O
fim da COP26 é ... só o começo
Por
Alessandra Leles Rocha
Se engana quem pensa que o fim da
Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na
Escócia, será o silêncio da juventude mundial e das minorias que por lá
transitaram. A consciência e o ativismo dessas pessoas estão muito bem
fundamentados pela realidade e pela Ciência, então, seus discursos não foram
para chamar a atenção e captar uma visibilidade eventual, por assim dizer.
Muita gente os desdenha, faz chacota de suas manifestações; mas, estou certa de
que muito antes do que se pensa eles serão reafirmados pelas próprias catástrofes
climáticas.
A verdade é que não importa se os
grandes líderes do planeta ouviram ou levaram em consideração os alertas dessas
pessoas. Ou se irão tomar as medidas necessárias no momento atual. Cada novo
episódio de destruição e tragédia ambiental a ocorrer no planeta é que irá
cobrar uma solução imediata. É o nível de gravidade dos acontecimentos que
impõe medidas urgentes. Incêndios florestais, por exemplo, não podem esperar
dias, meses ou anos para serem combatidos. De modo que protocolos e
planejamentos a fim de evitá-los se tornam inquestionáveis e imperiosos.
E o que os defensores da
sustentabilidade socioambiental procuraram expor durante a COP26 foi exatamente
isso. Os impactos ambientais negativos já estão em curso e cada vez piores. Não
fazer nada é uma escolha; mas, não a escolha certa. O preço de recuperação pode
ser impagável, tendo em vista que muitos desastres ambientais não têm mais a
chance de passar por um processo assim. Não é à toa a quantidade de áreas em
franco processo de desertificação no planeta. Ou áreas submetidas a inundações
frequentes pelo avanço incontrolável das águas oceânicas.
Não é necessário ser cientista ou
expert em Meio Ambiente para perceber
que a configuração geográfica da Terra está mudando. E que isso afeta
diretamente a sobrevivência e as relações sociais dos quase 8 bilhões de
habitantes do planeta. Segundo relatório recente do Banco Mundial, “ao todo, 216 milhões de pessoas poderão ter
que deixar suas regiões por causa das alterações do clima” 1. As causas principais apontadas no
relatório “Groundswell” incluem a
escassez hídrica, a diminuição da produtividade no campo (de maneira geral), o
estresse térmico, o aumento do nível do mar e os eventos climáticos extremos
(tornados, furacões, tempestades).
De modo que dentre as projeções
para a América do Sul está o fato de que deverão sair 17 milhões de migrantes
climáticos até 2050. A questão é saber como resolver tudo isso, diante de um
planeta severamente impactado, sob diversos aspectos, por uma Pandemia, ainda
em curso. Há pessoas não vacinadas. Há inflação. Há desaceleração produtiva. Há
milhões de desempregados. Há empobrecimento populacional. Há fome. Há
insuficiência de água. Há problemas de abastecimento de energia elétrica. ...
Problemas que podem agravar e extrapolar a capacidade resolutiva dos países, em
razão do fluxo de legiões de migrantes do clima.
Podemos dizer, então, que “uma bomba-relógio está prestes a explodir”
se nada de concreto for feito. O desdém com o qual esse assunto vem sendo
tratado, ao longo de pouco mais de meio século, demonstra exatamente o porquê a
situação está como está. Encontros. Discursos. Promessas. Documentos. Mas, na
hora de se colocar em prática as decisões, quase nada de efetivo aconteceu. O
poder dos interesses econômicos esteve sempre à frente e superior aos
interesses da sobrevivência planetária e humana, não importando se as práxis eram cada vez mais nocivas e
degradantes, no que tangem às responsabilidades socioambientais.
Infelizmente, a humanidade fez do
Meio Ambiente uma bola de neve que, agora, ameaça destruir o que estiver pela
frente. Vejam o exemplo do deserto do Atacama, no Chile, que se transformou em
um “lixão tóxico” da moda descartável nos países desenvolvidos. Trata-se do resultado
do “consumo excessivo e fugaz de roupas,
com redes capazes de lançar mais de 50 coleções de novos produtos por ano”,
que faz “com que o desperdício têxtil
cresça exponencialmente no mundo”. Nesse caso, são “cerca de 59 mil toneladas por ano entrando na zona franca do porto de
Iquique, a 1800 quilômetros de Santiago”2.
Isso sem contar as toneladas de
plástico boiando pelos oceanos e destruindo a fauna e a flora marinha, os
efluentes despejados pelos navios de carga e de passageiros durante as viagens,
os resíduos industriais dispersos na água, no solo e no ar, as chuvas de
agrotóxico sobre as plantações, os derramamentos de petróleo nas regiões
costeiras, ... Infinitas possibilidades de catástrofes ambientais que se
multiplicam em razão da manutenção de práticas econômicas não sustentáveis. E
não há como contestar ou negar, porque tudo está muito bem registrado,
fotografado, filmado e acompanhado pelo olhar atento da sociedade civil, dos
jornalistas, dos pesquisadores e cientistas, dos ambientalistas, mundo afora.
Inclusive, é importante salientar
que muitas das doenças que exterminam milhões de pessoas por ano, no planeta, são
decorrentes de fatores ambientais. Frutos de poluições diversas que acontecem
em larga escala e se disseminam pelo ar, pelo solo, pelas águas e afetam o
equilíbrio da fisiologia humana, da sua bioquímica, do seu DNA. Muitas delas
incuráveis, como é o caso da Doença de Minamata, uma síndrome neurológica
decorrente do envenenamento por mercúrio. Porque a diversidade de agentes
poluentes se amplia em conformidade às demandas econômicas, como é o caso dos
agrotóxicos e dos resíduos da queima de plásticos – dioxinas, furanos, mercúrio
e bifenilos policlorados (PCB). Mesmo sabendo que esses produtos podem causar
vários tipos de câncer, ou doenças nos rins e no fígado, ou doenças
degenerativas (tais como, o Alzheimer), eles continuam sendo liberados pelos
governos.
Então, não importa se a geração
da Greta Thunberg, nascida nos anos 2000, não presenciou o início dessa saga
catastrófica. Porque, certamente, eles já pegaram os efeitos consolidados dos
estragos. Eles já nasceram sob a atmosfera da poluição, a ocorrência dos
eventos climáticos extremos e o fluxo migratório dos refugiados do clima. E ano
após ano, eles aprenderam a perceber que não existe melhora nos indicadores,
que tudo piora avassaladoramente. Só que eles não se furtam em demonstrar a sua
indignação temerosa e, nem tampouco, cobrar dos seus cobradores de impostos e
tributos uma solução. Eles não querem permanecer inertes em uma cômoda inação,
porque isso é sim, uma sentença de morte lenta e gradual.
Entretanto, no fim das contas, serão os fatos que falarão por si, que cobrarão a tão esperada mudança, que ecoarão mais alto que qualquer voz. Aos jovens, as minorias e a quem mais estiver por aqui restará a satisfação de ver os governos se curvarem, admitirem todas as obviedades da realidade e arregaçarem as mangas de uma vez por todas. Não deixa de ser um pouco frustrante, de ter um certo gosto de fracasso social, em razão da demora e por não se tratar de um gesto genuíno e consciente. Mas, como dizem por aí, “antes tarde do que nunca”. O importante é que a necessidade irá mostrar que pesa mais nessa balança onde o capital sempre pensou que mandava e desmandava. Que a nova ordem mundial não é uma questão geopolítica; mas, ela é fundamentalmente socioambiental. Ela vem a ser a ruptura drástica dos antigos valores e princípios, no que diz respeito às relações de produção, de consumo, de sobrevivência, de dignidade humana e ambiental. O mais importante é que será um tempo que não tarda a chegar. É como diz a canção, “No novo tempo, apesar dos castigos / Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos / Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer [...]” 3.
1 https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/09/13/refugiados-climaticos-17-milhoes-de-pessoas-na-america-latina-poderao-ser-forcadas-a-migrarem-ate-2050.ghtml
2 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/11/10/no-chile-o-deserto-do-atacama-abriga-lixao-toxico-da-moda-descartavel-do-1-mundo.ghtml
3 Novo tempo – Ivan Lins / Vitor Martins (https://www.youtube.com/watch?v=eXlne2wcMfs)