão acontecendo resultem na rejeição e não aprovação da tal PEC do teto de gastos públicos; assim, existindo a possibilidade de mais injeção de recursos para Educação poderemos garantir, sem hesitação, que todos os problemas estarão resolvidos? Na dúvida em responder, lembre-se das palavras de Buda, “Não acredite em algo simplesmente porque ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite em tradições só porque foram repassadas de geração em geração. Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e benefício de todos, aceite-o e viva-o”.