Pontes.
Travessias. Escolhas. Onde é que tudo isso vai dar?
Por
Alessandra Leles Rocha
A queda de duas pontes, em menos
de duas semanas, no Amazonas 1, e a de
uma outra, no oeste catarinense 2, expõe algo
muito mais preocupante do que o desastre em si. Afinal de contas, quedas de
pontes não pertencem ao rol das fatalidades. Quase sempre são frutos de erros e
inobservâncias em projetos, da má qualidade de materiais, da ausência de
fiscalização e manutenção periódicas, do excesso contínuo de tráfego e de peso,
enfim...
E como é de conhecimento público,
no Brasil, obras rodoviárias são obras caríssimas, que despertam a atenção e o
interesse de grandes empreiteiras, na medida em que são expressivos os montantes
de recursos públicos investidos. Sem contar que costumam extrapolar os prazos
de realização licitados e, por isso, frequentemente, são acrescidas de aditivos
orçamentários. A grande questão é que isso não traduz necessariamente o
resultado de qualidade e de durabilidade esperados. O que significa que boa
parte dos investimentos se perde por outros caminhos que não aqueles previstos
nos objetivos principais da obra.
Acontece que vivemos tempos
bastante mudados. A recorrência e a intensidade dos eventos climáticos extremos
têm confrontado as práticas da engenharia em todo o planeta. Os grandes volumes
pluviométricos em curtos espaços de tempo. A força descomunal dos ventos. Os impactos
da amplitude térmica expressas por altíssimas e baixíssimas temperaturas. A presença
do fogo pelas irresponsáveis ações antrópicas. ... Tudo isso acelera o processo
de degradação e de deterioração das edificações, as quais, nem sempre, são constituídas
obedecendo regiamente os protocolos técnicos.
Portanto, há uma tendência natural
de que as obras públicas no país venham a resistir cada vez menos tempo, caso
não sejam constantemente vistoriadas e reparadas. Em relação àquelas que ainda
venham a ser construídas, o rigor técnico precisará ser cumprido sem contestações,
porque corre-se o risco de alçá-las à uma condição de temporariedade, tendo que
refazê-las periodicamente. O que significa um gasto público sem fim e que não
gera o benefício esperado. Agora, vamos e convenhamos que estes não são tempos
de jogar dinheiro pela janela, não é mesmo?
São tempos bicudos, difíceis. Não
só para o Brasil; mas, para o mundo. O recrudescimento das crises econômicas imposto
pela Pandemia da COVID-19, pela Guerra na Ucrânia, pela desaceleração da
produção planetária, tudo isso implica em um aprendizado que começa pela
tecitura de gestões capazes de otimizar os recursos disponíveis para convertê-los
na solução do maior número de demandas, ou seja, fazer o máximo e o melhor com
o pouco que se tem. Então, quaisquer desperdícios estão fora de cogitação. Sobretudo,
para um país em desenvolvimento como é o Brasil.
Como todos sabem, ou pelo menos já
deveriam saber, a economia no Brasil flui pela infraestrutura rodoviária,
predominantemente. Assim, a queda de uma ponte, por exemplo, representa bem mais
do que o isolamento territorial de parte da sua população. A queda de uma ponte
é automaticamente a queda de arrecadação de impostos e tributos, a queda da
circulação do capital e do consumo, a queda no escoamento de bens e serviços,
ou seja, ela é uma queda socioeconômica.
E isso não é pouca coisa! Especialmente,
considerando que apesar do aumento recente da projeção do Produto Interno Bruto
(PIB) nacional, em 2022, pelo Fundo Monetário Internacional, o país permanece
abaixo da média global e já com projeção de crescer 1% em 2023. Pois, eles
estimam que “cerca de um terço do PIB
global tenha contração no próximo ano” 3.
Uma realidade que prova a impossibilidade de o Brasil agir com imprevidência e
irresponsabilidade em relação aos investimentos com recursos públicos.
Dentro desse contexto, então, não
me parece que as pontes que caíram, ou quaisquer outras obras pendentes, venham
a ser socorridas pelo governo, com a rapidez e a urgência necessárias. E aí,
quanto mais demorar, mais o processo de degradação e de deterioração das
estruturas se intensifica e onera as soluções.
O Brasil, mais uma vez, rodopia
no seu já conhecido círculo vicioso! O que significa a postergação contínua das
suas mazelas. E de pontes em pontes, que caem diante dos nossos olhos,
descobrimos como é difícil atravessar para o futuro, para o progresso, para o
desenvolvimento. Por isso, a esperança e os sonhos ficam sempre nos acenando na
outra margem do rio.
É nessas horas, então, em tempos
de escolhas como os que vivemos agora, que as palavras de Friedrich Nietzsche,
em Assim Falou Zaratustra, fazem
todo sentido: “Ninguém pode construir em
teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida. Ninguém,
exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e
semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a
tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único
caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o! ”.