domingo, 28 de maio de 2023

A dicotômica alma brasileira


A dicotômica alma brasileira

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O Brasil não é mesmo para amadores! Analisar o que acontece no cotidiano desse país é bem mais desafiador, do que pensam muitos, por aí; mas, ao mesmo tempo, não é sem lógica. Nascido e marcado pelo Colonialismo, as estruturas de poder estiveram presentes nas mãos da Monarquia metropolitana, depois da burguesia emergente, até chegar aos moldes das elites contemporâneas. O que demonstra um elo de ancestralidade entre os indivíduos, no qual o poder acaba sendo transmitido de geração em geração, ressalvadas raríssimas exceções.

Mas, não para por aí! Talvez, sem se dar conta, o Brasil tem um modo de ser dicotômico muito revelador. Bem e Mal. Nós e eles. Ricos e pobres. Mocinhos e vilões. Dominantes e dominados. ... Não é à toa que, apesar de existirem 31 partidos políticos legalizados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ideologicamente falando, o país se divide na essência pela perspectiva da Direita e da Esquerda. O que explica, ao menos em parte, a razão pela qual a fidelidade político-partidária é tão frágil, tão susceptível ao troca-troca, por aqui. Afinal, substitui-se seis por meia dúzia!

No fundo, então, é sempre mais do mesmo: ou para a Direita ou para a Esquerda, não havendo, de fato, diferenças profundas e significativas entre eles. Haja vista a facilidade com que se agregam em blocos para defender seus interesses comuns, quando a situação aperta. E como já era de se esperar, em razão da base histórica nacional, a maior representatividade partidária está nas mãos da Direita e de seus mais matizes, mais ou menos radicais e extremistas.

Aliás, a própria denominação de Centrão, que acabou se popularizando pelos corredores do Congresso Nacional, na verdade, não passa de elementos da Direita que diante de certas circunstâncias, de tomada de decisões, se mantêm em cima do muro, até que consigam manejar da melhor forma as suas estratégias fisiológicas e satisfazer seus próprios interesses. Afinal, como já manifestei acima, o país se divide essencialmente pela perspectiva da Direita e da Esquerda, não havendo, portanto, um fundamento consolidado que possa traduzir como uma terceira via, capaz de reunir em si uma nova ordem político-ideológica.

Eis, então, que de repente, prestando bastante atenção aos movimentos do cotidiano brasileiro, se descobre que além do cenário político, essa discussão também marca o Poder Judiciário nacional. Na verdade, nada mais natural, tendo em vista que as estruturas de poder estiveram, na maior parte da história, presentes nas mãos das elites nacionais, cujas crenças, princípios, valores e convicções se nutrem da perspectiva do ideário da Direita. O que significa que as análises e decisões acabam não usufruindo, necessariamente, de uma isenção plena, no que diz respeito a uma aplicação mais justa, igualitária e equitativa do direito.

O exemplo mais recente disso se traduz pela notícia de que o “Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por maioria de votos, o decreto presidencial que retirou o Brasil da Convenção 158 1da Organização Mundial do trabalho (OIT), que proíbe demissões sem causa justificada nos países aderentes” 2. Afinal de contas, um dos aspectos mais característicos presentes no ideário da Direita e de seus mais matizes, mais ou menos radicais e extremistas, é justamente a manutenção de direitos que privilegiem as elites proprietárias dos meios de produção em detrimento do trabalhador.

Estamos, então, diante de mais um ataque certeiro na consolidação da vulnerabilização trabalhista no país. Queiram ou não admitir, a contemporaneidade vive sob uma tensão social fora de controle, a qual acaba sendo marcada por diferentes formas de violência. Como é sabido notoriamente, qualquer motivo se torna motivo para cancelar, invisibilizar, prejudicar, preterir, banir, desqualificar, humilhar, indivíduos que não estejam, por alguma razão, alinhados ao pensamento e/ou ao comportamento dentro de um dado contexto social. Porque resiste e persiste no Brasil uma demarcação flagrante em torno da percepção da desigualdade imposta pelas camadas mais privilegiadas da sociedade.

Ora, cada vez mais amiúde, os veículos de informação e comunicação são invadidos por notícias de trabalho análogo à escravidão, racismo, injúria racial, xenofobia, homo/transfobia, misoginia, cujos episódios relatados se deram majoritariamente no ambiente laboral. De modo que essa decisão do STF silencia, inivisibiliza e obstaculiza quaisquer possibilidades de defesa do trabalhador pelo direito da sua dignidade, quando, de uma hora para outra, é demitido sem nenhuma justificativa.

Sem contar que essa decisão reforça a posição de poder do empregador sobre o empregado, propiciando inclusive que esse desequilíbrio de forças favoreça ao recrudescimento de práticas criminosas contra o trabalhador. Recententemente, o Brasil soube do escândalo de assédio moral e sexual contra funcionárias da Caixa Econômica Federal 3, que passaram pelo dissabor de ameaças de demissão e/ou de transferência para cargos inferiores aos que teriam direito, no caso de contestarem o poder da chefia que as assediava.

É possível que venhamos a assistir, portanto, uma guerra selvagem pelas oportunidades formais no mercado de trabalho, em tempos cuja economia desacelerada impede uma captação intensa de mão de obra. Sim, porque diante de um número exíguo de vagas, o cidadão acaba sendo levado a aceitar e a se submeter a eventuais absurdos para se manter no trabalho, sem que isso se traduza, de fato, em quaisquer garantias de permanência e longevidade no emprego. De repente, a chegada de um amigo, ou para atender a uma solicitação superior, ou para constituir um quadro de trabalhadores com salário inferior, e o cidadão é posto no olho da rua.

Isso é muito grave, porque o país apresenta um quadro de 9,4 milhões de pessoas desocupadas, 67 milhões fora do mercado de trabalho, 3,9 milhões desalentadas, 12,8 milhões sem carteira assinada e 38,1 milhões de informais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) Contínua, mais recente, divulgada pelo instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 4. Desse modo, qualquer movimento que possa levar a um quadro de instabilidade nesses números, por conta de decisões impensadas ou irresponsáveis, por parte dos empregadores, tende sim, a levar o país ao agravamento do cenário de empobrecimento e desaceleração econômica nacional.

O pior é que essas pessoas sabem disso. As elites dominantes. Os defensores e simpatizantes da Direita e de seus mais matizes, mais ou menos radicais e extremistas. Mas, como dizia Eduardo Galeano, “A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”. Daí a necessidade de você, leitor (a), se posicionar diante dessas verdades indigestas e ir além da seguinte questão: “O que são as pessoas de carne e osso? Para os mais notórios economistas, números. Para os mais poderosos banqueiros, devedores. E para os mais exitosos políticos, votos” (Eduardo Galeano). Afinal, só quando você se permite ler, pensar e refletir sobre essas linhas e entrelinhas, é que você acaba se deparando com o seu lugar de fala nesse palco da dicotomia social brasileira.  

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