A cachaça é uma bebida de grande
importância cultural, social e econômica para o Brasil, e está relacionada
diretamente ao início da colonização do País e à atividade açucareira, que, por
ser baseada na mesma matéria prima da cachaça, forneceu influência necessária
para a implantação dos estabelecimentos cachaceiros.
Os primeiros relatos sobre a fermentação vêm dos egípcios
antigos. Curam várias moléstias, inalando vapor de líquidos aromatizados e
fermentados, absorvido diretamente do bico de uma chaleira, num
ambiente fechado. Os gregos registram o processo de obtenção da acqua ardens.
A água que pega fogo - água ardente (al kuhu). Alquimistas
tomam conhecimento da água ardente, atribuindo-lhe propriedades
místico-medicinais. Transforma-se em água da vida, e a eau de vie
é receitada como elixir da longevidade.
A aguardente
então vai da Europa
para o Oriente Médio, pela força da expansão do Império
Romano. São os árabes que descobrem os equipamentos para a destilação,
semelhantes aos que conhecemos hoje. Eles não usam a palavra al kuhu e
sim al raga, originando o nome da mais popular aguardente da península
arábica: arak, uma aguardente misturada com licores de anis e
degustada com água. A tecnologia de produção espalha-se pelo velho e novo
mundo. Na Itália,
o destilado de uva
fica conhecido como grappa.
Em terras Germânicas,
se destila a partir da cereja o Kirsch; na antiga Tchecoslováquia, atualmente dividida em
República Tcheca e República Eslovaca, a destilação da Sleva (espécie de
ameixa) gera a slevovice (lê-se eslevovitse). Na Escócia se
populariza o whisky,
destilado da cevada
sacarificada. No Extremo Oriente, a aguardente serve para esquentar
o frio das populações que não fabricam vinho. Na Rússia a vodca, de centeio. Na China e no Japão, o saquê, produzido
a partir da fermentação do arroz é frequentemente confundido com uma aguardente devido ao
seu elevado teor alcoólico, mas é na verdade um vinho. Portugal também
absorve a tecnologia dos árabes e destila, a partir do bagaço de uva, a bagaceira.
Já em 1530 os
primeiros donatários portugueses decidem começar empreendimentos nas terras
orientais do Novo Mundo, implementando o engenho de açúcar com
conhecimento e tecnologia adquiridos nas Índias Orientais, vindas do sul da Ásia. Assim surgem
na nova colônia portuguesa os primeiros núcleos de povoamento e agricultura.
A geração inicial de colonizadores apreciava a bagaceira portuguesa e o vinho
do porto. Assim como a alimentação, toda bebida era importada da metrópole.
Em algum engenho é descoberto o vinho de cana-de-açúcar, que é o resultado do caldo
de cana fermentado, como também dos subprodutos da produção do açúcar,
como as espumas e o melaço misturados à água. É uma bebida limpa, em comparação
com o cauim - vinho produzido pelos índios, no qual todos cospem num
enorme caldeirão de barro para ajudar na fermentação do milho. Os senhores de
engenho passam a servir o tal caldo, denominado cagaça, para os escravos.
Em 1584 o Memorial de Gabriel Soares de Sousa faz referências a
"oito casas de cozer méis" na Bahia.
Dos meados do século XVI até metade do século
XVII as "casas de cozer méis" se multiplicam. Inicialmente
"casa de cozer méis" era o nome dado aos engenhos produtores de
açúcar e posteriormente foi também aplicado aos alambiques produtores de
cachaça. O primeiro registro histórico da cachaça aparece apenas na década de
1620 na Bahia, coincidindo com o rum nas possessões inglesas nas
Américas, da aguardiente de caña nas espanholas e da tafia nas
francesas. Ou seja, a cachaça, o rum, a aguardiente de caña
e a tafia foram todas criadas a partir dos mesmos subprodutos da
produção de açúcar, o melaço e as espumas. A cachaça torna-se moeda corrente
para compra de escravos na África. Alguns engenhos passam a dividir a atenção entre o
açúcar e a cachaça. A descoberta de ouro nas Minas Gerais, traz uma grande população, vinda de
todos os cantos do país, que constrói cidades sobre as montanhas frias da Serra do Espinhaço. A cachaça ameniza a
temperatura.
Incomodada com a queda do comércio da bagaceira e do vinho portugueses na
colônia e alegando que a bebida brasileira prejudica a retirada do ouro das
minas, a Corte proíbe a partir de 1635 várias vezes a produção, comercialização
e até o consumo da cachaça. Sem resultados, a Metrópole portuguesa resolve
taxar o destilado. Em 1756
a aguardente de cana-de-açúcar foi um dos gêneros que mais contribuíram com
impostos voltados para a reconstrução de Lisboa, destruída
no grande terremoto de 1755. Para a cachaça são
criados vários impostos conhecidos como subsídios, como o literário, para
manter as faculdades da Corte.
Com o passar dos tempos melhoram-se as técnicas de produção. A cachaça é
apreciada por todos. É consumida em banquetes palacianos e misturada ao gengibre e
outros ingredientes, nas festas religiosas portuguesas - o famoso quentão.
Devido ao seu baixo valor e associação às classes mais baixas (primeiro os escravos e depois os pobres e miseráveis), a cachaça sempre deteve uma áurea marginal. Contudo, nas últimas décadas, seu reconhecimento internacional tem contribuído para diluir o índice de rejeição dos próprios brasileiros, alçando um status de bebida chique e requintada, merecedora dos mais exigentes paladares.
O total de produtores de cachaça em 2011 alcançou no Brasil os 40.000,
sendo que apenas cerca de 5.000 (12%) são devidamente registrados. Por ser uma
bebida popular que vem há séculos acompanhando o povo brasileiro, é conhecida
por inúmeros sinônimos como abençoada, abrideira, água que passarinho não bebe,
amnésia, birita, codório, conhaque brasileiro, da boa, delas-frias, danada,
divina, espevitada, espírito, fava de cheiro, fia do sinhô de engenho, gasolina
de garrafa, geribita, imaculada, januária, lambida, levanta velho, lisa, malta,
mandureba, maria branca, mé, néctar dos deuses, paratí, pitú, preciosa, queima
goela, refrigério da philosophia, rum brasileiro, salinas, semente de arenga,
suor de alambique, terebintina, tinguaça, uca, uma que matou o guarda, vinho de
cana, vocação, ypióca, etc. Seus sinônimos passam de 2.000 e a cachaça é, sem
dúvidas, a palavra com mais sinônimos na língua portuguesa e talvez em qualquer
outra língua.
Atualmente várias marcas de boa qualidade figuram no comércio nacional e
internacional e estão presentes nos melhores restaurantes e adegas residenciais
pelo Brasil e pelo mundo.
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