Memórias
Por
Alessandra Leles Rocha
Não
me agrada esse generalismo em dizer que “o brasileiro tem memória curta”! A
questão não está ligada a extensão da memória, mas há vários aspectos
socioculturais importantes, a começar na renovação populacional.
É!
Gerações vão se sucedendo e acompanhando o ritmo existencial imposto. São as
vivências e experiências individuais e coletivas se sobrepondo gradativamente e
reservando espaço no consciente (e inconsciente) daqueles mais sensíveis e
atentos aos acontecimentos, às pessoas, as músicas, aos filmes, aos lugares
etc. Então, essas pessoas tornam-se um acervo vivo de memórias, a serem
contadas muitas e muitas vezes nas conversas com os contemporâneos ou com a juventude
que os cerca. Esse “mergulho no tempo” ativa as lembranças, as emoções, os
sentimentos, e por mais que isso seja intenso, aos ouvintes o registro será bem
mais superficial; daí, o apagar natural dos fatos ao longo do tempo!
A
fragilidade dos arquivos históricos também não pode ser negada. Em pleno século
XXI, rodeados por uma infinidade de parafernálias tecnológicas – pen drive, CD,
DVD, bibliotecas e museus virtuais -, muitas vezes nos esquecemos de que nem
sempre foi assim. A dificuldade de registrar e conservar as informações
esbarrava em incêndios, traças (e outros insetos), ratos, mofo, chuva,... e
até, em furtos. A integridade da memória lentamente ia se esgarçando e se
transformando num imenso quebra-cabeça repleto de falhas, onde hipóteses passavam
a ocupar o espaço dos verdadeiros fatos.
Sem
dispor de todos os elementos de registro, a história se viu enredada a satisfazer
as vontades de uns e outros, passando a ser contada com muitos vieses. Personagens
principais e coadjuvantes se alternando em cada versão; bem como, poderiam ou
não ser sumariamente suprimidos, sem maiores questionamentos. O mesmo ocorrendo
com lugares e períodos. A velha máxima de que “quem conta um conto aumenta um
ponto” encontrou respaldo de verdade e nossa memória foi adquirindo contornos
equivocados, desconexos!
O
papel da família e da escola na construção da memória é outro aspecto muito
importante! O valor dado à história e a maneira com a qual é cultivada desde a infância
estimula a sensibilidade do individuo e amplia o seu raio de visão sobre a vida
e o mundo. Está na aprendizagem de como correlacionar os fatos entre o ontem, o
hoje e o amanhã o diferencial enriquecedor para a formação cidadã. Por isso,
mesmo que não tenha vivido determinado período da história, há quem colecione
materiais a respeito e conheça profundamente sobre o assunto; mantendo ativa a
memória.
O
ritmo frenético do cotidiano também encontrou lugar de pretexto para a tal “memória
curta”. Tudo muito veloz, milhares de compromissos e afazeres, estresse no
trânsito,... mal resta tempo para sonhar durante o sono! A vida tão à beira do
limite, que os registros se superficializaram ao nível das exigências: lembrar
a lista de compras do supermercado, a matéria da prova, o itinerário da viagem,
por exemplo. A memória prazerosa, revestida de emoção, perdeu espaço de
destaque, transformou-se em mero “arquivo morto”.
Pode
parecer bobagem falar sobre a memória; mas, na verdade não é! Que pena, não
gastamos quase nada da capacidade cerebral com ela; especialmente, por estarmos
dispensando tão pouco interesse em fazê-lo! Ainda que alheios à profundidade de
seu significado, ela traduz exatamente quem somos, a nossa essência; esse imenso banco de dados guarda a raiz de
nossos encantos e desencantos pela vida, nossas paixões mundanas, nossa
caminhada rumo à evolução (ou involução, vai saber!). Imateriais, não palpáveis;
mas, ao mesmo tempo tão capazes de nos envolver e acalentar! Parceiras singulares
nos momentos de tempestade, de calmaria, de solidão, de comemoração, de
reflexão,... Enfim, como disse José Saramago, “fisicamente, habitamos um
espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória” 1.