domingo, 14 de novembro de 2021

O fim da COP26 é ... só o começo


O fim da COP26 é ... só o começo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se engana quem pensa que o fim da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, será o silêncio da juventude mundial e das minorias que por lá transitaram. A consciência e o ativismo dessas pessoas estão muito bem fundamentados pela realidade e pela Ciência, então, seus discursos não foram para chamar a atenção e captar uma visibilidade eventual, por assim dizer. Muita gente os desdenha, faz chacota de suas manifestações; mas, estou certa de que muito antes do que se pensa eles serão reafirmados pelas próprias catástrofes climáticas.

A verdade é que não importa se os grandes líderes do planeta ouviram ou levaram em consideração os alertas dessas pessoas. Ou se irão tomar as medidas necessárias no momento atual. Cada novo episódio de destruição e tragédia ambiental a ocorrer no planeta é que irá cobrar uma solução imediata. É o nível de gravidade dos acontecimentos que impõe medidas urgentes. Incêndios florestais, por exemplo, não podem esperar dias, meses ou anos para serem combatidos. De modo que protocolos e planejamentos a fim de evitá-los se tornam inquestionáveis e imperiosos.

E o que os defensores da sustentabilidade socioambiental procuraram expor durante a COP26 foi exatamente isso. Os impactos ambientais negativos já estão em curso e cada vez piores. Não fazer nada é uma escolha; mas, não a escolha certa. O preço de recuperação pode ser impagável, tendo em vista que muitos desastres ambientais não têm mais a chance de passar por um processo assim. Não é à toa a quantidade de áreas em franco processo de desertificação no planeta. Ou áreas submetidas a inundações frequentes pelo avanço incontrolável das águas oceânicas.

Não é necessário ser cientista ou expert em Meio Ambiente para perceber que a configuração geográfica da Terra está mudando. E que isso afeta diretamente a sobrevivência e as relações sociais dos quase 8 bilhões de habitantes do planeta. Segundo relatório recente do Banco Mundial, “ao todo, 216 milhões de pessoas poderão ter que deixar suas regiões por causa das alterações do clima” 1. As causas principais apontadas no relatório “Groundswell” incluem a escassez hídrica, a diminuição da produtividade no campo (de maneira geral), o estresse térmico, o aumento do nível do mar e os eventos climáticos extremos (tornados, furacões, tempestades).

De modo que dentre as projeções para a América do Sul está o fato de que deverão sair 17 milhões de migrantes climáticos até 2050. A questão é saber como resolver tudo isso, diante de um planeta severamente impactado, sob diversos aspectos, por uma Pandemia, ainda em curso. Há pessoas não vacinadas. Há inflação. Há desaceleração produtiva. Há milhões de desempregados. Há empobrecimento populacional. Há fome. Há insuficiência de água. Há problemas de abastecimento de energia elétrica. ... Problemas que podem agravar e extrapolar a capacidade resolutiva dos países, em razão do fluxo de legiões de migrantes do clima.

Podemos dizer, então, que “uma bomba-relógio está prestes a explodir” se nada de concreto for feito. O desdém com o qual esse assunto vem sendo tratado, ao longo de pouco mais de meio século, demonstra exatamente o porquê a situação está como está. Encontros. Discursos. Promessas. Documentos. Mas, na hora de se colocar em prática as decisões, quase nada de efetivo aconteceu. O poder dos interesses econômicos esteve sempre à frente e superior aos interesses da sobrevivência planetária e humana, não importando se as práxis eram cada vez mais nocivas e degradantes, no que tangem às responsabilidades socioambientais.

Infelizmente, a humanidade fez do Meio Ambiente uma bola de neve que, agora, ameaça destruir o que estiver pela frente. Vejam o exemplo do deserto do Atacama, no Chile, que se transformou em um “lixão tóxico” da moda descartável nos países desenvolvidos. Trata-se do resultado do “consumo excessivo e fugaz de roupas, com redes capazes de lançar mais de 50 coleções de novos produtos por ano”, que faz “com que o desperdício têxtil cresça exponencialmente no mundo”. Nesse caso, são “cerca de 59 mil toneladas por ano entrando na zona franca do porto de Iquique, a 1800 quilômetros de Santiago”2.

Isso sem contar as toneladas de plástico boiando pelos oceanos e destruindo a fauna e a flora marinha, os efluentes despejados pelos navios de carga e de passageiros durante as viagens, os resíduos industriais dispersos na água, no solo e no ar, as chuvas de agrotóxico sobre as plantações, os derramamentos de petróleo nas regiões costeiras, ... Infinitas possibilidades de catástrofes ambientais que se multiplicam em razão da manutenção de práticas econômicas não sustentáveis. E não há como contestar ou negar, porque tudo está muito bem registrado, fotografado, filmado e acompanhado pelo olhar atento da sociedade civil, dos jornalistas, dos pesquisadores e cientistas, dos ambientalistas, mundo afora.

Inclusive, é importante salientar que muitas das doenças que exterminam milhões de pessoas por ano, no planeta, são decorrentes de fatores ambientais. Frutos de poluições diversas que acontecem em larga escala e se disseminam pelo ar, pelo solo, pelas águas e afetam o equilíbrio da fisiologia humana, da sua bioquímica, do seu DNA. Muitas delas incuráveis, como é o caso da Doença de Minamata, uma síndrome neurológica decorrente do envenenamento por mercúrio. Porque a diversidade de agentes poluentes se amplia em conformidade às demandas econômicas, como é o caso dos agrotóxicos e dos resíduos da queima de plásticos – dioxinas, furanos, mercúrio e bifenilos policlorados (PCB). Mesmo sabendo que esses produtos podem causar vários tipos de câncer, ou doenças nos rins e no fígado, ou doenças degenerativas (tais como, o Alzheimer), eles continuam sendo liberados pelos governos.

Então, não importa se a geração da Greta Thunberg, nascida nos anos 2000, não presenciou o início dessa saga catastrófica. Porque, certamente, eles já pegaram os efeitos consolidados dos estragos. Eles já nasceram sob a atmosfera da poluição, a ocorrência dos eventos climáticos extremos e o fluxo migratório dos refugiados do clima. E ano após ano, eles aprenderam a perceber que não existe melhora nos indicadores, que tudo piora avassaladoramente. Só que eles não se furtam em demonstrar a sua indignação temerosa e, nem tampouco, cobrar dos seus cobradores de impostos e tributos uma solução. Eles não querem permanecer inertes em uma cômoda inação, porque isso é sim, uma sentença de morte lenta e gradual.

Entretanto, no fim das contas, serão os fatos que falarão por si, que cobrarão a tão esperada mudança, que ecoarão mais alto que qualquer voz. Aos jovens, as minorias e a quem mais estiver por aqui restará a satisfação de ver os governos se curvarem, admitirem todas as obviedades da realidade e arregaçarem as mangas de uma vez por todas. Não deixa de ser um pouco frustrante, de ter um certo gosto de fracasso social, em razão da demora e por não se tratar de um gesto genuíno e consciente. Mas, como dizem por aí, “antes tarde do que nunca”. O importante é que a necessidade irá mostrar que pesa mais nessa balança onde o capital sempre pensou que mandava e desmandava. Que a nova ordem mundial não é uma questão geopolítica; mas, ela é fundamentalmente socioambiental. Ela vem a ser a ruptura drástica dos antigos valores e princípios, no que diz respeito às relações de produção, de consumo, de sobrevivência, de dignidade humana e ambiental. O mais importante é que será um tempo que não tarda a chegar. É como diz a canção, “No novo tempo, apesar dos castigos / Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos / Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer [...]” 3