quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Reino de Areia

O Reino de Areia

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Conta a história da humanidade que os grandes reinados e impérios construíram seus caminhos de ascensão, a partir das conquistas geográficas que pudessem lhes render riquezas diversas, e em abundância, a fim de consolidarem os seus poderes. Almejavam por regiões ricas em fontes de água, ungidas pela diversidade de fauna e de flora, beneficiadas por recursos minerais em quantidade, ...

É certo, que a maioria deles, usurpou demasiadamente desses recursos e levou à extinção muitos deles. Mas, façamos a ressalva, um tanto quanto óbvia, do completo desconhecimento em relação às ciências ambientais, no contexto de seus respectivos recortes temporais de ação. Eram tempos do poder pelo poder, de modo que os excessos, sob os mais diferentes vieses, ocorreram e marcaram a saga do planeta.   

Acontece que, olhando para a realidade do século XXI, com todo o seu aparato científico e tecnológico, é impossível não sentir um profundo desalento diante da involução que se observa no ser humano contemporâneo.

Apesar de dispor dos registros pregressos, que narram os absurdos e as imprevidências de outros tempos, do vasto conhecimento acumulado na diversidade de inúmeras áreas, mesmo assim, ele permanece estático na consciência do poder pelo poder.

Vejam o Brasil, de dimensões continentais, ardendo em chamas! Seus pseudomonarcas não se importam que essa geografia seja arrastada para a mais completa aridez. Um Reino de Areia. Um amontoado de espaços degradados, onde a vida em suas mais diversas formas sucumbiu, não resistiu a reincidência do fogo criminoso.

Mas, não para por aí. O mais estarrecedor não é abordar a proximidade da consolidação desse Reino de Areia ou o silêncio desses pseudomonarcas sobre esse assunto. O mais estarrecedor é perceber como o poder cega no mais absoluto da consciência humana, nas questões vitais à sobrevivência. O Reino de Areia é um reino sem água. Sem ar respirável. Sem temperatura suportável. Sem capacidade de produção de alimentos. ...

Então, o que significa o poder em um reino assim? Estamos assistindo à construção de montanhas de areia. Uma paisagem desértica, árida, em todos os sentidos. Geográfica. Ecossistêmica. Humana.

Sim, o Reino de Areia começa a ser formado nas bases ideológicas da sociedade. Na aridez da indiferença, do desrespeito, da violência, da desigualdade, ... E se o indivíduo está deteriorado na sua essência humana, ele acaba por refletir essa deterioração no seu entorno.

Quando se fala no individualismo exacerbado, no egoísmo, no narcisismo, na ausência de empatia e de alteridade, no mundo contemporâneo, há quem faça pouco disso e considere esse debate totalmente desimportante.

Só que não. Esse silêncio que traduz a ausência de interesse nessas discussões, na verdade, é um excelente catalisador para acelerar a formatação desse Reino de Areia.

Afinal, ele parte da negligência em relação ao elemento principal das relações, que é o ser humano. Quando não existe preocupação quanto à qualidade da nossa humanidade, ou seja, dos nossos valores, crenças, princípios, sentimentos e emoções, o desenrolar da história se torna temerário.

Fica patenteada uma permissividade que ultrapassa os limites do nosso próprio instinto de sobrevivência. Não há preocupação, quanto ao bem-estar, de uns com os outros. O que faz do adoecimento e da morte, por exemplo, fatos banalizados e de total irrelevância.

Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, no século XIV, escreveu que “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Portanto, lamento informar, mas o Reino de Areia é sim, o nosso futuro comum.

Abstendo-nos pelo silêncio, referendamos esse caos democrático do fogo, essa dor sufocada pela fumaça, essa insuficiência emergente de água, essa desproteção desanimadora. Até o dia em que teremos um país begificado na sua homogeneização arenosa.