domingo, 2 de setembro de 2012

Crônica da Semana!!!


Memórias


Por Alessandra Leles Rocha


Não me agrada esse generalismo em dizer que “o brasileiro tem memória curta”! A questão não está ligada a extensão da memória, mas há vários aspectos socioculturais importantes, a começar na renovação populacional.
É! Gerações vão se sucedendo e acompanhando o ritmo existencial imposto. São as vivências e experiências individuais e coletivas se sobrepondo gradativamente e reservando espaço no consciente (e inconsciente) daqueles mais sensíveis e atentos aos acontecimentos, às pessoas, as músicas, aos filmes, aos lugares etc. Então, essas pessoas tornam-se um acervo vivo de memórias, a serem contadas muitas e muitas vezes nas conversas com os contemporâneos ou com a juventude que os cerca. Esse “mergulho no tempo” ativa as lembranças, as emoções, os sentimentos, e por mais que isso seja intenso, aos ouvintes o registro será bem mais superficial; daí, o apagar natural dos fatos ao longo do tempo!
A fragilidade dos arquivos históricos também não pode ser negada. Em pleno século XXI, rodeados por uma infinidade de parafernálias tecnológicas – pen drive, CD, DVD, bibliotecas e museus virtuais -, muitas vezes nos esquecemos de que nem sempre foi assim. A dificuldade de registrar e conservar as informações esbarrava em incêndios, traças (e outros insetos), ratos, mofo, chuva,... e até, em furtos. A integridade da memória lentamente ia se esgarçando e se transformando num imenso quebra-cabeça repleto de falhas, onde hipóteses passavam a ocupar o espaço dos verdadeiros fatos.
Sem dispor de todos os elementos de registro, a história se viu enredada a satisfazer as vontades de uns e outros, passando a ser contada com muitos vieses. Personagens principais e coadjuvantes se alternando em cada versão; bem como, poderiam ou não ser sumariamente suprimidos, sem maiores questionamentos. O mesmo ocorrendo com lugares e períodos. A velha máxima de que “quem conta um conto aumenta um ponto” encontrou respaldo de verdade e nossa memória foi adquirindo contornos equivocados, desconexos!
O papel da família e da escola na construção da memória é outro aspecto muito importante! O valor dado à história e a maneira com a qual é cultivada desde a infância estimula a sensibilidade do individuo e amplia o seu raio de visão sobre a vida e o mundo. Está na aprendizagem de como correlacionar os fatos entre o ontem, o hoje e o amanhã o diferencial enriquecedor para a formação cidadã. Por isso, mesmo que não tenha vivido determinado período da história, há quem colecione materiais a respeito e conheça profundamente sobre o assunto; mantendo ativa a memória.
O ritmo frenético do cotidiano também encontrou lugar de pretexto para a tal “memória curta”. Tudo muito veloz, milhares de compromissos e afazeres, estresse no trânsito,... mal resta tempo para sonhar durante o sono! A vida tão à beira do limite, que os registros se superficializaram ao nível das exigências: lembrar a lista de compras do supermercado, a matéria da prova, o itinerário da viagem, por exemplo. A memória prazerosa, revestida de emoção, perdeu espaço de destaque, transformou-se em mero “arquivo morto”.
Pode parecer bobagem falar sobre a memória; mas, na verdade não é! Que pena, não gastamos quase nada da capacidade cerebral com ela; especialmente, por estarmos dispensando tão pouco interesse em fazê-lo! Ainda que alheios à profundidade de seu significado, ela traduz exatamente quem somos, a nossa essência;  esse imenso banco de dados guarda a raiz de nossos encantos e desencantos pela vida, nossas paixões mundanas, nossa caminhada rumo à evolução (ou involução, vai saber!). Imateriais, não palpáveis; mas, ao mesmo tempo tão capazes de nos envolver e acalentar! Parceiras singulares nos momentos de tempestade, de calmaria, de solidão, de comemoração, de reflexão,... Enfim, como disse José Saramago, “fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória” 1.