Prevalecendo a Opinião sobre a Razão
Por Alessandra Leles Rocha
Quando o debate da manifestação racional exercida pelo diálogo perde espaço para o imperativo da violência, a decepção e o resultado inconclusivo são sempre evidentes. Diz à ciência que somos “animais racionais”; mas, quando falha a aplicação dessa racionalidade o Homo sapiens é tão primata quanto quaisquer chimpanzés.
Ora, a partir do momento que somos a mais pura diversidade individual, o nosso pensamento reflete as suas nuances singulares e coletivas que vez por outra afinam e desafinam em meio aos demais. As tentativas impositivas em ser “o dono da verdade” ou “crer categoricamente na superioridade desta ou daquela verdade” são manifestações da mais pura ingenuidade presunçosa. Queiramos ou não há um equilíbrio que nos rege corpo e mente e nos conduz a busca incessante do consenso, ou senso comum, na fiação da delicada e, tantas vezes conturbada, maioria para deliberação das normas de conduta e convívio social. Somos uma grande tribo, uma aldeia, que precisa de regras para não caminhar a deriva, errante, sem início, meio e fim.
E na divergência de opiniões, de pontos de vista, de argumentos é que vamos aparando as arestas do passado, decidindo o presente e planejando o futuro. Na mistura das vozes, no clamor das emoções, nas entonações pálidas e vibrantes, vão se ordenando as ideias, os conceitos, os preceitos a se seguir; faz-se viva a iluminada oportunidade democrática brotada da alma popular. Na graça da racionalidade humana, o dom da palavra nos torna mais hábil do que a linguagem não verbal, aquela que usa do corpo, do sentimento, da emoção incontida para se fazer entender. Sempre haverá contentes e não contentes, satisfeitos e insatisfeitos, alegres e tristes; mas, haverá através das palavras um caminho a se definir nessa dinâmica sem fim, haverá sempre espaços para avaliações, considerações, redefinições, descobertas.
Já estamos no terceiro milênio, já rompemos os desafios de tantos séculos, já evoluímos no tocante a tecnologia e a ciência, só insistimos em permanecer arraigados no poder que se sustenta frágil na diversidade de rostos da violência. Para quem chegou tão longe no galope do tempo, por que se valer disso para sustentar opinião? Que medida mensura a verdade? Verdades não dispõem de propriedade, são relativas, temporais, não tardam olhar nos olhos do certo e do errado. Ah, se a verdade fosse absoluta! Tanta rispidez, intolerância, desatino, fanatismo, teria sido poupado!
No filme Tróia, quando o rei Príamo na calada da noite vai ao encontro de Aquiles para reaver o corpo de seu filho Hector, morto em combate pelo grande guerreiro grego, os dois tecem um dos diálogos mais reflexivo e cabível para a sociedade em todos os tempos, especialmente a contemporânea. Aquiles diz a Príamo que mesmo que lhe entregasse o corpo de Hector para o procedimento do funeral que lhe era devido como príncipe, ainda sim, pela manhã, eles permaneceriam inimigos. Então, Príamo responde que “mesmo inimigos podem ser cordiais”. A postura franca e mortalmente pacífica do rei, através de um diálogo objetivo, levam Aquiles à reflexão difícil e não menos amargurada de retroceder em sua atitude inicial e dar ao príncipe de Tróia toda a honra post mortem1.
Tróia ficou para trás, nos registros da história, nos filmes; mas, essa lição merece permanecer; afinal, o mundo é luta, disputa, poder e glória. Alianças se fazem e desfazem ao sopro dos ventos. Inimigos de ontem, amigos de hoje,... e assim caminha a humanidade. É preciso que se aplique o embate justo configurado no campo das ideias, dos pensamentos, das propostas, das realizações; aplicando a cordialidade de Príamo, onde a ética, o bom senso e a paridade possam ser mantidos. O último século manchou-se de sangue, usou e abusou dos artefatos bélicos e nucleares, matou e mutilou milhares de vidas e o mundo não se tornou melhor, nem mais bonito, nem mais fraterno, nem fez de vitoriosos e perdedores gente ausente de problemas ou dificuldades. A economia mundial balança na corda bamba, a bolha da valorização das moedas emergentes afina suas membranas e ameaça explodir, terroristas pelo mundo exalam medo entre os viventes, enfim... É possível continuar acreditando cegamente em que “os fins justificam os meios”?