Preces
diante de um eventual perigo?!
Por
Alessandra Leles Rocha
É uma pena que no Brasil só se
lembre da Democracia, quando ela parece em risco! Coisas do ranço colonial? Certamente.
Mas, que já poderiam ter sido superadas na simples observância da realidade sociotemporal.
Afinal de contas, o caminhar do relógio vai tornando tudo bem menos ajustável e
cabível. A ideia de fazer dos limites algo demasiadamente flexível aos próprios
interesses é que cria esse tipo de situação.
De modo que a Democracia vive por
um triz! Seja nas manifestações de afronta à liberdade individual perante o
Estado, à liberdade de opinião e de expressão da vontade política, à liberdade
de imprensa e de acesso à informação, à pluralidade e diversidade ideológica, à
igualdade dos direitos e oportunidades sociais, ou à alternância do poder
conforme os interesses populares.
Porque no dia a dia, o
inconsciente coletivo do povo brasileiro está tão subjugado e dominado pela
apatia da trivialização e da banalização dos acontecimentos, que as pessoas não
conseguem dimensionar com exatidão a corda-bamba em que a Democracia se
equilibra. A realidade parece embebida por uma névoa que ofusca a acuidade
visual da população, impedindo-a de exercitar o mínimo que seja da sua
capacidade de análise crítico-reflexiva.
Nos tempos em que as manchetes se
destacam como a leitura mais rotineira dos cidadãos, os prejuízos da
desinformação ou da baixa qualidade informativa contribuem, ainda mais, para
esse processo de deterioração e desvirtuamento democrático. Justificados, pelo
roto discurso da pressa e da fugacidade contemporânea, então, os cidadãos se
alistam nas fileiras da alienação coletiva.
Acontece que a realidade é sempre
implacável. Ela não perdoa certos comportamentos! De modo que os desconfortos
começam a sair pelos poros. A rabugice impaciente começa a tomar conta dos indivíduos.
Porque algo não está bem. Tudo parece fora de lugar, desconectado, desajustado,
incapaz de lograr êxito. Por mais que o cidadão queira se iludir colocando suas
lentes cor-de-rosa, a vida é o que é.
Então, ele é tomado pela
indignação e acorda do seu torpor (voluntário). Percebe que se não agir, não
tomar pé da situação, o grande prejudicado será ele mesmo. Ora, a
personificação da Democracia é o povo! Se ela está em risco, por consequência ele
também está. Não dá para dissociar uma coisa da outra, por mais difícil que
seja, tratando-se de um país de origem colonial.
No entanto, me parece que esse
tempo de despertar está deveras enviesado! A fagulha que desencadeou o fervor
dessa discussão atual está diretamente relacionada às conjunturas que tecem o
pleito eleitoral previsto para outubro desse ano. Acontece, que ao meu ver, ela
é só espuma perto do que realmente demanda a Democracia brasileira para, de
fato, se fortalecer.
É preciso entender que a vida não
se constitui apenas de componentes materiais e objetivos; mas, de camadas de
subjetividade extremamente importantes. Isso significa que não bastam as
discussões em torno de certos indivíduos, é preciso, ou melhor, é imperioso,
promover a desconstrução de certas bases ideológicas que arrastam correntes e
pessoas a esmo nesse país.
Afinal, os riscos democráticos se
escondem nisso. Em discursos e
narrativas que tendem a gerar ruídos intensos e contínuos a fim de conquistar a
atenção de um número cada vez maior de ouvintes. Aí, quando olhamos para o lado,
percebemos que certas questões voltam a emergir seus conflitos que já deveriam
ter sido resolvidos e superados. É o racismo. É a intolerância religiosa. É o
trabalho análogo à escravidão. É a homofobia. É a aporofobia. É o sexismo. É a
eugenia. ...
As desigualdades, as
fragmentações, as segregações são, portanto, os grandes sinalizadores do risco
democrático brasileiro. As quais vêm sendo organizadas e reorganizadas ao longo
desses mais de 500 anos, apontando para um movimento de resistência às
transformações que venham beneficiar e consolidar uma Democracia contemporânea e,
periodicamente, renovada.
Então, não basta substituir e/ou
destituir pessoas desse ou daquele lugar. Não basta exercitar o voto nesse ou
naquele candidato. A Democracia está em risco pela ausência da efetividade do
exercício cidadão. Quando a sociedade não se entende um coletivo plural e responsável
pelo espaço geográfico que ocupa e, ao invés disso, trabalha na contramão dessa
compreensão, atinge-se diretamente as bases democráticas. Pois há uma franca
ruptura do consenso que é aquilo que equilibra as forças dentro da estrutura
social.
A Democracia no Brasil vem
morrendo, um pouco a cada dia, por isso. Porque não se estabeleceu ainda,
apesar do curso histórico percorrido até aqui, um senso de unidade. Já dizia
Nelson Mandela, por exemplo, que “Democracia
com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”.
Mas, por enquanto, o que parece mesmo elevar a preocupação a respeito dos rumos democráticos brasileiros tem sido o entendimento repentino de que “Numa ditadura, não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura” (Mário Sergio Cortella). Assim, aguardemos com alguma esperança o dia em que se realmente compreenda que “A democracia não pode se limitar à simples substituição de um governo por outro. Temos uma democracia formal, precisamos de uma democracia substancial” (José Saramago 1).