sábado, 14 de maio de 2016

Leia e reflita!


A palavra de ordem deve ser: FOCO!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

“Depois da tempestade vem a bonança”; assim prega o dito popular. Mas, na ótica da atual conjuntura brasileira, creio que não é bem assim. Estamos no decurso de um processo, longo e árduo, que acontece em uma sociedade bastante impactada por ideologias que ao contrário de unir o país em torno de um mesmo propósito, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” 1, estabeleceu uma grave desagregação.

Por isso é necessária à reflexão, uma tomada de consciência apartidária, capaz de dirimir as divergências, priorizando as demandas emergenciais que acometem a todos os cidadãos brasileiros sem distinção. Depois das grandes catástrofes, ainda em meio aos escombros, é fundamental criar condições que viabilizem promover a esperança dos sobreviventes e focar nas metas de reerguimento da sociedade em termos materiais e logísticos.

A tarefa é de fato desafiadora. Afinal de contas, a natureza humana guarda em si o germe do egoísmo; relembrando outro dito popular, “se a farinha é pouca, o meu pirão primeiro”. Infelizmente, na cultura de vários países, inclusive o Brasil, as pessoas têm por hábito pensar primeiro nos seus interesses do que no interesse dos demais; querem tudo a tempo e a hora de suas vontades. Então, as tensões que vieram se fiando na última década fatidicamente tendem a exacerbar esses sentimentos e impedir que a união consiga reverter os graves problemas instituídos antes que estes se tornem, realmente, insolúveis.

Como ponto de partida, a sociedade está diante de um governo interino, ou seja, “que exerce funções só durante o tempo de impedimento de outrem” 2; o qual foi estabelecido mediante princípios constitucionais e referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo isso, porque o país não poderia ficar à deriva pelo prazo de seis meses, enquanto se processa o julgamento do impeachment da presidente da República; e segundo a legislação vigente cabe ao vice-presidente assumir a função.

A questão é que até a decisão do Senado em afastar temporariamente a presidente, o país já se encontrava paralisado, sobretudo, do ponto de vista econômico. Desde 2014 o ciclo de contração da economia brasileira começou a se intensificar, a tal ponto que as expectativas são de 3,4% este ano. Estamos vivenciando a pior recessão dos últimos 20 anos, o que se traduz numa desaceleração da produção nacional, na arrecadação de tributos, no grau de interesse de investimentos estrangeiros no país. Sem contar que o déficit no orçamento federal pode travar a gestão pública; posto que, a priori o mesmo já está na casa de R$96 bilhões. Longe dessas cifras absurdamente alarmantes, não se pode esquecer dos 10,4 milhões de desempregados e da taxa de juros (SELIC) de 14,25% ao ano até o momento.   

Sendo assim, parece-me óbvio que a prioridade seja focar na contenção desse processo de queda-livre econômico. A sobrevivência da população brasileira, em termos de emprego e renda, deveria estar acima de outras questões que possam ser discutidas em momentos de menor turbulência. Afinal, a questão econômica impacta diretamente na qualidade de vida do cidadão, no seu bem estar psíquico, físico e emocional; de modo que suas relações sociais passam a acontecer de modo desequilibrado e insatisfatório. Aliás, ninguém consegue ser um cidadão pleno se não encontra diariamente a satisfação dos seus direitos sociais, ou seja, “a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” 3.

Infelizmente, à revelia da população, houve quem permitisse que a situação da economia brasileira se desvirtuasse do equilíbrio e não buscasse mecanismos de reversão desse processo, antes que a gravidade atingisse números traduzidos rapidamente na realidade do cotidiano brasileiro. E na lógica de um país que sempre esteve marcado pelas discrepâncias sociais, pelas desigualdades de todos os tipos, os primeiros a serem castigados com todos esses arrochos da economia, foram aqueles que por um instante começavam a ser reconhecidos como cidadãos, os mais carentes e assistidos pelos programas assistenciais. Foram eles, os primeiros a sofrer com a carestia promovida pelo retorno da inflação, impactando os alimentos e as tarifas públicas.   

Como é possível perceber, uma economia forte, estável, equilibrada, é que permite (como já vimos a partir de 1994) a promoção de um país “livre, justo e solidário” 4; mas, é obvio que os esforços não param por aí. A sociedade é viva, está sempre em franco desenvolvimento e aspiração; por isso, jamais estará perfeita e acabada. É dessa consciência que parte a busca pelas constantes melhorias, pela reafirmação dos direitos. Mas tudo tem um tempo para acontecer; reconstruções, recomeços, nunca são simples e fáceis. As perdas e os ganhos são inerentes à vida; se quisermos construir algo de bom para todos temos que estar dispostos agora a aceitarmos essa verdade inconteste.

Desse modo, discursos ranzinzas a essa altura do campeonato não edificam nada. Veja por exemplo que durante anos na história brasileira, e até por uma lógica natural, educação e cultura estiveram dentro de uma mesma pasta ministerial, o MEC; só mais recentemente, elas foram dissociadas e tenho lá minhas dúvidas se essa separação efetivamente culminou num avanço significativo para esses dois pilares de cidadania. Ora, porque se pusermos o reparo devido na história, veremos que em termos de consciência sobre a relevância da cultura na promoção da educação, e vice-versa, estamos anos luz de alcança-la. Quantos não são os brasileiros e brasileiras sem acesso qualitativa e quantitativamente à educação e a cultura no país? A própria tecnologia que poderia ser um elo de conexão entre elas inexiste ainda em milhares de escolas brasileiras ou não estão devidamente disponíveis aos professores e alunos no contexto educacional. Quantos projetos de cinema nas praças e ruas precisam continuar existindo, porque persiste a não existência de salas de cinema em todos os municípios, ou porque o custo do ingresso é inviável a muitos cidadãos. Pois é...

Outra situação emergida nesses últimos dias foi em relação a um ministério composto exclusivamente por homens. Ora, mas desde quando o Brasil exerce efetivamente a sua consciência da igualdade de gênero? Sejamos honestos quanto à desigualdade que impera em nosso país, a ponto de que a violência contra a mulher só faz crescer, apesar da sanção da Lei Maria da Penha (Lei 11.340, 07/08/2006). Não se trata só da violência física; mas, da violência psíquica, emocional, afetiva a que milhares de cidadãs são submetidas no contexto familiar, educacional, profissional brasileiros, ao longo de séculos.

Para aqueles que não se recordam, conforme matéria publicada pelo site do Estadão, em 08 de março de 2012, “Governo recua da ideia de sanção do projeto que iguala salários de homens e mulheres” 5. É, mas não me lembro de nenhuma manifestação contundente da sociedade em geral, especialmente da classe política, sobre o assunto; ficando “o dito pelo não dito” sem nenhuma menção de retomar a ideia em algum outro momento da história, apesar do fato ter ocorrido em plena comemoração pelo Dia Internacional da Mulher.  A própria participação feminina na política brasileira, inclusive após a redemocratização na década de 1980, também caminha a passos vagarosos. O próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu engajar-se em campanha de estímulo à participação das mulheres na política 6. Enfim, a complexidade e profundidade das questões étnicas e de gênero no país ultrapassa a escolha de um ministério interino.

Portanto, leitores, a gravíssima situação pede menos “mi-mi-mi” e mais razão e sensibilidade traduzidas por ações que convirjam aos interesses do bem estar do país, ou seja, dos cidadãos de todas as classes, etnias, gêneros, credos, profissões; sendo o foco dessa mobilização, a retomada dos caminhos da economia.





1 Art. 3º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.


2 Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.


3 Art. 6º, da Constituição Federal de 1988.


4 Art. 3º, da Constituição Federal de 1988.


6 http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Marco/tse-se-engaja-em-campanha-de-estimulo-a-participacao-das-mulheres-na-politica.

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