sexta-feira, 1 de julho de 2016

Para parar e pensar!


Efeito manada 

Por Alessandra Leles Rocha 

Pane no sistema, alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô?
Eu não sabia, eu não tinha percebido
Eu sempre achei que era vivo

Parafuso e fluido em lugar de articulação
Até achava que aqui batia um coração
Nada é orgânico, é tudo programado
E eu achando que tinha me libertado
Mas lá vem eles novamente, eu sei o que vão fazer
Reinstalar o sistema

Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, more, gaste, viva

Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga

Não, senhor, sim, senhor
Não, senhor, sim, senhor [...]

(Admirável Chip Novo – Pitty)

 
Nada deveria ser mais deprimente ao ser humano do que a demonstração explícita da falta de personalidade. Todos os Homo sapiens sobre o planeta, queiram eles ou não, são seres únicos, singulares, seja pelas milhares de variantes biológicas ou comportamentais. Cada um tem uma identidade e isso deveria ser um motivo de orgulho, de exaltação; mas, o que se vê rotineiramente é uma busca incessante pela massificação, estereotipização, como formas de se estabelecer uma cultura de igualdade para a desigualdade natural e intrínseca de todos nós.
Talvez, muitos estejam tão absortos pelo automatismo da rotina cotidiana, do estresse, que nem chegam a parar e refletir sobre a gravidade desse fenômeno. Mas, ele é grave sim; especialmente, porque a sua sistematização leva ao esgarçamento e comprometimento de relações sociais saudáveis, altruístas, produtivas. O que tantas vezes parece bobagem, irrelevância, no fundo é o início de uma ferrugem a corroer estruturas importantes para o bem-estar e o futuro da própria humanidade.
Ora, e não é difícil perceber que atitudes simples como, assumir a própria identidade, nesse mundo pós-moderno tem se tornado uma transgressão imperdoável. Ser você mesmo passou a ser considerado “ser alguém diferente”; e, por isso, necessário de sofrer alguma forma de contenção social, para não “contaminar” os demais. É como se o mundo, de uma hora para outra, assumisse como normal que todos os viventes do planeta fossem cópias de um mesmo carimbo, ou seja, mesma cor e corte de cabelo, mesma roupa, mesma ideologia, mesmo comportamento, mesmos valores,... tudo para que não houvesse nenhum tipo de discrepância ou divergência.
Esse silencioso ditame de obediência é que nos tem feito presenciar as mais perversas arbitrariedades sociais. A menor aresta que se interponha entre os indivíduos é motivo de segregação, de intolerância, de violência, de guerra. Há um desrespeito tão intenso as garantias individuais, que as pessoas estão sendo oprimidas e massacradas a se renderem aos apelos de uma maioria, caso não queiram viver à margem, exiladas do restante do mundo. E, lamentavelmente, não há mais o diálogo, no seu sentido pleno, ou seja, uma conversa franca e aberta, com olhos nos olhos. Aliás, por que dialogar, não é mesmo? Seja, aja, pense, sinta, compre... como todo mundo. Não queira ser diferente, apenas acompanhe o fluxo da manada. Assim, você não incomoda ninguém e sua identidade fica restrita a um número em um cartão.
Quanto às habilidades, as competências, os interesses, tudo isso também já entrou na conta da massificação mediocrizada. A sociedade parece conformada em ser medíocre, em se nivelar pelos parâmetros mais baixos e inexpressivos; como se não pulsasse dentro de cada um, milhares de sonhos, aspirações e projetos. Como se uma vida blasé pudesse fazer o ser humano plenamente feliz e, por isso, não fosse necessário despender energia, buscando fazer o melhor em cada plano do cotidiano. O trivial fosse sempre suficiente, o bastante. Nada de assumir responsabilidades, de se comprometer com as obrigações advindas dos direitos,... Assim, a humanidade se permite ser automatizada e fazer somente aquilo que “o senhor mestre mandar”.
Como se vê, o mundo está fragmentado, alinhavado por linhas divisórias cada vez mais profundas e absurdas que contam com a pactuação de todos aqueles que querem ser cada vez mais iguais. E na sua igualdade paradoxal... eles também se debruçam ao culto das vaidades, do poder, do status, do dinheiro, para sentirem que habita neles um diferencial sobre os outros.
Talvez, seja essa a grande neurose que acompanha a humanidade desde sempre; porque como relatou Anne Frank, em seu diário escrito entre 1942 e 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, "Criticam tudo, e quero dizer mesmo tudo, sobre mim: o meu comportamento, a minha personalidade, as minhas maneiras; cada centímetro de mim, da cabeça aos pés, dos pés à cabeça, é objeto de mexericos e debates. São-me constantemente lançadas palavras duras e gritos, embora eu não esteja habituada a isso. Segundo as autoridades definidas, eu devia sorrir e aguentar". Portanto...

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