quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Pontes. Travessias. Escolhas. Onde é que tudo isso vai dar?


Pontes. Travessias. Escolhas. Onde é que tudo isso vai dar?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A queda de duas pontes, em menos de duas semanas, no Amazonas 1, e a de uma outra, no oeste catarinense 2, expõe algo muito mais preocupante do que o desastre em si. Afinal de contas, quedas de pontes não pertencem ao rol das fatalidades. Quase sempre são frutos de erros e inobservâncias em projetos, da má qualidade de materiais, da ausência de fiscalização e manutenção periódicas, do excesso contínuo de tráfego e de peso, enfim...

E como é de conhecimento público, no Brasil, obras rodoviárias são obras caríssimas, que despertam a atenção e o interesse de grandes empreiteiras, na medida em que são expressivos os montantes de recursos públicos investidos. Sem contar que costumam extrapolar os prazos de realização licitados e, por isso, frequentemente, são acrescidas de aditivos orçamentários. A grande questão é que isso não traduz necessariamente o resultado de qualidade e de durabilidade esperados. O que significa que boa parte dos investimentos se perde por outros caminhos que não aqueles previstos nos objetivos principais da obra.    

Acontece que vivemos tempos bastante mudados. A recorrência e a intensidade dos eventos climáticos extremos têm confrontado as práticas da engenharia em todo o planeta. Os grandes volumes pluviométricos em curtos espaços de tempo. A força descomunal dos ventos. Os impactos da amplitude térmica expressas por altíssimas e baixíssimas temperaturas. A presença do fogo pelas irresponsáveis ações antrópicas. ... Tudo isso acelera o processo de degradação e de deterioração das edificações, as quais, nem sempre, são constituídas obedecendo regiamente os protocolos técnicos.

Portanto, há uma tendência natural de que as obras públicas no país venham a resistir cada vez menos tempo, caso não sejam constantemente vistoriadas e reparadas. Em relação àquelas que ainda venham a ser construídas, o rigor técnico precisará ser cumprido sem contestações, porque corre-se o risco de alçá-las à uma condição de temporariedade, tendo que refazê-las periodicamente. O que significa um gasto público sem fim e que não gera o benefício esperado. Agora, vamos e convenhamos que estes não são tempos de jogar dinheiro pela janela, não é mesmo?

São tempos bicudos, difíceis. Não só para o Brasil; mas, para o mundo. O recrudescimento das crises econômicas imposto pela Pandemia da COVID-19, pela Guerra na Ucrânia, pela desaceleração da produção planetária, tudo isso implica em um aprendizado que começa pela tecitura de gestões capazes de otimizar os recursos disponíveis para convertê-los na solução do maior número de demandas, ou seja, fazer o máximo e o melhor com o pouco que se tem. Então, quaisquer desperdícios estão fora de cogitação. Sobretudo, para um país em desenvolvimento como é o Brasil.

Como todos sabem, ou pelo menos já deveriam saber, a economia no Brasil flui pela infraestrutura rodoviária, predominantemente. Assim, a queda de uma ponte, por exemplo, representa bem mais do que o isolamento territorial de parte da sua população. A queda de uma ponte é automaticamente a queda de arrecadação de impostos e tributos, a queda da circulação do capital e do consumo, a queda no escoamento de bens e serviços, ou seja, ela é uma queda socioeconômica.

E isso não é pouca coisa! Especialmente, considerando que apesar do aumento recente da projeção do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, em 2022, pelo Fundo Monetário Internacional, o país permanece abaixo da média global e já com projeção de crescer 1% em 2023. Pois, eles estimam que “cerca de um terço do PIB global tenha contração no próximo ano” 3. Uma realidade que prova a impossibilidade de o Brasil agir com imprevidência e irresponsabilidade em relação aos investimentos com recursos públicos.

Dentro desse contexto, então, não me parece que as pontes que caíram, ou quaisquer outras obras pendentes, venham a ser socorridas pelo governo, com a rapidez e a urgência necessárias. E aí, quanto mais demorar, mais o processo de degradação e de deterioração das estruturas se intensifica e onera as soluções.

O Brasil, mais uma vez, rodopia no seu já conhecido círculo vicioso! O que significa a postergação contínua das suas mazelas. E de pontes em pontes, que caem diante dos nossos olhos, descobrimos como é difícil atravessar para o futuro, para o progresso, para o desenvolvimento. Por isso, a esperança e os sonhos ficam sempre nos acenando na outra margem do rio.

É nessas horas, então, em tempos de escolhas como os que vivemos agora, que as palavras de Friedrich Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, fazem todo sentido: “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o! ”.